Entre 1820 e 2015, em números redondos, a direita
governou 126 anos e a esquerda 64. Isto deve querer dizer alguma coisa. Sobretudo
se acreditarmos que Portugal é “inequivoca
e consistentemente de esquerda”, como sublinhava Boaventura de Sousa
Santos na semana passada no “Público”.
Caro JCA,
ResponderEliminarEu sou monárquico e tudo mas acho que recuar até 1820 é capaz de ser um pouco excessivo (para além de, tanto na Monarquia Constitucional como na 1ª República o sufrágio poder ser considerado por vezes bastante duvidoso...).
Eu não me parece que Portugal seja um país socialmente de esquerda. Acho que é um país socialmente conservador (na acepção não-política do termo, i.e., um país que privilegia a estabilidade à reforma), com uma cultura católica (independentemente da religião ou falta dela de cada um), com algum peso histórico - que resulta em laivos saudosistas bem marcados - e muito homogéneo em termos populacionais (em que todos somos primos uns dos outros, literalmente). Mas isto aplica-se tanto à esquerda (querem um partido mais "conservador" ou "saudosista" que o PCP?) como à direita.
O posicionamento político acaba por ser - nas palavras de alguém - um grande Centrão. Tirando algumas franjas mais radicais (no BE e no CDS), circula tudo à volta do centro político e do Estado como grande foco social e Câmaras Municipais ou outros organismos "fortes" (como as Misericórdias) como focos sociais locais.
E, honestamente, isto não é forçosamente negativo: é verdade que nunca seremos os mais "inovadores" (a não ser que estejamos encostados à parede, mas isso é outra história), nem estaremos na frente dos direitos sociais da altura, nem seremos um expoente do liberalismo económico. Mas, em alternativa, teremos sempre menos sobressaltos (e mais paz) sociais, teremos mais estabilidade, mais coisas certas que incertas. Isto agradará a uns e desagradará a outros, mas suponho que é assim em todo o lado.
Também acho que os portugueses são conservadores, no sentido em que preferem o certo ao incerto, e esse conservadorismo atravessa a esquerda e direita. Mas o que eu queria dizer sobretudo é que a esquerda mostra dificuldades em governar e quando governou foi quase sempre em períodos conturbados. A meu dever, isto deve-se à crónica desunião das esquerdas e à capacidade da direita (tirando Salazar e os absolutistas) em abraçar as causas da esquerda quando as circunstâncias o exigem. O LAC dizia noutro post que a "igualdade de oportunidades" é o que distingue a esquerda da direita. Mas há alguém na direita portuguesa que negue esse princípio ou que negue o Estado-providência?
Eliminar"O LAC dizia noutro post que a "igualdade de oportunidades" é o que distingue a esquerda da direita. Mas há alguém na direita portuguesa que negue esse princípio ou que negue o Estado-providência?"
EliminarVai ver a discussão nos blogues de direita quando a escolaridade obrigatória passou de 9 para 12 anos.
Outro exemplo, quem é que em nome deste princípio terá mais facilidade em criar um imposto sobre heranças? A esquerda ou a direita Evidentemente que é esquerda, penso eu.
EliminarPS Já agora eu não disse que era isso que distinguia a esquerda da direita. Disse que era o peso que se dava a cada uma das vertentes (igualdade de oportunidades vs liberdades negativas).
Quando falei em "direita portuguesa", estava a pensar no PSD e CDS, que representam grosso dos votantes de direita. Sim, tens razão, e eu concordei contigo, a dicotomia (penso que se pode chamar assim) igualdade de oportunidades vs liberdade pode servir para distinguir a direita da esquerda apenas em função do peso ou ênfase que se dá a cada um elementos
Eliminar"A meu dever, isto deve-se à crónica desunião das esquerdas e à capacidade da direita (tirando Salazar e os absolutistas) em abraçar as causas da esquerda quando as circunstâncias o exigem. "
EliminarMas tirando Salazar (e os seus antecessores e sucessores de 1926 até 1974) e o absolutismo (penso que de 1828 a 1834), o tal desequilíbrio esquerda-direita não se reduz bastante? Ficará talvez 72 contra 64 anos (as duas maiorias do Cavaco a fazer a diferença?)
Acerca da questão igualdade de oportunidades vs. liberdades negativas, isso quando muito poderá ser a distinção entre a esquerda liberal e a direita liberal (suspeito que ambas sem grande expressão no mundo "real") - creio que a maior parte das pessoas de esquerda são sobretudo a favor da igualdade de resultados (atenção que não digo igualdade absoluta de resultados), e suspeito que grande parte das de direita (pelo menos quase todas as que conheço) são contra grandes intervencionismos estatais, não por terem propriamente objeções de principio à coação estatal, mas mais com argumentos como "não é justo tirar a quem se farta de trabalhar para dar a quem não faz nada" ou "os serviços públicos funcionam mal porque como não têm um dono aquilo é uma bandalheira".
