segunda-feira, 7 de março de 2016

a ordem natural e eterna das coisas


Nesta foto, tirada em 1917, vê-se a família da monarquia austro-húngara: o imperador Karl e a imperatriz Zita com as suas quatro princesinhas, no tempo em que o lobby fundamentalista da igualdade acéfala ainda não tinha começado a fazer estragos na sociedade. Da esquerda para a direita: Felix, Robert, Otto e Adelheid.

Menos de um século depois, as fundações do mundo tal como o conhecemos estremecem só porque se pede ao McDonald's que chame "pequenos póneis" aos pequenos póneis, em vez de lhes chamar "brinquedos para meninas". Argumenta-se com reduções ao absurdo e ao ridículo, fala-se até em deixar de distinguir entre roupa para meninos e para meninas (Pedro Ivo Carvalho), como se fosse este o argumento que acabaria com todas as dúvidas sobre o caso, como se os rapazes e as raparigas das famílias abastadas do tempo dos nossos avós não usassem todos os mesmos vestidinhos rendados, bordados e cheios de laçarotes. Teme-se a cedência às forças que querem "esbater as diferenças até ao ponto da mais estéril igualdade" (João Miguel Tavares), e - horror dos horrores! - criar uma sociedade assexuada. Be afraid, be very afraid.
 
Bem tento, mas não vejo o risco dessa estéril igualdade em chamar "pequeno pónei" a um pequeno pónei, "vestido" a um vestido, "cor-de-rosa" ao cor-de-rosa, e "educadora de infância" a uma educadora de infância, em vez de "brinquedo/roupa/cor/profissão para meninas". Em compensação, chamar "brinquedo para meninas" tanto a um pequeno pónei como a uma bateria de panelas miniatura, "roupa para meninas" tanto a um vestido como a um kilt (como a uns jeans?...), "cor para meninos" ao azul e ao preto, e "profissão para meninos" a astronauta e piloto de corridas, tudo isso implica esbater as características concretas das coisas que nos permite reconhecê-las e ter um posicionamento pessoal perante elas.
 
Há menos de um século, um vestido era uma peça de vestuário indiferenciada para meninas e meninos, e as crianças dormiam em quartos com decoração unissexo. Gostaria de saber por acção de quem ou de quê é que se decidiu vestir os rapazes como machos desde o dia em que nascem, e há adultos que se sentem confortados e mais seguros nesta exacerbação caricatural de diferenças artificialmente criadas:



Mais: sendo certo, e sendo até uma verdade reconhecida há milénios, que "todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades", pergunto-me por que motivo algumas pessoas se querem agarrar obsessivamente à ilusão de que aquilo que é uso em determinado momento corresponde à ordem natural e eterna das coisas, e não pode mudar ou sequer ser alvo de crítica.

Quanto disto é natural, quanto é cultural, quanto é condicionamento?
E que margem de liberdade damos aos nossos filhos para que eles possam descobrir quem são e como querem ser?

21 comentários:

  1. Que coisa tão chata, escrever um comentário só para dizer que se está de acordo. Ao que chegamos...
    Brinquedo pónei = brinquedo pónei. Não é complicado
    Brinquedo pónei <> brinquedo para menina
    Um está certo ou outro está errado. Nenhum dos dois vale muitos mais comentários (sim, nenhum dos dois, nem o errado se prevalecesse)
    Agora, só um comentário interessante. Não foi pela via da regulação governativa, mas sim por um pouco de bom senso económico (por parte da Macdonal's que tem mais que fazer que pegar em lutas destas) e social (através de uma chamada de atenção de um órgão de comunicação). Parece ser que as sociedades evoluídas não funcionam assim tão mal. Tomara que a nossa o fosse mais vezes...

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    1. Que coisa tão chata, escrever um comentário só para dizer que se está de acordo. :)
      Pois é: concordo inteiramente com este comentário.

