quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Ensino vocacional

No Público de hoje, 14 de Outubro, Ana Maria Bettencourt publica um curto artigo que intitulou "Um retrocesso sem precedentes", no qual dá conta de uma medida do anterior governo constante da Portaria nº 341/2015, de 9 do corrente. Trata-se da generalização do chamado ensino vocacional, que aos poucos se foi "experimentando" em algumas escolas, decisão que a autora considera desastrosa.
Tem toda a razão. Num post que quero seja curto não vou elaborar muito sobre o tema, mas lembro apenas que desde meados do século passado, mesmo durante o consulado de Salazar, se começou a destruir a dualidade de cursos pós ensino primário, com a criação do ensino preparatório, e que mais tarde se instituiu, um pouco à maneira das comprehensive schools no Reino Unido, o ensino unificado. É certo que os resultados dessa unificação estiveram longe de ser brilhantes, tendo-se abastardado muito a parte técnica, mas qualquer alteração não deveria em caso algum associar um ano de fracasso escolar à ´passagem para um curso de índole técnica, como é previsto na referida portaria.
Infelizmente, durante a campanha eleitoral não se discutiu, praticamente, a educação, como se não tivesse sido uma das áreas da governação anterior em que mais se notou uma viragem política altamente discutível, sobretudo tendo em conta a relativa convergência de posições dos partidos socialista, social-democrata, e centro democrático social. Bom: mas isso era quando se dizia que o PSD era social democrata...

11 comentários:

  1. Pelo que eu vi, a discussão política que antecedeu as eleições foi muito má. Não se discutiu nada de pertinente, nem de substancial para o país. Não há ninguém que demonstre ter uma visão do que Portugal deveria ser como nação, de como vai lidar com a evolução demográfica, etc.

    No que diz respeito à forma como se educa, acho que se deve ter em conta que as crianças não amadurecem todas ao mesmo tempo, nem aprendem da mesma maneira. É errado tentar enfiar tudo na mesma caixa e quem não consegue ter sucesso dentro dela vai para a caixa de ensino vocacional. Penso que este modelo é um bocadinho o modelo seguido pelos alemães.

    Não acho o modelo alemão tão virtuoso quanto isso. A Alemanha depende hoje de mão-de-obra qualificada em países com Portugal, Grécia, Itália, Turquia, logo não tem lógica nenhuma tentar ser como eles. É mais um caso de pensar que o que vem de fora é sempre melhor do que o que poderia ser pensado em Portugal para as necessidades futuras de Portugal.

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  2. Também gostei do artigo, vim a ler no avião. Fica aqui o link, para quem estiver interessado:
    http://www.publico.pt/sociedade/noticia/um-retrocesso-sem-precedentes-na-democratizacao-da-escola-publica-1711002

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  3. Uma coisa que não vejo grande sentido é (parece-me que muitas vezes as mesmas pessoas), por um lado dizer-se que é preciso acabar com os preconceitos contra o ensino vocacional, de se achar que só os "doutores" têm valor, etc., e ao mesmo tempo, promovê-lo como sendo uma via supletiva para os que não conseguem singrar no sistema "normal".

    Se querem melhorar a atratividade do ensino vocacional deviam fazer era o oposto - determinar que os alunos que chumbassem no ensino vocacional eram obrigados a se transferir para o "normal".

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    1. Hum, não sei. Uma coisa é eu achar que duas carreiras têm a mesma dignidade. É evidente que se a minha filha se tornar mecânica numa oficina de automóveis, a escolha dela é absolutamente digna e não há nenhum motivo para a condenar.
      Outra coisa é eu ter as mesmas preferências. É evidente que eu prefiro que ela seja uma engenheira mecânica e que em vez de trabalhar numa oficina a concertar motores prefiro que ele trabalhe num laboratório (ou lá onde se faz isso) a conceber novos motores.
      Não me parece que eu achar que as duas saídas são dignas e que não deve haver nenhum preconceito em relação a elas implique que eu tenha as mesmas preferências.

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    2. A questão não tem relação alguma com a visibilidade ou notoriedade social de determinadas profissões ou carreiras, preconceitos e aspiração social. Tal coisa seria, para além de infantil, economicamente irracional. A questão prende-se, quase exclusivamente, com princípios de unidade, universalidade, homogeneidade e congruência social e acima de tudo, do lado mais prudente, com a parcimónia na instrumentalização do sistema de ensino!! Há coisas que pela sua natureza adstringente e propriedades irreversíveis e excludentes são retiradas à livre vontade ou vocação de indivíduos julgados ainda incapazes de se poderem prover de forma autónoma!!

