sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Uma espiral

Já uma vez aqui escrevi sobre a espiral do silêncio de Noelle-Neumann. Esta teoria remonta aos anos 1970 e assenta numa visão da natureza humana pouco optimista. A autora alemã acha irrealista a ideia progressista e iluminista de um homem racional, autónomo, informado, interessado em discutir o bem-comum – e diga-se que está muito bem acompanhada nesta visão das coisas, desde Montaigne, Locke, Hegel, Marx, Rousseau, Tocqueville, Freud, Lippmann, etc.
Nesta visão, o homem é cauteloso na forma como se exprime publicamente, sobretudo sobre assuntos mais controversos. Por conseguinte, tenta perceber o que é que as pessoas à sua volta pensam sobre as coisas. A maioria não quer ir contra a corrente e sujeitar-se a acabar marginalizada e ostracizada pela comunidade.
As pessoas formam as suas percepções com base nos grupos de referência - familiares, amigos, colegas de trabalho – e, sobretudo, nas notícias dos media.
Às vezes, a maioria das pessoas tem percepções erradas. Por exemplo, sobre quem está realmente à frente numa corrida eleitoral. Podem pensar que é o candidato X, quando na verdade a maioria dos eleitores prefere o candidato Y. Este erro de cálculo deriva quase sempre das notícias dos media, que dão muitas vezes uma imagem distorcida ou errada da realidade. Este desfasamento pode ter consequências decisivas nos resultados finais das eleições. Sobretudo os indecisos, caso se decidam, tenderão a votar no candidato que parece ter maiores hipóteses de ganhar. Moral da história? Devido a uma percepção errada, provocada pelos media, pode ganhar o candidato que não era, de facto, o preferido, à partida, pelos eleitores.
Em Portugal, parece-me que se gerou uma espiral de sentido contrário ao descrito acima. A espiral desta vez contrariou a percepção que maioria das pessoas tinha até há bem pouco tempo. Penso que essa inversão só foi possível devido aos blogs e às redes sociais – e à abundância de sondagens. Foi nesses espaços que algumas pessoas puderam exprimir o seu apoio à coligação ou criticar abertamente António Costa, que era apresentado como uma espécie de "Messias" pelos media - e esse número de pessoas foi aumentando com o tempo, é o tal efeito de espiral.
Ao contrário do que escreveu ontem o Boaventura Sousa Santos no "Público", a maioria dos media é de centro-esquerda – é mais ou menos assim em toda a Europa, mas em Portugal isso é ainda mais acentuado. Não sei se a coligação vai ganhar as eleições, mas, sem os blogs e as redes sociais (e a profusão de sondagens), as suas hipóteses seriam de certeza mais reduzidas.

4 comentários:

  1. Num sistema com voto secreto, não vejo muito bem como se passa de "o homem é cauteloso na forma como se exprime publicamente, sobretudo sobre assuntos mais controversos. Por conseguinte, tenta perceber o que é que as pessoas à sua volta pensam sobre as coisas. A maioria não quer ir contra a corrente e sujeitar-se a acabar marginalizada e ostracizada pela comunidade." para "Sobretudo os indecisos, caso se decidam, tenderão a votar no candidato que parece ter maiores hipóteses de ganhar."; a mim parece-me que, numa eleição, a "espiral do silêncio" tenderá a provocar é um efeito quase contrário - um partido vai à frente nas sondagens e, quando damos por isso, é esmagado nas eleições (ou resultados completamente dessincronizados, estilo as sondagens darem cerca de 30% ao partido A e cerca de 10% ao partido B e acabarem ambos próximos dos 20%).

    "Em Portugal, parece-me que se gerou uma espiral de sentido contrário ao descrito acima." - será que se gerou uma espiral de sentido contrário, ou será que foi mesmo essa espiral que se gerou? Na prática parece-me dificil distinguir a espiral "a maioria prefere A, mas dizem que preferem B porque pensam que a maioria prefere B" da espiral "a maioria preferia A mas dizia que preferia B, e só começou a assumir que preferia A quando viu que muitas outras pessoas também preferiam A", já que os sintomas exteriores das duas "espirais" parecem-me exatamente os mesmos.

    De qualquer forma, a teoria de que os blogs/redes sociais e as sondagens podem ter contrariado a percepção inicialmente criada pelos média parece muito duvidosa, por uma razão - já havia blogs, redes sociais e sondagens na altura em que toda a gente pensava que as eleições estavam ganhas para o PS (possivel contra-argumento: agora há mais sondagens, e nas redes sociais fala-se mais de politica do que antes da campanha)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Miguel, toda este discussão é teórica. A ideia de que se vota naquele que sobre o qual há um grande consenso esbarra contra bastante evidência empírica. Por exemplo, quando um candidato aparece nas sondagens com grande vantagem, invariavelmente no dia de votação a sua vantagem é muito menor.

      Eliminar
    2. Como diz o Luís, expus apenas uma hipótese. Que nas últimas semanas se gerou uma espiral a favor da maioria parece-me evidente. Por que motivo isso aconteceu? Não parece que tenham sido os media a trabalhar a favor da coligação, pelo menos numa primeira fase inicial. Parece-me que a espiral começou a gerar-se noutro sítio e, de caminho, apanhou os próprios media - muitos comentadores, pelo sim, pelo não, começaram a pôr as "barbas de molho" como disse o VPV.

      Eliminar
    3. Mas o Miguel tem razão numa coisa: se calhar, não é bem um espiral de sentido contrário, O que eu queria dizer é que desta vez se contrariou a perceção que a a maioria das pessoas tinha até há poucas semanas, percepção que, de acordo com a TES, é gerada sobretudo pelos media. E acho que essa mudança de percepção, que gerou uma espiral diferente, só foi possível com os blogs e redes sociais. Não sei se o meu argumento está claro ou se continua confuso

      Eliminar

Não são permitidos comentários anónimos.