sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Quem paga?

Acho que subestimamos a quantidade de pessoas que, em Portugal, olham para a liberdade com desconfiança. Às vezes tenho a ideia que muita gente estaria disposta a trocar a liberdade por quase nada. Nas outra vezes, estou convencido que até pagavam para a levarem. O importante é ter comidinha na mesa, e que o puto cigano lá da escola não roube a lancheira do nosso mais novo. 

A democracia é por isso mais frágil do que pensamos. As dificuldades profundas em que vivem os jornais portugueses são, para mim, o maior desafio à sobrevivência da democracia. O jornalismo de investigação é caro, muito caro, e é assim que tem de ser. O problema é que a malta não está disposta individualmente a pagar por um serviço desse tipo. Falo por mim. Individualmente, faz mais sentido um tipo ir à procura da informação nos sítios não pagos que, tipicamente, a vão buscar aos sítios pagos, à borla. Só que, já se sabe, o que faz sentido para a parte pode não fazer sentido no todo. Se ninguém pagar os sítios pagos, não há de onde os sítios não pagos possam sacar informação. 

O problema, é claro, não é só português. Até mesmo os jornais mundiais de referência em Inglês, como o Guardian e o New York Times, que têm um mercado potencial de 7 mil milhões, têm ensaiado várias formas de financiamento junto dos leitores nos últimos anos, sem sucesso. É preciso encontrar formas fora da caixa de resolver o problema, mesmo que nos pareçam à partida radicais – e é preciso, sobretudo, entender que salvar o jornalismo não é uma opção, mas uma questão de sobrevivência. Não sou a favor de o estado ter um papel nesta solução, porque o estado é uma das partes potencialmente interessadas na inexistência de um jornalismo independente. O modelo de financiamento da BBC pode dar algumas pistas. A BBC é sobretudo financiada por uma taxa anual, de cerca de 120 libras, paga por todos aqueles que tenham em casa um meio de assistir a televisão em direto. Se a malta quer assistir ao Homeland na Fox, tem de pagar a BBC. A ideia é que, para haver Fox, é preciso que haja um mercado funcional e com qualidade de radiodifusão; para haver um mercado funcional e com qualidade, é preciso que existam alguns canais que não dependam do mercado. Paradoxal? Só para quem não entende a natureza dos mercados e a possibilidade de estes terem vários equilíbrios possíveis, uns bons, outros maus. 

Um imposto sobre computadores, tablets, smartphones, etc, podia ser uma fonte de finciamento exclusiva de um organismo independente que sustentasse o jornalismo de qualidade. Em vez de financiar jornais, podia financiar diretamente jornalistas, que se candidatassem por exemplo a uma bolsa, com termos suficientemente longos. Tem vários problemas, esta solução? Claro. Mas não mais que a alternativa de não sobrar jornalismo. 

9 comentários:

  1. Em Portugal apenas estaríamos a pagar MAIS UM imposto para financiar a esquerda, porque as universidades de ciências sociais e humanas só formam esquerdistas. Lamento, mas dispenso.

    PS - Se o Costa lê isto...

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  2. "financiar a esquerda". Curioso. O jornalismo de investigação é uma coisa de esquerda, é isso? Ao contrário de uma profissão à séria, sei lá, banqueiro, é isso?

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  3. Concordo contigo. Acho muito má a situação da comunicação social e do jornalismo investigativo em Portugal. No entanto, não percebo como é que tu apoias um governo que é apoiado pelo PCP quando o PCP não é a favor da liberdade de expressão, nem da liberdade de imprensa. Se a democracia está em perigo, então o perigo é maior quando esses partidos estão próximos do poder. Como é que dás a volta a essa contradição?

    O modelo da BBC de que falas, era semelhante ao que existia em Portugal. Antigamente, pagava-se uma taxa que ia para a RTP. Nos EUA, a NPR e a PBS são financiadas por bolsas do estado e de empresas, e contribuições directas dos ouvintes e espectadores. Duas vezes por ano fazem um fundraiser, mas aceitam doações em qualquer altura. Para além disso, como não são pró-lucro, quando se faz doações, esse dinheiro pode ser deduzido nos impostos. Nota que, no caso da NPR e da PBS, quem lá trabalha sabe que não vai ter um salário excelente, mas a qualidade do trabalho é realmente excelente porque há a ideia de que se tem uma missão de serviço público.

    Já no caso da RTP, em Portugal, há empregados que têm salários que são muito competitivos com os do sector privado. Isso eu acho errado: se recebe dinheiro directamente do estado, não pode competir em salários com o sector privado ao mesmo tempo que tem uma qualidade pior do que a do sector privado. A BBC, a NPR, a PBS são referências de qualidade mundiais; a RTP não é nem referência de qualidade nacional.

    Eu acho que os jornais deviam ter botõezinhos nas páginas de Internet (aqueles botões da PayPal, por exemplo) que permitissem que as pessoas fizessem doações.

