quinta-feira, 3 de março de 2016

O que é o poder? Quando a mentira salva vidas

Oskar Schindler tornou-se célebre graças a um filme de Steven Spielberg de 1993. Schindler é um membro influente do partido nazi. Ao mesmo tempo, é apresentado com as cores de um homem que, por humanidade, salva da morte, durante a guerra, perto de duas mil pessoas que estavam condenadas por serem judias. Há uma cena interessante com o SS Amon Goeth, um psicopata (a guerra é o paraíso para esta gente) que mata arbitrariamente prisioneiros, com uma espingarda com mira do alto da varanda da sua vivenda.
Schindler aproveita um momento em que o psicopata está bêbado para o tentar convencer a deixar de matar arbitrariamente os deportados. Obviamente, não podia usar argumentos humanistas para o efeito. Estes não teriam qualquer hipótese de convencer este SS brutal (por sinal, a melhor interpretação de Ralph Fiennes até ao momento). Além disso, poriam em perigo Schindler que revelaria a sua verdadeira natureza.
Schindler utiliza outra táctica. Recorre a argumentos compreensíveis e acessíveis para o SS. O que é o verdadeiro poder? Essa linguagem o SS entende.
O verdadeiro poder não é matar. Matar um homem que cometeu um crime não é poder, é justiça. O verdadeiro poder é termos todas as razões para matar e, mesmo assim, não o fazermos. Schindler invoca um imperador. Um homem é levado à presença do imperador, deita-se aos seus pés e implora piedade. Tem a certeza que vai morrer. E o imperador perdoa-lhe. Goeth diz que Schindler está bêbado. Schindler deixa de se inclinar para Goeth, abre os braços e diz “É o poder, Amon, isto é o poder.”  
Schindler usou um estratagema. Justificou aquilo que ele próprio reprovava: a brutalidade assassina dos SS, a que chama “justiça”, e o poder absoluto do chefe do campo. Como é evidente, Schindler não desejava reforçar ou legitimar o valor do poder total. E, no entanto, por este preço, o preço da mentira e da dissimulação, obteve um resultado: salvou mais algumas vidas. Deve ser por estas e por outras que nunca nenhuma religião se atreveu até hoje a considerar a mentira um pecado mortal.


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