sábado, 31 de outubro de 2015

Um buraco negro

Corre por aí uma teoria que os meus pobres miolos não conseguem alcançar. Supostamente, tudo começou com o deslocamento do PSD para a direita. Esta “radicalização” ou deriva neoliberal (não me perguntem o que é tal coisa, mas parece que em Portugal é equivalente a qualquer corte na despesa pública) devia ter deixado o centro político todo escancarado para o PS. Mas não é assim que as coisas funcionam, garantem-nos alguns teóricos. O PSD, enquanto se deslocava para a direita e afastava do centro, empurrava, ao mesmo tempo, o PS para os braços da esquerda da radical. Entretanto, o centro político deve ter caído nalgum buraco negro. Não sei se há alguma lei da física que explique este tipo de movimento: afastar-se e empurrar simultaneamente. De qualquer maneira, a política rege-se por leis diferentes, leis que muitas vezes desafiam a lógica e o bom senso. Deve ser o caso.

4 comentários:

  1. Caro JCA,

    Parece-me é que isto está uma linda mistela. Mas vamos por partes: a política em Portugal, desde a crise económica, está muito definida em termos económicos e não políticos. Ainda por cima - e não percebo bem como - importamos as definições anglo-saxónicas da coisa... Assim, quem for a favor da redução do Estado (e aqui cabe tudo, desde corte de salários à liberalização educativa), é de direita. Quem não for, é de esquerda. O grande resultado disto é que aparecem pessoas normalmente conotadas com a direita a serem "empurradas" para a esquerda (a ala "cavaquista" do PSD é um bom exemplo).

    Quanto ao PS, há mais que um. Costa é que é o tal da "esquerda radical", enquanto o PS pré-Costa (Seguro) seria mais à direita. O que não bate certo com Sócrates que era plutocratista, perdão, centrista.

    Portanto, à questão "onde está o centro" falta uma coisa importante: o que é o centro? Em termos económicos "anglo-saxónicos", onde está o centro? O centro "económico", na minha opinião, não existe em termos anglo-saxónicos e eclipsou-se por esse motivo do nosso panorama político. Aliás, basta ver a última novela em curso para se perceber que a opinião está completamente polarizada. Se está, não existe centro.

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  2. Julgo que faz falta um estudo para perceber a dinâmica da transferência de votos a 4 de Outubro. Não sabemos se os 700.000 votos perdidos pela coligação migraram para o PS e BE ou se migraram ao invés para a abstenção e dela (isto é, daqueles que não votaram em 2011) vieram as percentagens ganhas por PS e BE (4 e 5%). Isso pode querer dizer que a posição do dito Centro Político se deslocou para a Esquerda. Assumir que o votante médio que flutua entre um Partido e outro o faz entre PSD e PS pode já não ser verdade, o que poderá explicar o seu espanto, e poderá ainda ser uma péssima notícia para o PSD, mas pior ainda para o PS... O mesmo aconteceu na Grécia...

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  3. Magnífica entrada. De facto, nunca se percebeu muito bem a razão pela qual o A. Costa divergiu tanto para a esquerda (agora, mas também já no final do período de campanha, para sermos justos). O esgotado (pelo uso) adágio de que as eleições se ganham ao centro poderia ter sido testado com eficácia garantida se todo o espaço central estava à inteira disposição do PS, como se dizia (implicitamente) ao afirmar a radicalização à direita da coligação. Ou afinal não estava?

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  4. Este é um tema muito interessante.

    Quem se lembra do partido “rigorosamente ao centro” de 1974, o qual conserva ainda na sua sigla o C de Centro? Nessa altura ninguém se sentia confortável em dizer-se de “direita”,,,

    Muito mudou desde então. Hoje, a coligação PàF assumiu-se de direita: mas no PSD há verdadeiros social-democratas que não o aceitam (p. ex., Pacheco Pereira, Manuela Ferreira Leite). E como eles estou certo que muitos outros, que convenientemente não se manifestam.

    No PS sempre houve, desde o seu início, posições diferentes (em 1974, cantava-se “Partido Socialista, Partido marxista”!). Hoje, perante esta situação invulgar de acordos com PCP e Bloco, há quem não se sinta confortável, com sinais evidentes disso.

    O que quero dizer é que os potenciais eleitores do centro existem, não desapareceram dos dois partidos (PS e PSD). Conjunturalmente, ter-se-ão abstido, votado em branco ou nulo, e até protestado votando no Bloco, mas muitos mantiveram-se fiéis ao seu partido.

    Por outro lado, a fuga dos 700 000 não é de espantar: votaram em 2011 enganados, mas a experiência deste novo PSD que aceita ser de direita não os podia conservar.

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