sábado, 19 de março de 2016

História gótica


5. A multidão repetiu "Ali, ali, ali", não como um coro mas uma noite de vendaval, daquelas em que as árvores batem contra as janelas e se espera o fim do mundo.
"Ali", gritaram todos aproximando-se do mausoléu. Se for possível acreditar que criaturas como estas sintam horror de alguma coisa, quase se poderia dizer que era por isso que avançavam tão lentamente. Que se empurravam uns aos outros. Que hesitavam em subir os degraus da tumba. Mesmo a velha, até então decidida, parou a alguns passos do primeiro degrau, como se as pernas recusassem obedecer-lhe. Ratos e répteis corriam pelas pedras em grande velocidade. Apareciam por entre as ervas, por trás das lápides, no meio do céu, olhos brilhantes que logo desapareciam. Rangiam ramos. Finalmente, depois de um tempo que nunca se saberá se foi longo ou breve, as quatro crianças iguais subiram os degraus em sincronia perfeita. Foi o que bastou para que os outros saíssem do seu torpor. Três ou quatro mãos agarraram a fechadura de bronze. Vários ombros empurraram a porta, que abriu devagar e com ruído. O pó que saiu de dentro do túmulo fez com que muitos tossissem, outros esfregassem os olhos ou sacudissem o cabelo. Desapareceram de repente os ratos, os répteis, os olhos sem corpo. "Um archote", ouviu-se a voz imperativa vinda da moldura de talha dourada. A tela estava agora vazia, um espaço sem espaço, se tal coisa pode ser. E quem olhasse muito tempo para aquele abismo sem fundo dissolver-se-ia, como açúcar num copo de água ou ossos cobertos de cal. O gigante de mãos delicadas brandia já um archote e, pouco a pouco, a escuridão fechada da cripta foi dando o lugar a sombras. Primeiro, sombras informes. Depois, já era possível reconhecer nas paredes a figura alongada de um castiçal, do suporte de um espelho, de uma fileira de armaduras robustas. Finalmente, eram quase visíveis os objectos, estáticos nas extremidades das sombras oscilantes. Já todos tinham entrado. Rodearam aquilo que se encontrava no centro da tumba, um caixão pousado sobre uma estrutura de pedra na qual estavam gravados os mesmos símbolos que adornavam as lápides do lado de fora. Os mesmos ou semelhantes, porque estes eram ainda mais terríveis, ainda mais sinistros. Fariam tremer qualquer homem, os mais audazes teriam caído de joelhos no chão duro, os mais astuciosos enredar-se-iam. Não ficaria ninguém para contar a história, ameaçavam as caveiras amontoadas nos cantos. O colapso ou a mudez, a morte ou a paralisia esperavam quem se atravesse a penetrar no sepulcro, quem tivesse já conseguido atravessar o cemitério lúgubre e fosse capaz de querer ver ainda mais. As criaturas apenas se afastaram um passo do esquife, nenhuma delas queria fazer o que a voz saindo da moldura dourada intimava. "Abram."

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