terça-feira, 22 de março de 2016

This breathing house built with hands

Coleridge, precocemente envelhecido pelo uso continuado de ópio, escreveu um brilhante poema no jardim da sua casa em Highgate, no norte de Londres, a que deu o nome de youth and age. O poema lamenta o modo cruel como o corpo envelhecido lhe nega as alegrias várias da sua juventude. A certa altura, o poema refere-se ao corpo humano como uma casa que não foi construída com as mãos – this breathing house not built with hands. Esta é uma alusão a S. Paulo, que assegura aos seus seguidores que estes terão à sua espera uma casa que não foi feita pelas mãos dos humanos, mas sim por Deus. Note-se bem: a compensação pelas múltiplas agruras e humilhações da vida é uma casa que não foi construída com o uso de mãos; das mãos trémulas, imprecisas, cansáveis, impotentes dos homens. Ao contrário, a casa dos céus é perfeita, eterna, incorruptível; nunca desabará, nunca nos deixará sem um tecto. Ora Coleridge parece perguntar: e esta casa que sou eu? O meu corpo também não foi construído pelas mãos dos homens – e veja-se só em que estado está, veja-se só o tanto que se degradou! Ao contrário de me proteger para toda a eternidade, esta casa está prestes a desalojar-me. Que confiança posso afinal ter eu nas casas que não são feitas com as mãos? 

Coleridge escreveu o youth and age, dizia eu, na sua casa em Highgate, para onde se mudara com um médico amigo que o ajudaria, com relativo sucesso, a debelar o seu vício do ópio. Esta mesma casa, feita com mãos, sobrevive até aos dias de hoje – Coleridge, é bom de ver, não sobrevive. Bom, a casa faz melhor do que sobreviver – ela na verdade é altamente cobiçada, e veio a ser comprada pela Kate Moss, também ela uma viciada em ópio. Moss queria dar ao seu novo grande amor uma habitação memorável. O amor – outra casa que não foi feita com as mãos – sucumbiu passados cinco anos. Com o divórcio, Moss colocaria - no ano passado -, a casa à venda, por oito milhões de libras. 

É extraordinário, não é? A casa que foi feita com as mãos de homens sobrevive às grandes construções que não só não são feitas por nós, como parecem ser feitas contra nós. Sobrevive à morte do corpo e sobrevive ao fim do amor. Sobrevive à beleza insaciável de uma Kate Moss. Sobrevive à degradação física de um poeta tão eloquente. Será comprada por algum multi-milionário, e viverá para além, também, do incomensurável poder do homem que lhe é conferido pela riqueza – outra casa que não parece construída com mãos humanas. 

No outro dia passei pela casa que foi de Coleridge e também de Moss. Tirei esta fotografia à janela do meio. Tem vidros espelhados, pelo que nos reflete a nós.


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