quarta-feira, 21 de outubro de 2015

O preço da mudez

No seu O Antigo Regime e a Revolução, Tocqueville conta-nos um episódio sobre a difusão da “irreligiosidade” no final do século XVIII em França, após a Revolução. No final do antigo regime, a "irreligiosidade estava difundida entre os príncipes e os intelectuais; ainda não penetrara muito no seio das classes médias e baixa; continuava sendo o capricho de determinados espíritos e não uma opinião comum”.
Não sendo a “irreligiosidade” uma opinião comum antes da Revolução, Tocqueville questiona por que motivo nenhum dos grandes escritores escolheu a tese oposta, ou seja, a religiosidade. Mais importante: por que encontraram eles, “mais do que os seus predecessores”, o ouvido da multidão aberto para escutá-los e o seu espírito disposto a acreditá-los?
A difusão do desprezo pela religião em França, durante o final do século XVIII, não surpreendeu Tocqueville: “aconteceu o que vimos tantas vezes, desde então, entre nós, não somente quanto à religião, mas também quanto a qualquer outra matéria”.
Para Tocqueville, a “incredulidade” espalhou-se porque a igreja, sentindo-se abandonada, “ficou muda”. Os homens que conservavam a antiga fé temeram ser os únicos que continuavam fiéis a ela, e temendo “mais o isolamento que o erro, juntaram-se à multidão sem pensar como ela”. O que era só o sentimento de uma parte da nação pareceu a opinião de todos, “tornando-se irresistível aos próprios olhos daqueles que lhe davam esta falsa aparência”.

3 comentários:

  1. Eu, em Portugal, tinha a reputação de ser muda, mas os americanos estragaram-me. Agora não me calo...

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  2. Sem ter qualquer conhecimento direto da "elite" francesa pré-revolução (mas provavelmente mesmo o Tocqueville - um nobre católico da provincia nascido em 1805 - não o teria assim tanto), interrogo-me se nesse caso especifico não seria um fenómeno oposto.

    Isto é, não um desejo de ser normal conjugado com uma perceção errada da normalidade, mas um desejo de ser "avançado" (como algumas pessoas que gostam de "arte underground", "música alternativa", "cinema independente" ou "teatro exprimental") conjugado com uma perceção correta da normalidade (até que a primeira hipótese parece-me muito complicada para explicar como, a dada momento, se passa de uma situação em que quase toda a gente é religiosa para uma situação em que os principais intelectuais deixam de o ser - o desejo de ser normal, se teria um efeito, seria o de dificultar a mudança de um equilíbrio para outro)

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  3. A cultura católica é cheia de extremos, bem mais do que no mundo mais uniforme, disciplinado, e puritano do protestantismo. É onde existem os opostos. Não existe maçonaria anti-protestante, apesar de ser neste que Estado e a Igreja Nacional estão quase unificados - algo completamente arredado de crítica e análise pelos adoradores dos países nórdicos (por acaso, já agora, monarquias e...com as suas Igrejas Nacionais assimiladas pelo Estado de forma completamente consensual na população). Tal como o movimento anarquista é essencialmente um fenómenos de cultura católica (ou dos cristãos ortodoxos, que como igreja igualmente litúrgica, é como se fosse católica). As explicações podem ser várias, mas pode ser referido o simples facto de ser no catolicismo que existe a ideia de uma ordem supra-poder-secular-nacional...o que em si, lança o germen do subversivo. Há mais para além de. E isso vira-se contra si próprio por vezes. E outras vezes tem volta.

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