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  2. As grandes empresas vivem em pânico destes "movimentos" destas "indignações". Preferem curvar-se a qualquer evento ou dedo apontado que explicar, explicar-se ou até debater com quem se insurge. O meu medo é que o que parece válido hoje, amanhã não o seja, e estejamos todos a um passo de ver isto ou aquilo mudar para agradar a meia dúzia de ruidosos ditadores com muito tempo para gastar e pouco dados a tolerâncias.

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    1. Comprendo o receio, mas fique descansado, normalmente o que se passa é o contrário e o immobilismo é a força reinante. Sem histerismos sobre a influencia nefasta destes "movimentos terriveis", quando viu realmente essa ditadura de ruidosos funcionar em detrimento da vontade da maioria (ou pelo menos uma maioria esclarecida)? A mim custa-me encontrar um exemplo. Agora, exemplos de possoas assustadas com cambios que não aprovam e empolgado as coisas ao absurdo (como agora) são legião.

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    2. Ainda não percebi o que é que a mudança à força, imposta a uma empresa privada e cuja a preferência pelo produto é absolutamente voluntária tem de ceder a agendas políticas ou de mera embirração. Não defendo que para cada acção deste género surja logo uma contra-acção do tipo "plebiscito" para julgar a mesma ou para a legitimar caso seja válida. A ideia de que se alguém se insurge e a empresa é forçada a mudar, logo, toda a gente concorda com a medida pela omissão é absurda.
      O que não faltam são exemplos desta prepotência, hoje é este caso amanhã é outro qualquer. O direito à indignação é usado e abusado por quem, como disse anteriormente, tem tempo a mais e sede de protagonismo. A maioria das pessoas não tem nem tempo nem vida para se andar a indignar com menus de crianças.

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    3. "a mudança à força"

      Onde é que é mudança "à força" (a menos que equacionemos "crítica" com "uso da força")?

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    4. Miguel, não houve mudança à força. Houve uma notícia sobre o assunto a dizer que a cadeia de fast food ia mudar a sua política. E depois uma uma reacção de histéricos indignados (se fossem feministas a terem uma reacção tão histérica, lá diriam que eram feministas esganiçadas ou coisa assim) que querem, à força, que a McDonald's não mude de política. O histerismo, desta vez, foi toda do lado dos conservadores.

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    5. Nem sei porque razão viveriam em pânico em Portugal. Nos EUA são muito mais susceptíveis, mas já estão habituadas a isso. No caso da McDonald's, há que ter em conta que muitas das pessoas que lá trabalham não têm bagagem educacional ou cultural para perceber as implicações de dar sexo a brinquedos. Nos EUA, quem trabalha no McDonald's a atender os clientes não é propriamente licenciado em sociologia ou psicologia.

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    6. Eu não tinha ligado nada à "polémica" por a considerar disparatada (dos dois lados) nem tinha lido a notícia original. Fui fazê-lo agora desculpa, Luís, mas quem montou a tenda do circo foi quem escreveu a notícia. Isto porque subentende-se que a McDonald's Portugal mudou de política em consequência da notícia - ou do processo de elaboração da mesma - do DN e não ao contrário.

      A notícia tem razão em alguns pontos (a questão dos questionários), mas está completamente errada na mensagem que passa como sendo a principal: uma suposta "descriminação" dolosa entre rapazes e raparigas na selecção dos brindes. A descriminação existe, mas é do mesmo tipo em que existem secções de roupa para rapazes e raparigas (ou homens e mulheres) - é uma questão prática e de preferência comercial. Sobre esse ponto, o João Miguel Tavares já se pronunciou muito melhor que eu seria capaz.

