sexta-feira, 25 de março de 2016

História gótica

13. "Espero que ninguém perceba", disse para si própria a rapariga que descia do comboio.
A plataforma cheia de gente e malas de vários tamanhos escondia-a. "Um belo esconderijo", pensou. Avançava com alguma dificuldade, empurrando com os ombros as pessoas que tentavam entrar no comboio que a transportara da cidade de l. até j., uma outra cidade e a mais próxima da aldeia de onde se via o castelo. Era o que lhe tinham dito, e não foram poucas as pessoas a quem perguntou, também estas difíceis de encontrar. Havia um mundo subterrâneo de testemunhas, espalhadas por um vasto território, e fora necessário quebrar a sua relutância em falar sobre o assunto. Mulheres e homens que há muito não sabiam o que era uma noite de sono tranquilo, e que era preciso arrancar de um transe. Os braços estavam quase desfeitos pelas unhas com que incessantemente se arranhavam, e os cabelos arrancados atestavam o desespero e o terror que os consumiam. Mas ao mesmo tempo que não queriam falar, queriam. A verdade é que nunca ninguém lhes tinha perguntado nada. Regressaram às casas de onde tinham saído anos antes e foram aceites como se aceita o viajante cujas aventuras lhe pesam e que é preciso deixar em paz. Talvez as pessoas que os recebiam não tivessem grande curiosidade, afinal nunca tinham querido sair das suas casas sossegadas. Quem precisa de andar por aí à procura não se sabe bem de quê, quando o que aqui se tem já está alcançado e já se sabe o que é, pensariam talvez, se a sua imaginação lhes colocasse alguma pergunta. As mulheres e os homens que regressavam aceitavam este desinteresse como um bálsamo. Só que um bálsamo apenas alivia, não cura feridas, não as fecha. Quando a rapariga começava as suas inquirições, cuidadosas porque tinha aprendido as vantagens da paciência e da lentidão, mantinham-se em silêncio. Ao longo de dias, semanas, a rapariga ia fazendo perguntas diferentes. Mas sempre acerca da mesma coisa, sempre acerca do que transformara aventureiros em mortos-vivos. Os olhos baços destes desgraçados olhavam para uma parede como se não a vissem. Julgar-se-ia também que não a ouviam, que não sabiam sequer que ela estava ali. Continuavam a arranhar-se e a puxar os cabelos, enquanto se balançavam para trás e para a frente. De repente, paravam. E daquelas bocas lívidas saía uma única palavra, e de todas as vezes a mesma palavra. Zselyk.

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