sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

O Senado, o gineceu e a ironia

A capa da Revista Sábado de ontem gerou muita celeuma e discussão acesa. As gordas da dita dizem "As minhas ideias para mudar Portugal" e as fotografias abaixo esclarecem de quem são as tais ideias: Adriano Moreira, António Ramalho Eanes, Diogo Freitas do Amaral, D. Duarte Pio, D. Manuel Clemente e Nuno Vieira Matias. Logo a ausência de mulheres entre as pessoas convidadas a propor uma nova estratégia para o país foi notada e criticada. O mesmo já tinha sucedido com o Público e os dez cronistas seleccionados para prever o que nos trará 2017: gente da política, da ciência e das letras, novos e menos novos, da esquerda e da direita, mas só homens, que isto do pluralismo é muito importante, mas não no que toca ao género. É o chamado feminismo à superfície: o discurso é de promoção de igualdade, as acções revelam o machismo.
Mas não nos fiquemos à superfície no que respeita à Sabado. Passemos da capa para perceber que são "seis senadores" (sic) a discutir a necessidade de uma nova estratégia nacional. Ou seja, são seis personalidades representativas, não de "várias áreas da sociedade" como se afirma, mas do mais arreigado statu quo a falar sobre... mudança!!! Isto não é discriminação das mulheres, isto é um puro exercício de ironia! E, claro, a partir do momento em que se escolheram "senadores", as mulheres deixaram de ter lugar. Aliás, senātus deriva de senex, que significa "homem velho" (e é também a raiz etimológica de senil). Confere. Nada, pois, de mulheres. Ou de jovens.
Claro que o problema não é exclusivo da quadra - podia dar-se o caso de ter sido um esforço de poupar as mulheres a mais uma tarefa, já que nesta altura andam assoberbadas a confeccionar azevias ou a correr todas as lojas em saldo -, é algo a que assistimos ao longo de todo o ano. Estas capas só o tornam um bocadinho mais evidente. Os gineceus formalmente já não existem, o que, curiosamente, até é invocado por alguns machistas mais empedernidos como demonstração da falta de capacidade das fêmeas para estas lides não domésticas. Porque toda a gente sabe que basta a lei para mudar uma mentalidade. Da minha parte, espero que as aparições que por aqui faço sejam testemunho da existência de mulheres pensantes, capazes de argumentar e com ideias para mudar Portugal. O Destreza das Dúvidas tem sido a prova de que há mérito no feminino.

3 comentários:

  1. Com base no idadismo e no género continuaremos como Alice no País das Maravilhas - andando para nos mantermos no mesmo sítio.

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  2. Ver capa jornal ionline 30/12/2016

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