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    1. Rita, primeiro, este é um governo exclusivamente do PS. Continuaria no entanto confortável se o PCP integrasse o governo, e não, não vejo por que razão a Constituição e a liberdade de expressão nela prevista estaria em perigo. Segundo, não tenho a certeza absoluta que o PCP, mesmo que fosse governo sozinho e com maioria absoluta com menos de 2/3, podia subverter a Constituição. Olha, este último governo tentou, múltiplas vezes, e as instituições funcionaram e não deixaram. Bottom line is: não confio, nem confiaria, num sistema que faz depender a liberdade de expressão do partido ou partidos que calha em determinado momento estar ou estarem no governo.

      "u acho que os jornais deviam ter botõezinhos nas páginas de Internet (aqueles botões da PayPal, por exemplo) que permitissem que as pessoas fizessem doações." Conheces algum caso em que isso tenha permitido a sobrevivência dos jornais? É que o próprio NYT tem várias dificuldades, e já tentou de tudo, desde vedar o acesso a subscritores pagos, até fazer à lá público e ter um limite de visualizações por mês. E nada funcionou.

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    2. Os botões não iriam funcionar, pois não assegurarias financiamento de 100% das necessidades, mas o custo de ter um botão é praticamente nulo.

      Quanto à CRP, pode ser lida de muitas maneiras. Eu não estou convencida de que todas as leituras que o Tribunal Constitucional faz da CRP são as melhores. Muitas vezes poderia ir para os dois lados.

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  4. Desde já peço desculpa ao Luís se estou errado mas este post soa a sondagem de opinião para o que aí vem... Mais taxas e taxinhas, certo?

    Acaso não existe já uma contribuição audiovisual (lei 30/2003)? E para quê e a quem serve (de facto)?

    "As dificuldades profundas em que vivem os jornais portugueses" têm inúmeras causas mas, reduzindo a questão ao Público e tomando-o como exemplo atentos os factos dos últimos dias, a razão é apenas uma: um jornal dito de referência a quem os compradores viram as costas atenta a parcialidade e a falta de escrúpulos demonstrada nos últimos anos. Nada mais.

    Querem um jornalismo de investigação livre em portugal? Vão aos blogues. São os únicos que ainda não foram silenciados pela mordaça dos interesses económicos ou pela censura judicial. E se ainda não o foram não é por falta de tentativas. Quem anda pela justiça sabe as inúmeras histórias de queixas-crime intentadas contra autores de blogues. Valha-nos o facto de as empresas sedeadas nos States não irem na conversa do "crime opinativo".

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  5. Luís não entendo as 'propostas' até porque estão em vigor em Portugal.
    A taxa audiovisual que subsidia a RTP e rádios do universo público (RDP, Antena) serviria exactamente para o que referiste - não funciona?
    Sobre taxar equipamentos parece-me que já existe a imbecil Lei 49/2015 cujas receitas se destinam a "artistas" - não a partilham com jornalistas e outros "content makers"?
    Parece-me pois que tais panaceias estão esgotadas, e não existem muitas soluções fáceis.
    Podemos começar ao contrário, vender produto de qualidade. Os jornais/jornalistas vão ter de dividir o produto oferecido em dois - de um lado o gratuito (ou pago com click) acessível na internet - noticias de última hora, acontecimentos que podem ser lidos e vistos nas TV, internet, etc.
    Do outro conteúdo pago de elevado valor: reportagens de fundo e análises técnicas - estas serão conteúdo pago.
    Como? Não sei... alianças com canal pago no Cabo em que quem compra acesso a pacotes de noticias tenha acesso a determinado jornal, por exemplo.
    Mas ou o jornalismo muda ou tempos de ignorância virão.
    Não é aceitável ler um jornal com artigos de análise sobre determinado assunto e não existir um argumento, provas ou referências - parece que é tudo artigo de opinião.
    E as opiniões quando são todas iguais e sem fundamento perdem valor.
    Se os jornais se querem impôr têm de mudar, e experimentar novos caminhos - muitos estarão errados e outros conseguirão chegar a bom porto.

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  6. Admito que o problema do jornalismo e dos jornais é sério. Em todo o mundo e em Portugal também. Mas confesso-me um não-comprador de jornais bastante regular. Porque em 90% (número atirado ao ar, meio ao calhas) fico tão bem servido ao ler o destak como um dito jornal de referência.
    Fora destas barbaridades que estou a dizer, dou pouco crédito a jornais/jornalistas com uma agenda pessoal e/ou cultural e/ou política que não tentam fazer um produto isento (tanto quanto possível) nem explicitar os seus pressupostos (o que sempre daria ao leitor a oportunidade de "dar o desconto").

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    1. O jornalismo não pode nem deve ser isento. O facto relatado é sempre uma percepção, mesmo que seja um relato puro de observações pessoais.
      O jornalista não é apenas uma testemunha factual, é também alguém que consegue dar a perpectiva do acontecimento e a sua relação com a realidade.
      Por isso a noticia do tipo que dá dois tiros noutro (facto) precisa de ser relacionada pelo jornalista (porquê?).
      No caso da economia e da politica isto é ainda mais relevante, precisamos de saber onde estão os parametros do jornalista, e daí conseguirmos balizar as suas opiniões.
      Dois exemplos: o antigo Diário (assumidamente ligado ao PCP) e o Independente (assumidamente de direita liberal).

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