sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Legitimidades

No outono de 1982, o pequeno partido liberal alemão pôs fim a uma coligação com os social-democratas e juntou-se à CDU de Helmut Kohl, que se tornou chanceler, uma vez que passou a dispor do apoio de uma maioria parlamentar. Do ponto de vista constitucional, não havia nada que impedisse essa mudança de governo a meio da legislatura – as últimas eleições haviam sido em 1980. Todavia, rapidamente se percebeu que o novo governo tinha um problema de legitimidade política. Decidiu-se, por isso, antecipar as eleições para 6 de março de 1983 e a CDU ganhou. Moral da história? Legitimidade constitucional não é sinónimo de legitimidade política.

14 comentários:

  1. Caro JCA,

    Há uma diferença muito significativa entre uma mudança de aliança política a meio de uma legislatura e no início.

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    1. Claro, tem razão, é diferente. Há mais diferenças, o partido liberal é muito mais próximo da CDU do que o Bloco e o PCP do PS, por exemplo - e, nesse sentido, a nova coligação alemã até era politicamente mais aceitável. Mas o meu ponto é que a legalidade nem sempre é suficiente para conferir legitimidade política. São coisas diferentes e há muita gente que fala como se fosse tudo a mesma coisa. Não tenho dúvidas que, nas actuais circunstâncias, um governo PS+BE+PCP vai sofrer de graves problemas de legitimidade política: metade dos portugueses não lhe vão reconhecer o direito de governar

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    2. Mas isso é problema dessa metade dos Portugueses. Como estamos, a OUTRA metade (especialmente depois da fantástica declaração ao país do PR) também não reconhece legitimidade ao governo actual.

      Quanto estávamos em campanha, eu escrevi alguns textos onde dizia que os eleitores tinham que enfiar na cabeça que NÃO votam Governos nem Primeiros-Ministros - votam em (listas de) deputados. E isso tem como consequência casos como o actual, em que é possível que o Governo seja formado ou apoiado por uma coligação de partidos "perdedores". E isso é tão legítimo como um governo minoritário de quem ficou em primeiro em termos de votos.

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    3. Pois, esse é precisamente o problema: uma divisão dos portugueses. Antes, quem perdia aceitava o direito de governar ao partido mais votado, ou seja, este tinha, além da legitimidade constitucional, uma legitimidade política, Agora, é evidente que a colação nunca vai reconhecer essa legitimidade à coligação dos perdedores, e essa é que é a novidade. Mas esse nem é o maior problema em termos da legitimidade política. O grande problema, como vários já chamaram a atenção, são as incompatibilidades programáticas desta coligação, isso é que me parece fatal. Imaginemos que o PS ganhava com maioria relativa e o PSD+CDS formavam uma coligação com maioria absoluta na Assembleia. Haveria legitimidade política dessa coligação? A esquerda reconhecer-lhe-ia o direito de governar? Acho que não, apesar de nesse caso não se colocar o problema actual de incompatibilidades ideológicas e que é, repito, o meu principal argumento de ceticismo sobre o que se anuncia

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    4. De acordo. Mas da mesma forma que há uns anos defendi a indigitação de Santana Lopes como Primeiro-Ministro (quando a esquerda se atirou de unhas e dentes ao então PR Jorge Sampaio), defendo agora que qualquer solução que surja do parlamento é legítima.

      Repare que eu não sou favorável à coligação de esquerda, nem acho que a mesma vá ganhar prémios de estabilidade. Mas o PR deve limitar-se a avaliar o que lhe é apresentado formalmente pelos partidos e não fazer juízos de valor extemporâneos. Os juízos de valor - que devem existir - têm o seu lugar na apreciação normal do processo legislativo (e o uso do direito de veto) e, em casos extremos, na dissolução da Assembleia da República.

      Pegando no caso actual: o PR acha que o OE é mau e põe em risco a estabilidade social do país? Vete (politicamente) o Orçamento. Não concorda com as leis? Vete as leis. O próximo PR (porque este não pode) considera que o rumo que o país está a tomar atenta contra princípios basilares do mesmo? Dissolva a AR.

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    5. Concordo com o que diz, mas para isso seria relevante que a suposta coligação de esquerda apresentásse o seu acordo, até ver inexistente.

      Não é razoável que o PS, sem ter ganho as eleições, espere poder governar aprovando algumas medidas à esquerda e outras à direita.

      Um acordo à esquerda deve necessariamente existir e ser apresentado ao PR antes da indigitação do nome avançado por tal coligação.

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    6. "Não é razoável que o PS, sem ter ganho as eleições, espere poder governar aprovando algumas medidas à esquerda e outras à direita."

      Por outro lado, se formos ver as coisas, não em termos de "quem vai para o governo", mas em termos de políticas especificas, se calhar um governo PS com acordos pontuais à esquerda ou à direita seria o que mais corresponderia ao sentido de voto da maioria; se decompormos as questões políticas uma a uma, temos uma gama de assuntos em em que PSD, CDS e PS estão de um lado e PCP e BE estão do outro; temos também outra gama de assuntos em que PS, PCP e BE estão de um lado e PSD e CDS do outro; a conclusão é que na maioria dos assuntos a maioria do eleitorado (nuns casos em versão "arco da governação", noutras em versão "arco constitucional") concorda, no essencial, com a linha do PS (o teorema do votante mediano à escala partidária?).

