Na semana passada fui a Houston. Foi uma visita rápida, que contava relatar por aqui enquanto decorria, mas acabei não tendo tempo porque andei sempre com amigos ou estava cansada da viagem. Decidi ficar a primeira noite no Sam Houston Curio Hotel, na Baixa, porque ficava perto do sítio onde tinha de estar na Sexta-feira de manhã. Como cheguei à noite, fui ao bar por uns minutos e bebi o meu primeiro Martini. Normalmente, bebo um copo de vinho ou um gin e tónica, mas decidi não ser tão previsível e experimentar algo novo. o único problema é que não consegui dormir bem essa noite. Talvez eu e os Martinis não sejamos compatíveis à noite, porque repeti a experiência ontem, não em Houston, mas em Memphis, e o resultado foi o mesmo.
A minha manhã de há duas Sexta-feiras foi animada e, apesar da noite mal-dormida, consegui completar o que tinha de fazer. Depois, almocei com uma amiga portuguesa e é tão bom partilhar um almoço em português. De tarde, fui à minha antiga vizinhança, o que me traz um leque variado de emoções, mas parece que as coisas estão a assentar, pois desta vez, conduzir por Houston foi muito mais orgânico, como se fizesse parte de mim. Na última visita, senti uma mistura de medo e surpresa por já ter esquecido algumas partes da cidade. Às vezes detesto a forma como o meu cérebro funciona, a maneira como se adapta à mudança tão rapidamente.
Como a minha vizinha não estava em casa, aproveitei para ir fazer uma pedicure no meu sítio preferido. É sempre um bocado assustador bater à porta dela e não obter resposta porque estou sempre a pensar que algo de mau aconteceu. Não foi mau, foi apenas uma nova experiência que ela decidiu ter aos 94 anos: foi à acupuntura e já estava de regresso depois de eu estar despachada. A filha estava com ela e durante a nossa visita passámos grande parte do tempo a falar da
grande notícia desse dia -- um homem suicidou-se num dos parques da cidade.
Há umas semanas, um dos melhores cardiologistas dos EUA -- ele operou o George H. W. Bush -- ia para o trabalho de bicicleta quando foi morto a tiro: um ciclista cruzou-se com ele, parou, puxou a arma e matou-o. A polícia pediu aos residentes para ver se tinham imagens de vídeo e houve alguém que conseguiu ajudar. Depois dessas imagens passarem na comunicação social, alguém conseguiu identificar o ciclista e iniciou-se uma caça ao homem.
Enquanto isto se passava em Houston, uma mulher no Ohio recebia pelo correio a escritura de uma casa em Houston. A casa tinha sido doada por um antigo polícia que, há uns anos, tinha ajudado a filha dessa mulher, uma jovem que era tóxico-dependente e residia em Houston.
Esse polícia bom-samaritano foi o homem que supostamente matou o cirurgião e parece que tinha uma lista de pessoas, que se suspeita estarem também na mira. Nessa manhã de 3 de Agosto, o antigo polícia foi rodeado pela polícia e matou-se com um tiro à frente deles. Para além da arma, tinha também um colete à prova de bala, logo suspeita-se que ele estivesse preparado para fazer alguma coisa má.
Nas últimas semanas, tinha doado a casa e vendido a sua colecção de armas, ou seja, começou a fazer os preparativos para a sua eventual morte. O motivo disto tudo aconteceu há 20 anos, quando a mãe deste homem foi operada pelo cirurgião e não sobreviveu. O que poderia ter acontecido nessa manhã morreu com ele, mas é bastante provável que haja pessoas que podiam estar mortas hoje se as coisas se tivessem desenrolado de outra forma.
A filha da minha vizinha contava isto com grande entusiasmo, enquanto víamos imagens na televisão e ela reconhecia as vizinhanças das imagens e dizia quem tinha morado naquela área. Era estranho ser tão próximo e durante o regresso da visita ao acupunturista, tinham feito um pequeno desvio para ir investigar alguns dos sítios do caso. A minha vizinha dizia à filha "Tu és tão mórbida!" como que a tentar acalmá-la e mais lhe dizia que não ia visitar mais sítios nenhuns do caso com ela. Comentávamos que este caso era tão estranho que, com certeza, irá inspirar um filme para passar na Crime TV, ou um canal semelhante. A realidade é tão mais estranha do que a ficção...
Por umas horas foi como se eu não tivesse partido e quando me despedi, a minha vizinha, que tantas vezes me enxotava de casa dela porque precisava de ir ver um jogo de baseball na TV, ou golfe, ou basquetebol, disse-me que tinha muitas saudades minhas e rapidamente, quase que despercebido, ouvi um "I love you!" Nunca mo tinha dito quando eu estava próximo, mas a distância ajudou a aproximar-nos ainda mais. Isso e eu terminar todos os meus emails que lhe envio semanalmente com "I love you" ou "Love ya" ou "Love, as always". Nunca se sabe o dia de amanhã.