      O que me aborrece neste género de coisas - uma espécie de "activismo fofo", que troca o essencial pelo secundário - é que se passa a ideia que o problema da descriminação de género, que existe e é serio, é tudo uma questão de Happy Meals ou de géneros gramaticais. Não é, a questão de fundo é uma questão societal de educação. A mim não me aborrece minimamente que a grande maioria das miúdas no Carnaval se fantasiem de princesas, apesar de não apreciar de modo algum a mensagem subjacente - a mim aborrece-me quando ouço pais (M/F) a chamarem as filhas de princesa. Porque a perpetuação do estereótipo está aí mesmo: as miúdas podem, se quiserem, serem princesas como podem ser super-heroínas ou astronautas ou piratas ou o que bem lhes apetecer - não o devem ser porque são apelidadas de tal desde muito pequenas.

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    7. Carlos Duarte, concordo com muito do que diz, mas tenho alguma dificuldade em acompanhar o exemplo da roupa. Porque é que, numa loja, as calças de criança não podem estar todas juntas, bem como as t-shirts, os casacos, as camisolas? Do ponto de vista da eficiência do funcionamento da loja, até seria melhor proceder assim - em vez de ter a mesma t-shirt ou os mesmos jeans em duas secções diferentes da loja, e ter de verificar sempre nos dois lados se ainda estão todos os tamanhos disponíveis.
      Ou seja: mesmo a questão da oferta da roupa em secções separadas pode ser questionada. E no caso nem sequer é por questões ideológicas, mas de pura economia.
      A discriminação existe. No caso das happy meal, é absolutamente desnecessária. No caso das lojas de brinquedos, vejo (pelo menos na Alemanha) que os brinquedos são agrupados por forma ou função (a estante dos legos, a estante dos carros, a estante das bolas, a estante das bonecas, a estante das vassouras e panelas, a estante dos jogos de construção) em vez de divididos por corredores rosa e azul. Quanto às roupas de criança: já vejo muitas lojas onde também não se faz essa distinção. E reparei que o Jako-o, o maior site alemão de vendas online para crianças, divide a oferta de vestuário por rapaz/rapariga, mas repete os produtos num e no outro lado, chamando-lhe "calças/t-shirt/casaco de criança". Andei a espreitar, e encontrei t-shirts com unicórnios estampados, ou cor-de-rosa com borboletas, na secção de rapaz.

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    8. Helena, eu não escrevi que não podiam estar todas juntas - sinceramente é-me indiferente - mas sim que a descriminação é mais "comercial" que moral, i.e., que tem por base os gostos (inicialmente dos pais e posteriormente dos filhos) dos compradores e não uma tentativa de impôr o que quer que seja à sociedade. Ao se fazer um alarido com a questão dos brinquedos nos Happy Meal - não dos questionários, aí há, de facto, um problema - põe-se o carro à frente dos bois: o problema não está no McDonalds ter brinquedos de "menino e menina", mas antes o porquê de o ter.

      Eu não tenho (nem de perto nem de longe) a sua exposição a diferentes contextos culturais, mas bastou-me a diferenciação entre Portugal e o Reino Unido - e a ideia que, apesar de tudo, por cá (Portugal) estamos menos mal. Porque cá ninguém acha estranho - apesar da proliferação de "rosas" - uma miúda de azul, já no Reino Unido era o fim do mundo.

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    9. Carlos Duarte, não sabia isso do Reino Unido. Caramba, este nosso mundo é só supresas. :)
      Penso que a discriminação actual resulta muitas vezes do simples hábito. É óptimo falarmos destas coisas, para questionarmos os nossos hábitos e os seus porquês.

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  3. "(...)pergunto-me por que motivo algumas pessoas se querem agarrar obsessivamente à ilusão de que aquilo que é uso em determinado momento corresponde à ordem natural e eterna das coisas, e não pode mudar ou sequer ser alvo de crítica."

    É bem verdade. Alguns, por exemplo, acham que o Estado Social corresponde "à ordem natural e eterna das coisas" e apressam-se a rotular de "neoliberais" aqueles que ousam pensar em reformá-lo (não estou a pensar na realidade portuguesa).

