terça-feira, 7 de abril de 2015

I'm just fooling with you!

Para além das pessoas que nele escrevem, há duas coisas que eu acho muito giras neste blogue, "A Destreza das Dúvidas": a primeira é o título, porque eu gosto muito de duvidar e devo isso ao Descartes e ao sistema de ensino português, que nos deu a ler "O Discurso do Método" no ensino secundário; a segunda coisa que eu acho engraçada é mais obscura e tem a ver convosco e a escolha colectiva que vocês fazem. Essa segunda coisa é que um dos posts mais lidos no blogue é sobre Daniel Kahneman e o seu livro "Thinking Fast and Slow". Eu ainda não li o livro, mas já li muitos artigos de Kahneman e muitas entrevistas e vi muitos vídeos dele. A primeira vez que encontrei o trabalho dele foi numa aula de doutoramento de "Advanced Production Economics", a propósito dos enviesamentos que os investidores (profissionais) têm.

Pensar rápido quer dizer que se suspende a dúvida, gosto particularmente da expressão em inglês "suspension of disbelief" (suspensão da incredulidade). Há um custo em abrandar para pensar e nem sempre esse custo vale a pena, é por isso que nós desenvolvemos instintos de sobrevivência. Talvez há dois anos, eu e um amigo fomos a um centro comercial. Ele queria comprar um creme para a cara. Ele tinha 26 anos, eu tinha 40. Quando ele soube a minha idade, pouco tempo depois de me conhecer, ficou chocado. Mais tarde pediu-me ajuda e disse "Eu não sei o que tu fazes, mas eu quero fazer o que tu fazes porque tu não pareces ter 40 anos." Fomos a um balcão da Estée Lauder e ele pediu para ver os cremes e começámos a conversar com a empregada. A certa altura ele disse a idade dele e depois perguntou à empregada para adivinhar a minha. Ela disse 28. Nós rimos. Depois de sairmos da loja, ele e eu conversámos sobre o episódio e o nome de Kahneman surgiu porque o que nós fizemos com a empregada, sem querer, foi "anchoring bias"--enviesamento de ancoragem. A idade que ela me deu foi condicionada pela idade que ela sabia que ele tinha.

Ontem, no post acerca da minha mediocridade, eu explorei este enviesamento convosco para gerar dúvida. Falar em Clinton, Reagan, ou num salário alto, cria uma âncora para vocês determinarem um valor--enviesa a vossa opinião. Mas enviesa no sentido oposto ao que vocês tinham porque, ao pensar que a minha universidade era fraca, vocês já estavam enviesados a meu respeito. Há um custo em pensar devagar e obter informação e nós usamos outra informação mais fácil de obter para formar opiniões. A fama da universidade onde uma pessoa estuda é informação relativamente fácil de obter e, muita gente, usa isso para calibrar a opinião que tem acerca do valor profissional dessa pessoa. Há uns meses atrás disseram-me que Carl Sagan era um cientista medíocre porque não lhe deram "tenure" (efectividade) em Harvard. Eu retorqui com o exemplo de Einstein, pois o grande contributo de Einstein foi pensado quando ele trabalhava no gabinete de patentes, depois de não ter conseguido obter uma posição a ensinar numa universidade--seria Einstein um cientista medíocre, perguntei. Responderam-me, então, que Einstein não fora verdadeiramente um cientista porque não trabalhava numa universidade quando fez as suas descobertas mais importantes. Conclusão: Sagan medíocre, mas cientista; Einstein nem sequer era cientista e, obviamente, medíocre.

Quando Einstein falava do gabinete de patentes, dizia que era muito vantajoso trabalhar ali porque intelectualmente não era tão exigente e ele tinha muito mais tempo para pensar. O facto de Einstein estar num ambiente pouco competitivo libertou recursos mentais que ele usou para desenvolver ideias que eram muito avançadas para a época. A competição impõe um custo mental para algumas pessoas, mas nós usamos ambientes competitivos para hierarquizar o valor das pessoas. Pessoalmente, eu sei que não me dou bem em ambientes competitivos, logo nesses ambientes eu tenho resultados medíocres. Os sítios onde eu me dou melhor são sítios onde há mais cooperação e menos competição. A única pessoa com quem eu compito é comigo própria: defino uma ideia do que eu quero atingir, porque sei que sou capaz, e dirijo o meu esforço nesse sentido.

Portugal é um país onde há demasiada competição e cultivo do individualismo, logo eu não me dou bem aí. Os EUA, que são conhecidos por serem mais competitivos e individualistas, têm uma sociedade mais cooperativa do que a portuguesa actual. Parece contraditório, mas é verdade. Basta vocês pensarem nos acidentes naturais que acontecem nos EUA e na forma como toda a sociedade americana os encara.

Pensem na época de ouro de Portugal: os Descobrimentos. O que eram os Descobrimentos? Foram um esforço de cooperação da sociedade, quando o sector privado e o estado cooperaram para definir objectivos, uma estratégia, e a sua execução. Toda a sociedade estava alinhada no mesmo sentido. Pensem nos marinheiros que navegavam: todos juntos, nuns barcos frágeis, com pouca informação, e num ambiente muito adverso, como é que eles conseguiram sobreviver? Trabalhando juntos e cooperando. Agora pensem no Portugal actual e deixo-vos esta pergunta: em que porção do nosso sistema educativo é que nos ensinaram a trabalhar juntos e a cooperar com outras pessoas?

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