segunda-feira, 14 de março de 2016

Os capitalistas

O Mark Gilbert escreveu uma op-ed fabulosa para a Bloomberg onde diz o seguinte:
There's another issue lurking in the background. Europe recognizes that its companies are still far too reliant on bank loans rather than capital markets, in contrast with U.S. companies. Jonathan Hill, the European commissioner for financial services, is spearheading efforts to address that issue by forging a capital markets union. As he said in September, Europe's economy is about equal to that of the U.S., but its equity markets are less than half the size, and its debt market is less than one-third.

Fonte: Bloomberg

Concordo em absoluto com isto. Uma das grandes vantagens dos EUA é o facto de as poupanças do mundo entrarem nos EUA para ser investidas nos mercados de capitais americanos. O governo americano leva bastante a sério a qualidade da informação de quem participa no mercado, ao contrário do que acontece, por exemplo, na China. Investir na bolsa chinesa é o mesmo que ir jogar a um casino. O sistema americano não é perfeito, mas quando há falhas, a Justiça tem credibilidade suficiente para que as pessoas confiem no sistema. E apesar de todas as divergências políticas, os americanos têm estabilidade política e delineiam estratégias de longo prazo para a economia. Qual é a estratégia de Portugal para os próximos 30 anos? Ninguém sabe porque não existe. Portugal é gerido a curto prazo, ao sabor dos partidos que estão no poder, e quando a duração média de um governo em Portugal é de dois anos, isto é uma receita para o desastre.

Quando ouço as pessoas da Esquerda a falar contra os capitalistas e contra os EUA tenho a certeza de que não percebem nada do mundo onde vivem. Os capitalistas que participam nos mercados de capitais americano são, por exemplo, indivíduos reformados, os trabalhadores, o fundo soberano da Noruega, os fundos de poupanças de países como a Alemanha, o Reino Unido, a Irlanda, etc. Os milionários ricos são uma fracção do dinheiro que participa nestes mercados. Aliás, muitos milionários preferem investir via hedge funds porque querem rentabilidade superior aos mercados accionista, obrigacionista, etc., e têm riqueza própria suficiente para suportar o risco adicional. Os hedge funds e outros tipos de fundos de investimento investem em coisas mais arriscadas. Quer isto dizer que, quando eu vou ao supermercado, ou quando vocês vão de férias à Europa do Norte, encontramos os capitalistas do mercado americano.

Eu sou capitalista. Cerca de 75% da minha poupança-reforma está investida em fundos com exposição ao mercado americano; só invisto 25% no resto do mundo porque não tenho grande confiança nos outros países. Não tenho confiança nenhuma para investir na bolsa de Portugal, nem sequer em contas poupança-reforma daí, não confio nos Tribunais, não confio nas instituições para salvaguardar os meus direitos fundamentais de propriedade privada e de privacidade e para me dar informação de qualidade suficiente para eu fazer escolhas educadas, não confio nos políticos, não confio na comunicação social, etc. Investir em Portugal é muito arriscado porque o país é muito mal gerido e não tem os requisitos necessários para um investidor anónimo gerir risco. O governo actual faz questão de reforçar esta imagem. Como me diz uma amiga minha portuguesa, que também emigrou: Portugal é bom para passar férias.

15 comentários:

  1. Rita,

    Eu acho muito bem que as pessoas invistam nas empresas. Acho muito bem que as pessoas sejam "capitalistas". O que me incomoda são os intermediários.

    Quanto apareceram as primeiras sociedades anónimas (corporations) privadas, existia alguma proximidade efectiva entre os accionistas e a gestão das mesmas. Os intermediários - quando existiam - eram por norma advogados que representavam os interesses os clientes e não tinham interesse directo nas companhias (i.e. eles ganhavam dinheiro pelo contrato que tinham com os clientes e não pelos lucros dos investimentos). Igualmente, o principal "ganho" resultava dos dividendos pagos e não da venda das acções.

    Actualmente a situação é completamente distinta: os investidores (na sua maioria) nem sequer sabe no que investe e mesmo quando sabe não tem voz, os intermediários têm interesse efectivo no negócio e acabam por gerir os mesmos e os ganhos muitas das vezes advêm da compra e venda de títulos e não dos dividendos. Ora deste sistema gosto muito menos ;)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Eu gosto muito de fundos que representam o mercado: S&P 500, NASDAQ 100, etc. Não aprecio fundos chamados activamente geridos, pois o seu custo de gestão é muito alto. Olho sempre para os custos de gestão do fundo, para além da performance, quando decido onde investir.

