quinta-feira, 9 de abril de 2015

Re: Doutorados descamisados

If I have seen further it is by standing on the sholders [sic] of Giants.

Sir Isaac Newton

A propósito do post do Luís acerca dos doutorados descamisados, gostaria de vos contar uma história. Quando eu andava a fazer o meu doutoramento costumava ir a conferências apresentar papers. Nessas conferências, havia sempre oportunidade de conversar com os nossos professores numa situação informal, muitas vezes durantes jantares. Era uma forma de os professores nos darem informação acerca da forma como as universidades funcionam e do que deveríamos esperar. Numa dessas conferências, recordo-me de uma conversa com James Trapp.

Ele foi meu professor numa cadeira de simulação, chamada "Systems Analysis in Agriculture", onde aprendíamos a criar modelos que simulavam a actividade de uma empresa. Quando fiz essa cadeira estava a tirar o mestrado e muitos dos meus colegas eram de doutoramento. Grande parte da cadeira era dedicada a construir macros em Excel para fazer as simulações, mas antes de chegarmos aí, tínhamos de aprender a pensar estrategicamente como organizar a informação e a actividade em diagramas de fluxo, que tinham uma componente dinâmica. Foi uma das cadeiras mais difíceis que tive. Os trabalhos de casa e a parte dos exames que fazíamos em casa demoravam seis a nove horas cada um e não era raro eu chegar a certa altura completamente exausta emocionalmente, e apenas chorar, por não conseguir completar os programas com facilidade. Quando estava a tirar essa cadeira, muitas vezes pensava que eu nunca conseguiria fazer aquilo sozinha, eu não era suficientemente boa, eu nunca seria como James Trapp.

Nessa conferência, eu e os meus colegas já estávamos próximo de completar o doutoramento e muitas das nossas conversas eram acerca do mercado de trabalho, entrevistas, o que as universidades procuravam num canditado, etc. Na altura, o Trapp já era Department Head (Chefe do Departamento), logo ele tinha experiência em decidir quem contratar para um departamento e o seu ponto de vista era particularmente útil. Na conversa, diz Trapp acerca de nós, que estavamos prestes a ser formados naquele departamento: "Vocês não têm nada a oferecer a este departamento. Tudo o que vocês sabem neste momento é informação que já existe no departamento, e vocês ainda não saíram do departamento, e não ganharam experiência e conhecimento que nós não tenhamos. Se vos interessa trabalhar neste departamento, têm de sair e ganhar experiência que nos faça melhores." Ou seja, dizia o Trapp, façam-se à vida.

O objectivo nunca seria ser o Trapp, ele nas aulas estava a dar-nos o que ele era, mas com a expectativa de que nós pegássemos no que ele era e usássemos isso para sermos melhor do que ele. O objectivo era subirmos nos ombros dele e vermos mais além.

4 comentários:

  1. A frase de Newton é inspirada numa bem mais antiga, de João de Salisbúria, bispo de Chartres do séc. XII, que afirmou precisamente que "somos anões em pé sobre os ombros de gigantes"; uma imagem de que gosto muito, diga-se.

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    1. Sim, é, mas eu encontrei-a através de Newton. Também me agrada muito esta frase. Faz-nos ser humildes e dá-nos um contexto histórico.

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  2. Exactamente, Rita, é isso mesmo!

    Já agora, aproveito para dizer que gosto muito de ler os seus posts e a sua forma de olhar para Portugal, a partir de fora, é extremamente interessante (e eu não percebo nada de economia, sou historiadora - como se poderia deduzir de me lembrar do velho bispo de Chartres :-) ).

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