sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Cortes de cabelo

Ouvi o episódio do Conversas Cruzadas acerca da semana boa do Costa, onde se falou-se do salário mínimo de Portugal ser alto e de isso ser um entrave ao crescimento (visão de Carvalho da Silva), mas também uma necessidade para o crescimento (visão de Álvaro Santos Silva). Em Portugal, há empresas que oferecem aos trabalhadores a oportunidade de trabalhar sem ser colectados, logo falar em salário mínimo de Portugal sem dizer que há muitos trabalhadores para quem esse salário mínimo é irrelevante, confunde-me um bocado.

Carvalho da Silva usa muitos advérbios, diz que tem informação acerca de certas coisas, mas quando lha pedem, esquiva-se de a dar, e serve-se do tom de voz para desarmar os oponentes. Achou por bem falar no preço dos cortes de cabelo na Alemanha e Portugal para justificar que, se os cortes de cabelo em Portugal fossem mais caros, os trabalhadores ganhariam mais. O corte de cabelo é o mesmo, dizia ele, logo infere-se que não faz sentido pagar-se menos em Portugal do que na Alemanha.

O que é o preço de um corte de cabelo? É apenas o salário do cabeleireiro? A resposta é, obviamente, "Não". A informação contida nesse preço refere-se à qualidade do corte de cabelo, os produtos usados, a tesoura, a cadeira onde nos sentamos, o sítio onde o cabeleireiro fica, a atmosfera do cabeleireiro, o tempo que demora o cabeleireiro a trabalhar com o nosso cabelo, a exclusividade do cabeleireiro, etc. Comparar directamente o preço do corte de cabelo em dois sítios e pensar que se tira uma conclusão válida acerca dos salários, sem ter em conta as outras variáveis, é um erro crasso.

O cabeleireiro que eu uso em Houston é caro, tão caro que, a primeira vez que telefonei para marcar um corte com ele, a recepcionista disse-me que era caro e deu-me o preço praticado, que é $20 a $40 superior ao cabeleireiro recomendado pela minha chefe. Por um corte de cabelo, pintar, e secar pago $180-$200 e ainda deixo uma gorjeta. Por exemplo, o meu último corte foi $220, depois da gorjeta, mas ele demorou quase três horas a trabalhar em mim, ofereceu-me uma café espresso excepcional, conversou comigo e fez-me rir, tratando-me como se eu fosse uma amiga de longa data, as instalações têm obras de arte na parede, etc. Eu saí de lá muito bem disposta e quando cheguei ao escritório, a minha chefe disse "WOW!"

Quando fui a Portugal fui a dois cabeleireiros, um em Lisboa e outro nos arredores de Coimbra. Em Coimbra, não cortei, apenas pintei o cabelo e sequei. Paguei €18 o que achei muito barato (até deixei €5 de gorjeta, se a memória não me falha), mas a experiência não foi nada de extraordinário. A rapariga não conversou comigo, o sítio era pequeno e na parede havia posters de produtos de cabeleireiro, e saí de lá com o cabelo esticadinho, exactamente igual ao estilo que a cabeleireira tinha, apesar de eu ter dito que queria um estilo mais volumoso e não esticado que nem esparguete. Mostrei-lhe a foto do que eu queria, até, mas enquanto ela trabalhava, cheirei o meu cabelo a ser queimado pelo secador excessivamente quente e demasiado próximo do cabelo (mesmo assim deixei a gorjeta). Já em Lisboa apenas lavei e sequei e custou €22, se não estou em erro. Não era um cabeleireiro moderno, a rapariga não conversou quase nada comigo, fez o serviço e andou. Até me deu jeito porque eu estava com pressa (também deixei gorjeta porque a malta aí precisa mais do dinheiro do que eu).

O meu cabeleireiro de Houston é alemão, filho de uma alemã e de um italiano. Quando tinha 18 anos foi para Nova Iorque e interessou-se por cabelos, depois regressou à Alemanha fez o curso e andou por vários sítios na Alemanha e nos EUA a trabalhar e ganhar experiência, até se instalar em Houston. É óbvio que o percurso profissional dele vale muito mais do que €10 por corte. Quando vivia em Coimbra, há 20 anos, frequentava uma cabeleireira que era filha de imigrantes em França, tinha o curso de uma escola francesa, e um corte custava à volta de 2.200$00. Ela conversava connosco, o espaço era moderno e tinha boa atmosfera. Ela não cobra €10 por um corte hoje, de certeza.

Não percebo por que raio o Carvalho da Silva frequenta cabeleireiros de €10, pois ele pode pagar muito mais do que isso. Para um homem tão preocupado com os trabalhadores, ele não se importa de explorar os que são pior pagos. Faria mais sentido ir a um cabeleiro mais caro, que ele tem dinheiro para isso, e deixar os cabeleireiros baratos para quem ganha menos. Mas isto sou eu, que não tenho grande prazer em usar advérbios para dizer absolutamente nada.



3 comentários:

  1. Donde retirou a ideia de que os cabeleireiros dos salões de cabeleireiros mais caros ganham mais do que os das barbearias que levam apenas 9 euros de corte de cabelo?
    Vê-se que não conhece muito bem a realidade portuguesa.
    Vá aos salões do Jean Louis David, que nem são dos mais caros, ganhe confiança com os funcionários e pergunte-lhes quanto ganham.

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    1. Gosto muito de argumentos tipo "Não conhece bem a realidade portuguesa". Como refutar? É que eu acho que ninguém conhece nenhuma realidade. Um especialista não é especialista por saber tudo; é especialista por saber fazer boas perguntas acerca do que não sabe.

      Acha que o Jean Louis David cobra €10 por corte de cabelo para pagar o salário mínimo aos empregados? Era esse o argumento do Carvalho da Silva. Se o António diz que o Jean Louis David cobra muito, mas paga mal aos empregado, é porque dá uma experiência aos clientes que justifica o preço, ou seja, está a dar-me razão. Se o estilista que ganha mal fosse bom teria muito melhor poder de negociação de salário, pois os clientes seriam fieis e teria uma carteira de clientes que levaria consigo, se saísse. Só que, num sítio em que a taxa de desemprego é alta, os empregados não têm poder de negociação, a não ser que se diferenciem.

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  2. "O que é o preço de um corte de cabelo? É apenas o salário do cabeleireiro? A resposta é, obviamente, "Não". A informação contida nesse preço refere-se à qualidade do corte de cabelo, os produtos usados, a tesoura, a cadeira onde nos sentamos, o sítio onde o cabeleireiro fica, a atmosfera do cabeleireiro, o tempo que demora o cabeleireiro a trabalhar com o nosso cabelo, a exclusividade do cabeleireiro, etc. Comparar directamente o preço do corte de cabelo em dois sítios e pensar que se tira uma conclusão válida acerca dos salários, sem ter em conta as outras variáveis, é um erro crasso."

    Eu sintetizaria isto tudo com: "o preço de um corte de cabelo depende da relação entre a respectiva oferta e procura". Essa relação pode incorporar centenas de factores, visíveis ou não a olho nu e pode nem sequer ter nada a ver com factores objectivos como os produtos ou a mão de obra usada.

    Acho que a noção marxista de que o preço de um bem deve corresponder à quantidade de trabalho nele despendida já só é usada por velhos marxistas como Carvalho da Silva...

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