sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Afinal não é tão má quanto isso...

É frequente dizerem-me que a Constituição da República Portuguesa (CRP) é péssima. Eu não conheço nenhuma constituição que seja considerada perfeita e também não percebo muito de Direito Constitucional, mas nunca achei que a nossa fosse a pior. No entanto, há duas coisas que me parecem verdades razoáveis: (1) todas as constituições estão sujeitas a interpretação; e (2) o valor de uma constituição só pode ser verdadeiramente avaliado durante crises. A CRP está a ser testada durante esta crise e até agora parece-me que se está a portar bem porque permitiu ao Presidente da República deferir a gestão desta crise para o órgão mais democrático que existe em Portugal: a Assembleia da República.

Os partidos deviam clarificar as suas intenções antes de eleições, mas tal nem sempre acontece. Esta crise tem a particularidade de ter uma grande surpresa associada com os acontecimentos pós-eleição. É costume dizer-se que a arma do povo é o voto e, depois de votar, o povo fica desarmado. Graças à CRP e ao Presidente da República a quem cabe defendê-la, o povo português ainda não está completamente desarmado. Temos agora tempo para todas as partes clarificarem as suas intenções. Se o PS, BE, e PCP acham que o melhor para Portugal é uma coligação de esquerda e que esta é a vontade da maioria do povo, resta-lhes apenas uma alternativa: depois de derrubarem este governo na Assembleia da República, viabilizem uma coligação, e submetam-na à vontade do povo quando, eventualmente, tivermos oportunidade de ter novas eleições.

2 comentários:

  1. A nossa constituição é demasiado ambígua: ao não dizer claramente a ordem em que se chamam os partidos para formar governo, o número de tentativas que se efectuam, ou indicar prazos máximos nem mínimos para a duração de um governo de gestão, permite um enorme ruído (como o que se ouviu nestes dias) e a formação de ambientes polarizados. Basta ver as reacções daqueles que não concordaram com a decisão presidencial: em vez de admitirem que a sua decisão é uma prerrogativa da Presidência, falam em subversão do processo democrático, etc (tal como anteriormente se acusou a "Frente de Esquerda" do mesmo).

    Em teoria, a CRP permite situações absurdas, como por exemplo que o segundo partido faça uma moção de rejeição ao governo do primeiro partido, que depois esse segundo partido convide o primeiro a participar num seu governo, que essa proposta seja rejeitada, que o terceiro partido proponha tb um governo a ser rejeitado, até que se fique com um governo de gestão formado pelo último partido a ser convidado (e rejeitado). Permite também, com a mesma legalidade, que o Presidente decida não convidar nenhum partido a formar governo após a rejeição do primeiro programa de Governo, mantendo-se esse governo em gestão durante um tempo indeterminado. Ao permitir tantas situações díspares, a imprevisibilidade torna (a meu ver) quase inevitável uma polarização crescente dos actores políticos, me vez de favorecer situações de cooperação.

    http://sussurosnoeter.blogspot.com/2015/10/regras-mal-escritas.html

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  2. Concordo com o Pedro Silva. Eu "gosto" do pendor parlamentarista da nossa constituição, mas devo ser caso raro. O argumento de quem quem ganha eleições forma Governo é péssimo. O processo de formação de Governo deveria ocorrer ao contrário: eram submetidos programas de Governo à votação na AR por parte dos diversos partidos e o partido que visse o seu programa aprovado, apresentaria um Governo ao PR que o nomeava ou vetava (como se fosse uma outra lei qualquer). Em caso de incapacidade da AR aprovar um Governo, então o PR teria a possibilidade de nomear um Governo de gestão, sendo automaticamente convocadas eleições.

    Pela mesma medida, considero que QUALQUER Governo que emane de uma maioria legislativa é legítimo. E considero igualmente - que aliás está previsto na Constituição - que as coligações pré-eleitorais se dissolvem automaticamente após a votação. No nosso caso, já não há PaF: há PSD e CDS, que têm o mesmo programa de Governo. E o que interessa agora é um programa de Governo ser aprovado na AR, seja de quem for, com os votos de quem for.

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