      Eliminar
    2. Nada contra os primeiros ou outros fundos "estáticos". São investimentos "puros", em tudo similares a comprar ouro ou títulos de dívida. O meu problema é apenas com os fundos que tomam decisões activas sobre a gestão de uma empresa, quando o modelo de negócios é de curto prazo (fundos de longo prazo também me afligem menos).

      Eliminar
    3. Também não tenho grande apreço pelos investidores activistas, mas esses são normalmente hedge funds, onde eu não posso meter o meu dinheiro directamente, ou bilionários. Há também fundos de fundos onde eu posso investir e esses fundos podem investir em hedge funds ou outro tipo de fundos de investimento no decorrer da sua actividade normal. Eu olho sempre para o custo do fundo onde invisto; se o custo for muito alto, é sinal que o fundo em que estou interessada é capaz de investir noutros fundos. A propósito dos investidores activistas, saiu um artigo na HBR: https://hbr.org/2014/05/how-to-outsmart-activist-investors.

      Eliminar
    4. Rita, num registo totalmente diferente dos meus anteriores comentários, deixo uma pergunta, esta precisamente a propósito dos investimentos. A mim e para a gestão dos meus haveres a ideia de investir em fundos nunca me fez qualquer sentido. Muito menos nos fundos geridos mas mesmo fundos de representação (sejam de indices accionistas, de imobiliário, de commodities, sejam do que for) são algo que me faz alguma confusão investir. E faz-me confusão pela perda de controlo do investidor sobre a efectiva aplicação do seu investimento. Há, porém, uma imensa quantidade de gente que investe em fundos e eles são muito populares. Daqui a minha pergunta: o que leva alguém a investir em fundos por oposição a constituir e gerir um portfolio pessoal no qual o investidor toma as suas decisões de investimento e compõe o portfolio como melhor lhe parece retendo em todos os momentos controlo total sobre onde e como investe?

      Eliminar
    5. Há várias coisas a considerar: custos de transação, diversificação, e dollar-cost averaging. Brevemente irei escrever um post sobre isso.

      Eliminar
    6. Mesmo tendo em conta essas variaveis - a diversificação em particular é-me muito cara - continua a fazer-me alguma confusão. A questão cambial idem, aliás, eu comecei precisamente a entrar nos mercados financeiros em anos idos porque ganhava em USD mas vivia em Euros. Foi muito giro enquanto com 1 USD obtinha 1,1-1,2 EUR. Depois deixou de ter tanta piada e foi precisamente em busca de estratégias para limitar as perdas cambiais que comecei a interessar-me activamente pelos mercados financeiros. Entretanto há muitos anos já que os meus rendimentos são exclusivamente de investimento tanto em mercados financeiros como noutros activos. Os fundos efectivamente nunca me fizeram qualquer sentido. Duvido, aliás, que haja algum fundo que tenha a composição específica do meu portfolio com os pesos específicos que cada coisa tem... sendo isto válido para qualquer investidor, parece-me. Há ainda a questão de variar a composição do portfolio, de tempos a tempos, de forma muito simples, algo que não conseguiria fazer com investimento em fundos. Este último aspecto é bastante importante nos tempos que correm.

      Sim, os custos de transacção são superiores fazendo um portfolio com investimentos escolhidos do que investindo directamente em fundos. Mas a liberdade de poder reagir rapidamente seja ao que for e poder escolher o que me parecer melhor em cada momento de acordo com o contexto específico de cada altura e a forma como vejo o futuro cobre largamente esses custos. O último item que aborda, dollar-cost averaging, resume-se a money management algo que sempre achei basilar para qualquer estratégia de investimento poder funcionar no longo prazo e resistir a diversos contextos de mercado. Algo mais válido nos tempos que correm do que em qualquer momento dos últimos 20-25 anos dada a volatilidade e até algum comportamento errático que os mercados financeiros em geral estão a ter.

      Eliminar
  2. Rita, quando diz:"E apesar de todas as divergências políticas, os americanos têm estabilidade política e delineiam estratégias de longo prazo para a economia" está a referir-se a quais estratégias?
    Comparativamente à realidade europeia quais são as variáveis em que considera existir maior estabilidade política a longo prazo (15/20 anos) no EUA? Acha que esses pressupostos se mantêm caso por exemplo o Trump seja eleito?