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    1. Costuma dizer-se que a resposta a essa questão "vale um bilião".

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    2. Alexandre Burmester, penso que o Estado Social não pertence, infelizmente, à ordem natural e eterna das coisas, e por isso mesmo temos de ser muito vigilantes para que esta conquista fundamental não se perca. Prefiro continuar a pagar "religiosamente" os meus impostos, muitos, para ter a garantia de viver numa sociedade que não deixa ninguém para trás, e que me acudirá num momento de adversidade.

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  4. A culpa é dos alemães :-)

    E, para prová-lo, socorro-me das palavras de Mark Twain (Samuel Langhorne Clemens)

    THE INVENTOR OF THE LANGUAGE PROBABLY GOT WHAT HE KNEW ABOUT A CONSCIENCE FROM HEARSAY
    [MARK TWAIN: THE AWFUL GERMAN LANGUAGE]:

    - a tree is male,

    - its buds are female,

    - its leaves are neuter;

    - horses are sexless,

    - dogs are male,

    - cats are female,—Tom-cats included, of course;

    - a person’s mouth, neck, bosom, elbows, fingers, nails, feet, and body are of the male sex, and his head is male or neuter according to the word selected to signify it, and not according to the sex of the individual who wears it,—for

    - in Germany all the women either male heads or sexless ones;

    - a person’s nose, lips, shoulders, breast, hands, and toes are of the female sex; and

    - his hair, ears, eyes, chin, legs, knees, heart, and conscience haven’t any sex at all.

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  5. A União Europeia a abrir as pernas a um país que persegue jornalistas, minorias, bombardeia cidades, municia organizações terroristas que produzem milhões de refugiados ... e aqui discute-se o brinde de uma lanchonete. Foda-se...

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    1. Não é o brinde de uma lanchonete, é uma reflexão sobre os modelos que impomos aos nossos filhos. Mas tem razão: há problemas muito graves para resolver antes deste.
      Portanto: toca a parar tudo! Enquanto não se resolver o problema da Turquia, ninguém fala de mais nada. E nada de "foda-se", pelo contrário: para resolver o problema mais depressa, vamos combinar todos que enquanto não estiver resolvido não há sexo para ninguém.

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    2. Sim. A anestesia da rotina com que efémera e diariamente observamos os temas passar no ecran mediático é uma catástrofre intelectual. Os representantes eleitos ( e não eleitos) que nos representam tomam decisões que comprometem a sobrevivência dos valores que nos indentificam ( e a sobrvivência de milhares de pessoas) e continuamos a comer tremoços à espera do tema seguinte.

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    3. Teme o fim dos nossos valores? Parece-lhe que (um aumento hipotético de) 2% ou 5% da nossa população tem o poder de mudar tudo aquilo que até agora era válido entre nós?

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  6. Acho que os nossos valores são castigados hoje mesmo, quando se decide que o dinheiro dos contribuitnes da UE irá apoiar um regime com afinidade a organizações que pretendem exterminar todos os que não partilham as suas convicções, ou quando até no país da liberdade, igualdade, fraternidade, dezenas de pessoas são perseguidas e ameaçadas de morte por dizer o que pensam.
    http://www.jornaltornado.pt/franca-islamistas-abriram-caca-aos-criticos-do-jihadismo/
    Acho que os nossos valores estão a caminho do fim quando vemos descer no horizonte a barbárie e continuamos tranquilos, hoje a discutir o poney do macdonalds, amanhã a expiação dos traumas de infância de um filho de alentejanos, no dia a seguir um penalty mal marcado,...
    Curiosamente, os poucos sinais de esperança de que esses valores não desaparecerão são dados por quem está lá na frente da besta, encarando a morte de frente e voltando de vez em quando o olhar para trás, suplicando auxílio. São dados pela observação de que nem a indiferença dos europeus abate a sua moral.

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