      Caro LAC, o ensino universitário é, por natureza, vocacional, daí só ser admitido a pessoas que se entendam como perfeitamente capazes de abraçar a sua vocação!! Está fora do sistema unitário de ensino!! As vias vocacionais de que falamos não podem, nem devem, excluir outras vias vocacionais posteriores!! O que devem, as vocacionais, é evitar a precocidade da especialização que reduza a diversidade de saberes!!

      Um bem haja a todos,

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  4. Engraçado e ao "arrepio" das opiniões aqui formuladas, discordo com (quase) tudo no artigo, a começar pelo título. A escola não pode nem deve ser democrática, deve ser meritocrática. O acesso ao ensino é que deve ser democrático.

    Pela mesma ideia, eu gosto do modelo alemão como base, apesar de admitir que devem existir melhorias e ajustes. E não gosto do modelo "comprehensive" do Reino Unido que, aliás, deu muito maus resultados ao acabar com as grammar schools e ao criar - agora sim e de facto - uma separação com base em estrato sócio-económico (e no Reino Unido são DOIS estratos, um social e um económico, nem sempre coincidentes). Os ricos mandam os filhos para as public schools, os outros que se amanhem nas públicas ou façam o favor de ir à missa todos os Domingos para os meter numa "faith school".

    O único ponto que concordo em absoluto é o envio tipo punição dos alunos das escolas normais para as escolas "técnicas". Essa escolha deve ser livre e nunca forçada. Se o aluno chumba mas quer continuar no ensino normal, é uma decisão que cabe somente ao próprio e/ou aos pais deste.

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    1. "O único ponto que concordo em absoluto é o envio tipo punição dos alunos das escolas normais para as escolas "técnicas". Essa escolha deve ser livre e nunca forçada. Se o aluno chumba mas quer continuar no ensino normal, é uma decisão que cabe somente ao próprio e/ou aos pais deste."

      Mas sendo assim, estamos totalmente de acordo, parece-me. Quando muito poderemos divergir em relação à idade em que faz sentido esta opção ser posta em cima da mesa.

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    2. LAC, eu não referi idades. Eu sou do "esquema antigo" e admito que o 7º ano seja uma boa idade para uma separação mais "leve" e o 10º para uma mais definitiva (que já existe, aliás, por via da escolha de área científica). Antes do 7º ano, acho demasiado cedo, até porque a estrutura de ensino no 1º ciclo (um só professor) é muito diferente.

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    3. Caro Carlos Duarte, " Essa escolha deve ser livre e nunca forçada. Se o aluno chumba mas quer continuar no ensino normal, é uma decisão que cabe somente ao próprio e/ou aos pais deste."
      A oferta vocacional é sempre voluntária e carece, sempre, quanto a menores, do necessário assentimento dos Pais ou encarregados de educação. É, precisamente, ao inverso do que pretende enunciar ou do que depreendeu enunciado. O sistema unificado é, de acordo com a Lei e Constituição, prevalente e prevalecente, sendo qualquer sistema vocacional ou profissionalizante, residual ou excepcional. Há uma aversão de princípio à instrumentalização do ensino e da educação.
      A oferta vocacional apenas estará disponível quando se demonstre que o sistema regra não cumpre, quanto àquele aluno, as funções de ensino, aprendizagem e formação pessoal que se demonstram pela ausência de resultados no percurso escolar e que perigam a manutenção do aluno no sistema. Ou seja, da portaria retiramos que a oferta vocacional está apenas disponível para quem se demonstre que o sistema regra não opera utilmente. Dir-se-á que desqualifica, por princípio, a oferta vocacional!! Mas esta desqualificação, desconfiança, não é novidade desta Portaria ou deste tempo. Desde o 25 de Abril que persiste a aversão aos sistemas excepcionais e desde então se tem reduzido a oferta excepcional e imposto pressupostos excepcionais ao seu acesso!!

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    4. Acrescento que a minha posição não é neutral nem cede ao utilitarismo, neste caso. Continuo, como no 25 de abril, a defender o carácter excepcional e residual da oferta vocacional

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  5. Wow! Nove comentários ao primeiro post? Tenho de me sentir feliz...
    Bom, a sério, não é nada que me surpreenda. Temas de educação são quase sempre susceptíveis de discussão, e este não foge a regra. Para mim, e nesse aspecto discordo do Carlos Duarte, a escola deve ser democrática (para poder oferecer a todos as mesmas oportunidades de formação e, também, porque esse é um imperativo constitucional). Isso não impede, todavia, que ela não premeie o mérito, e não atenda às diferenças entre crianças e jovens no seu percurso escolar. A construção de uma escola que cumpra essa dupla função não é uma tarefa fácil e admito que têm existido falhanços, mas parece-me de facto muito mau o que se pretende com este chamado "sistema dual" de inspiração alemã, que creio está longe de provar ser excelente (estou de acordo com a Rita). Talvez volte ao assunto em próximo post, porque em comentário a comentários não é fácil...

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