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Uma das estratégias que os EUA têm seguido é independência energética, que é uma das causas da queda do preço do petróleo e que foi iniciada durante a administração de Bush pai; o investimento na Internet foi levado a cabo durante décadas; o fundo da Segurança Social é gerido tendo em conta projecções de 15 anos; há uma rede de infraestrutura federal, que é decidida tendo em conta o que é melhor para o todo -- note-se que a infraestrutura americana está um pouco velha, logo o governo tem por onde gastar dinheiro de forma a gerar impacto na economia; a reforma da saúde também já tinha sido tentada durante a administração Clinton, e foi conseguida por Obama, etc. Nota-se que há uma certa continuidade de políticas.

      Os americanos, apesar do circo que por vezes é o Congresso e da insistência em ter armas caso seja necessário insurgir-se contra o governo, não são muito dados a derrubar governos. No entanto, Clinton teve um processo de impeachment, Obama foi ameaçado com um, e, na minha opinião, quem devia ter levado com um foi o Bush. Em Portugal, estamos outra vez numa fase em que os governos caem ou porque se demitem, ou o Presidente da República dissolve o Parlamento, ou a oposição derruba o governo no Parlamento. E todas essas situações já aconteceram nos últimos 20 anos. Veja-se que desde 2010, logo em seis anos, já vamos tn quarto governo e todos eles tiveram estratégias significativamente diferentes. O último governo americano que foi interrompido foi o de Nixon na década de 70.

      Eliminar
  3. Olá Rita! Comento um post seu pela primeira vez embora seja seu leitor há algum tempo. Gosto realmente da sua escrita fresca em conteúdos densos.

    O comentário que quero fazer. Escreveu a Rita "Quando ouço as pessoas da Esquerda a falar contra os capitalistas e contra os EUA tenho a certeza de que não percebem nada do mundo onde vivem. ". Concordo plenamente. E não percebem porque realmente não têm qualquer interesse em perceber e nem há qualquer interesse em que percebam. É ilógico que percebam. As esquerdas comunistas não têm qualquer racionalidade e nem é suposto que a tenham. Funcionam por fé e pelos dogmas da sua fé. Precisamente por isto é que vários dominios do saber (a economia um deles mas muitos mais incluindo, por exemplo, a psiquiatria) não podiam existir com normalidade nos países comunistas. O conhecimento científico vai contra os postulados ideológicos, contra os dogmas da fé, logo, estão errados e não interessam para nada.

    Concordo plenamente com as restantes acepções que faz quanto ao investimento em Portugal. O que as esquerdas não têm noção - e não querem ter e não precisam de ter e não lhes faz sentido ter - é dos prejuízos que isso causa às sociedades. Mas, uma vez mais, é-lhes irrelevante dado que o seu modelo está certo por dogma e definição logo tudo o que saia deste modelo é errado. É o mesmo exacto raciocínio que levou comunistas em vários países a culpar as populações pelos seus fracassos: o modelo está certo, a população é que não era suficientemente evoluída ou politizada (houve mais desculpas mas todas indo parar ao mesmo) para ele funcionar, logo, a população está errada. Bertold Brecht, ele próprio comunista mas não cego de todo, respondeu a isto em 1953 com o seu poema "Die Losung" que termina perguntando se não seria melhor que o governo dissolva o povo e eleja outro.

    De sempre mas mormente nestes tempos que correm ter um conhecimento aprofundado das doutrinas e feitos de Marx, Enghels, Lenin, Stalin e patifes seguintes é extremamente útil. Por mim só lamento que não haja um conhecimento forte e profundo quanto ao comunismo. Mas é o que há. Paciência!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Muito obrigada pelo enorme elogio e pelo comentário. Gostei muito. Também gostei muito do que escreveu nos posts da Helena.

      Eliminar
  4. Concordo com Carlos Duarte. O principal problema dos mercados financeiros contemporâneos é que quem ganha mais não é quem investe mas quem comissiona o investimento dos outros. "Other People's money" sem "skin in the game". Com isso, percepção do risco fica um bocado ofuscada e alguns artistas constroem anti-fragilidade para si próprios à conta da fragilidade que espalham no sistema.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. É verdade. Há graves problemas de intermediação e alguns deles têm uma solução bem simples.

      Eliminar
  5. Aqui explica tudo
    http://www.amazon.com/gp/product/1610396030/ref=pd_lpo_sbs_dp_ss_1?pf_rd_p=1944687502&pf_rd_s=lpo-top-stripe-1&pf_rd_t=201&pf_rd_i=0142180718&pf_rd_m=ATVPDKIKX0DER&pf_rd_r=0PSXD0VYXX93J0NK13QN

    ResponderEliminar

Não são permitidos comentários anónimos.