sexta-feira, 25 de março de 2016

História gótica



14. Zselyk, rodeada por uma floresta verde escura, quase negra, é uma aldeia já com muitos séculos, ainda que sem monumentos que nos digam isso.
É como qualquer aldeia, com casas de madeira e caminhos de terra, uma praça central para festas e mercados, uma taberna, uma padaria, uma forja. As aldeias estão sempre a mudar porque qualquer tempestade arranca telhados e qualquer incêndio destrói edifícios do chão ao tecto. Por isso, são todas parecidas. Duram mas poderiam desaparecer de um dia para o outro sem deixar rasto. Zselyk tem sobrevivido por causa da mina. É a mina que explica também que tenha crescido, e que tenha visto aumentar a produção dos campos.  A mina explica que se aglomerem casas à volta da praça central e que não haja apenas quintas e propriedades com habitações dispersas. Explica também a adição quase urbana do estabelecimento de um boticário na praça central, em frente à taberna, e poderíamos pensar haver aqui algum humor, da taberna para o boticário era só preciso atravessar a praça e comprar os sais ou os chás que ajudassem à ressaca, e do boticário à taberna era só percorrer a mesma distância para afogar na aguardente as mágoas de se ter sido desenganado por um farmacêutico com pretensões a umas luzes de medicina. Em terra de cegos quem tem olho é rei. Mas a localização do boticário, além de fazer sentido que fosse na praça, acontecera porque entretanto vagara a loja onde uma das filhas do padeiro, que a mãe enviara para um colégio de meninas na cidade próxima, tentara instalar uma florista. Sem sucesso, porque numa aldeia com jardins, campos e florestas cada um podia colher as suas flores,  fazer os seus ramos e decorar os seus lares. Numa aldeia só se compra aquilo que a terra não dá, e aquelas coisas que não podem ser cultivadas só se compram por serem mesmo necessárias e por nem todos as poderem fazer, ou porque não sabem ou porque o tempo não chega para tudo. O fracasso da filha do padeiro mostrou a deficiência de uma instrução dedicada aos lavores e aos dotes indispensáveis para as jovens núbeis de uma cidade mas imprestáveis numa aldeia como esta. E o castigo que cai sobre quem se deixa levar pela ambição e pela vaidade, quem quer ser mais do que os pais e os vizinhos. Mas não impediu que a rapariga educada como uma menina encontrasse noivo, porque a mãe conseguira ensiná-la a bater a manteiga, e porque o pai, com o seu negócio próspero, tornava a filha airosa. Nestas coisas, as aldeias não são diferentes das cidades. Já na forma como se transportam pessoas e produtos, são, não há carruagens fechadas que escondam a identidade dos passageiros e torturem a curiosidade dos elegantes que cochicham e especulam durante dias, nem selas enceradas de ajudantes de campo cheios de fitas e borlas nos uniformes. Só há carroças abertas nos limites da cidade, carroças que rangem puxadas por pilecas lentas, que abastecem os comerciantes onde as criadas vão buscar hortaliças e ovos, e que os patrões nunca viram e nunca verão. Ainda assim, apesar das muitas semelhanças com muitas aldeias, Zselyk era diferente num aspecto. Vivia na sombra de uma colina que o castelo nela construído, esse sim havia séculos, tornava sinistra.

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