quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Francisca Van Dunem

A circunstância de uma mulher negra chegar a Ministra da Justiça não devia ser notícia no séc. XXI. Mas é. Infelizmente. Do mesmo passo, o facto de o indigitado (ou indicado) Primeiro-Ministro ter origens goesas.
Mas vivemos no mundo real e no Portugal de 2015, com as suas esquizofrenias.
Van Dunem, como aliás qualquer titular da pasta da Justiça, tem uma das mais espinhosas tarefas. Depois de um consulado em geral desastroso de Paula Teixeira da Cruz, as expectativas poderiam ser baixas. Todavia, não o são. O mapa judiciário continua a levantar enormes problemas na prática, os endémicos atrasos parecem uma fatalidade e é necessário esvaziar o clima de crispação entre operadores judiciários e Ministério, em especial no Ministério Público.
A escolha da até aqui Procuradora-Geral Distrital de Lisboa não será ingénua. Ou, pelo menos, admite essa leitura. Costa quer passar a ideia de que não haverá intromissão do Executivo na investigação criminal, em especial quando casos tão mediáticos estão em curso. E nada melhor do que convidar alguém com perfil independente, combativo e competente.
Sabe-se da normal «rivalidade» entre as magistraturas, o que poderá, aqui e além, provocar alguns remoques. Nada para que um Ministro não tenha de estar preparado.
É sobretudo na matéria cível que a nova Ministra terá de investir: a legislação processual civil é caótica, os processos executivos em regra inoperantes, há falta de funcionários judiciais e as condições físicas de alguns Tribunais são quase anedóticas. Não convirá mexer mais no Penal e no Processo Penal, pelo menos por agora, atenta a fragilidade com que as reformas podem ser encaradas, por se «colarem» a casos e não a ideias de fundo.

Sobretudo, mais do que legislar, impõe-se dar execução prática ao que já existe. Sabe-se há muito que em Portugal, como em outras latitudes, o problema não é de leis, mas da sua efectiva aplicação. Oxalá a nova Ministra resista à tentação de deixar o seu nome em muitos diplomas publicados em «Diário de República». As «reformas de papel» são como os tigres feitos do mesmo material. Caem logo à primeira rabanada de vento.

2 comentários:

  1. Para além de questões específicas do sector, que me ultrapassam, o que gostaria de ver era uma reversão da reforma do mapa judiciário. Não consigo compreender, em termos de soberania e relação do Estado com os cidadãos, que um Munícipio não tenha um tribunal (ou um posto da polícia ou um delegação das Finanças e da Segurança Social).

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  2. A reforma do mapa judicial pretendeu, grosso modo, colocar mais recursos judiciários onde vivem mais pessoas e onde são mais necessários. A última grande reforma do mapa judiciário terá sido feita no sec. XIX, se não estou em erro. Desde então - se quisermos, desde o 25 de Abril - a transformação demográfica do país obriga necessariamente a uma reforma do sistema judicial para a acompanhar.
    Tembém deveria ter havido uma reforma autárquica digna desse nome, mas a organização geográfica dos partidos políticos impede uma tomada de decisão desse género, pelo que temos muitos município com menos gente que freguesias adjacentes.

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