      [Uma coisa que me ocorre agora é que se calhar haverá algumas questões - algumas de "costumes" e outras sobre política europeia ou internacional - em que tenhamos PSD, CDS e PCP de um lado e PS e BE do outro, mas duvido que isso tenha grande importância]

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    7. E isso seria o normal (e desejável), caso PS tivesse ganho à coligação ou se fosse o partido mais votado, com alguma vantagem sobre o PSD. Foi o que se verificou sempre que o PS ganhou com maioria relativa.

      Não tendo ganho, o normal seria que a base para um entendimento fosse o programa que recebeu mais votos e mais mandatos (com as necessárias adaptações).

      O PS seguiu outra linha, perfeitamente legítima. Mas essa escolha, partindo de um partido que não é o mais votado, tem consequencias.

      O PS a meio legislatura que começou pedir apoio ao PSD para aprovar um orçamento, é o mesmo que o PSD em 2013 pedir ao PS suportar um governo PSD sem o CDS.

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    8. Caro Nuno Cruces,

      Exactamente. Daí o PR deveria - no meu entender - indigitar PPC com a justificação de que a PaF ganhou as eleições (minoria mais "legitimada" eleitoralmente) e que à Esquerda não lhe foi apresentado uma solução consistente. E ele fez isto - só que não ficou por aí e borrou a pintura toda.

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  2. Em 2015 num pequeno pais da europa um partido ficou baseou o seu programa e a sua campanha numa recusa liminar das politicas da força politica oposta. Recolheu votos de um terço do eleitorado e unicamente menos 5% que a força política vencedora. Decidiu entrar para o governo e ajudar a aplicar o programa que tinha combatido na sua campanha.
    Decidiu-se por isso, convocar eleições anticipadas pois não havia legitimidade política para governar.
    Rings a bell?

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  3. O que me dá a ideia é que neste momento as duas soluções de governo mais populares entre o "opinariado", a "solução Dinamarca" (governo sem o partido mais votado) e a a "solução Heinrich Brüning" (governo sem apoio parlamentar mantido pelo presidente) terão grandes problemas de legitimidade política e qualquer dos lados vai gritar "golpada" se acontecerem; dito isto (mas a minha opinião é suspeita...) parece-me a "solução Heinrich Brüning" aproxima-se muito dos limites da ilegitimidade constitucional pura e dura: enquanto o problema da "solução Dinamarca" é simplesmente que grande parte das pessoas julga que está a eleger um primeiro-ministro no dia das eleições (mesmo uns dias antes das eleições estive a explicar - a uma pessoa que já votava quando eu ainda só ligava aos Aristogatos e ao Jackie, o Urso de Tallack - o que eram os deputados e como eram eleitos), já a "solução Bruning" parece muito explorar um "loophole" da constituição (que não diz quanto tempo um governo pode ficar em gestão, mas todo o contexto parece dar a entender que é para ser uma situação excecional a durar o mínimo possível).

    Dito isso, a minha impressão (mas de novo lembrando que a minha opinião é suspeita...) é que os típicos eleitores do PS estão constantemente a queixar-se que "o mal é que a esquerda não se une" e muitos eleitores do PCP e do Bloco dizem "o mal é que o PS se vira sempre para a direita" ou (posição não tão rara como tudo isso) "o partido com que mais me identifico é o PS; voto CDU/BE para pressionar o PS a fazer uma politica de esquerda", pelo que uma aliança PS-BE-PCP não seria uma traição tão grande à vontade dos seus respetivos eleitores como tudo isso (mas admito que para cima do Tejo as coisas sejam bastante diferentes; basta ler este blogue para ver pessoas que me parecem ideologicamente de centro-esquerda e prováveis eleitores frequentes do PS contra um acordo PS-BE-PCP)

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    1. Na última sondagem (sexta-feira passada, da TVI), a coligação subia três pontos, mas o PS mantinha a mesma votação. Ou seja, se calhar tens razão, a maioria das pessoas que votou no PS não se vai sentir traída com a coligação à esquerda.

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    2. À partida (e ainda sem se saber o hipotético programa de uma coligação PS-BE-PCP) suponho que o sentimento de traição mais naturalmente viria dos eleitores do BE e da CDU (e nessa sondagem a CDU é a única força que desce; quanto à subida do BE provavelmente é apenas a centripetação do Livre e do Agir); o meu raciocínio: o programa de uma coligação tende a ser a interseção entre os programas das forças que a integram; ora, ainda que sem conhecer os programas do PS e da CDU em pormenor, dá-me a ideia que, se a CDU e o BE querem montes de coisas que o PS não quer, grande parte do que PS quer a CDU e o BE também querem - ou seja, a interseção PS-BE-CDU pouco diferirá do programa original do PS; já o BE e a CDU é que verão grande parte do seu programa adulterado.

      Aliás, tenho a ideia que o resultado habitual de coligações entre PS's e partidos à sua esquerda (pelo menos em países fora do raio de ação do Exército Vermelho) costuma ser o PS esvaziar os aliados (veja-se a história do PC Francês), o que se calhar é o resultado dessas coligações fazerem os aliados de esquerda do PS perderem muito da sua especificidade (mas se calhar não há pontos de observação suficientes para se fazer estas generalização que estou a tentar fazer, até porque nem é raro em coligações PS-PC o PS ultrapassar o PC pela esquerda, como na Espanha e no Chile).

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    3. Eu admito que a ideia de Costa seja essa - a médio prazo negociar para os dois lados. No entanto, ele de facto perdeu as eleições pelo se hipoteticamente for para o Governo apoiado pela CDU e pelo BE, se o apoio de um destes for retirado a qualquer altura, a AR deve ser de imediato dissolvida.

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