EliminarCaro LAC,
EliminarEu, que me identifico mais "à direita", por acaso estive (e estou) contra a extensão da escolaridade obrigatória até aos 12 anos. E estou porque considero por a carroça à frente dos bois: antes de tornar essa escolaridade obrigatória, parecia-me mais importante um reforço dos cursos vocacionais (as chamadas escolas técnico-profissionais), bem como esquemas de "aprendizagem em local de trabalho" (ao estilo de aprender um ofício como aprendiz).
Mas, no meu caso, dou de barato que sou preconceituoso por experiência própria. Quando andava na C+S no início da década de 90, fiz uma escolha "radical" e, na opção de línguas, fui para Francês. O que me "colocou" sempre na pior turma da escola (não me pergunte o porquê do Francês atrair piores alunos, mas parece-me que tinha algo a ver com experiências de emigração na família). E, nessas turmas, vi mais que um colega vir para a escola de jeep (bem, UMM) da GNR, arrastados, quando o que eles queriam era (literalmente) trabalhar nas obras. Tive colegas a chumbar propositadamente para poderem abandonar a escola aos 16 anos sem lhes chatearem o juízo e irem ser trolhas e mecânicos de automóveis.
Desde então, apesar de defender o ensino obrigatório (e admitir o seu prolongamento até ao 12º ano sob certas condições), defendo igualmente que esse ensino se deve adequar ao projecto de vida, mesmo que incipiente, dos alunos. Educa-los, à força, com algo e para algo que não querem parece-me o outro lado da moeda do desinteresse pelo percurso escolar dos alunos com mais dificuldades.
Ser contra ou a favor da extensão do ensino obrigatório por motivos de eficiência não me parece que seja de esquerda ou de direita. Conheço várias pessoas à esquerda que defendem que foi prematura, apesar de concordarem com o princípio.
EliminarPara efeitos desta discussão, isto tem mais a ver com o tipo de argumentos usados. Por exemplo, este argumento lido no Insurgente contra a extensão é claramente um argumento a favor das liberdades negativas:
"Não existe qualquer argumento moral que fundamente impôr a um cidadão estudar caso isso não seja da sua vontade (e muito menos num quadro jurídico em que o “direito ao trabalho” é legalmente reconhecido a partir dos 16 anos). A liberdade de decidir prosseguir ou não estudos deve partir dos próprios visados e daqueles que são os seus tutores, os pais. Impedir aos agentes que sejam decisores no processo de gestão da sua própria vida é moralmente insustentável. Obrigar os contribuintes a financiar este sistema é duplamente imoral" -- http://oinsurgente.org/2010/03/07/argumentos-contra-a-escolaridade-obrigatoria-ate-aos-18-anos/
Por princípio, eu diria que ao obrigarmos um jovem a estudar até aos 18 anos estamos a abrir-lhe estradas por poderá mais tarde escolher, pelo que recusaria a ideia de lhe estarmos a limitar a liberdade, bem pelo contrário.
O Carlos Duarte acaba por defender algo que é uma espécie de compromisso entre as duas visões:
"apesar de defender o ensino obrigatório (e admitir o seu prolongamento até ao 12º ano sob certas condições), defendo igualmente que esse ensino se deve adequar ao projecto de vida, mesmo que incipiente, dos alunos."
Não me parece que isso seja um bom ponto para estabelecer uma distinção esquerda-direita, porque facilmente se encontram numa certa esquerda argumentos muito semelhantes (a defesa de sistemas educativos estilo Summerhill ou do "unschooling" - a variante do "homeschooling" em que os pais não forçam os filhos a aprender - até me parece costumar vir mais de sectores de esquerda).
EliminarOnde a marca direitista desse post d'O Insurgente é capaz de ser mais vísivel é aqui: "e daqueles que são os seus tutores, os pais"; as duas maiores diferenças que vejo entre a direita e a esquerda anti-"ensino forçado": a esquerda tende a ver as coisas mais em termos de liberdade das crianças/jovens e a direita em termos de liberdade das famílias; e acho que a esquerda tende a ser mais hedonista ("coitados dos jovens que são obrigados a estudar coisas que não lhes despertam interesse") e a direita mais utilitária ("coitados dos jovens que são obrigados a estudar, quando muitos preferiam já estar a trabalhar e a ganhar dinheiro") - a esquerda talvez seja também mais dada a defender a liberdade de, dentro da escola, não ser obrigado a fazer nada, e a direita a liberdade de não ser obrigado a ir à escola, mas penso que essas diferenças derivam das anteriores.
(dá-me a ideia que muitas vezes a esquerda tende a valorizar mais a liberdade estritamente individual e muita direita tende a valorizar sobretudo as liberdades das pequenas sociedades - famílias, empresas, igrejas, etc. - e muitas vezes considerando que o "estado social" e o "atomismo individualista" são as duas faces da mesma moeda)