segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Um ódio de estimação

Cavaco Silva é um dos ódios de estimação da esquerda. Não me espanta. O homem teve quatro maiorias absolutas com mais de 50%. Teve até o desplante de ser o primeiro Presidente de direita da III República, num país que os especialistas dizem ser sociologicamente de esquerda. Há quem o acuse de sectarismo, de estar a favorecer os partidos da direita. Não sei se essa acusação é justa. E se for? Qual é a admiração e o escândalo? Mário Soares, o autoproclamado “Presidente de todos os portugueses”, não fez a vida negra aos governos do PSD no seu último mandato? Já não se lembram? Na altura, havia até quem o acusasse de ser uma “força de bloqueio” – penso que a frase pertence a Pacheco Pereira, um dos grandes ideólogos do cavaquismo.
Dito isto, não acho que Cavaco tenha sido um excelente primeiro-ministro.
Os que vieram a seguir é que fizeram dele melhor do que aquilo que ele realmente foi. Enquanto primeiro-ministro, Cavaco beneficiou de uma conjuntura favorável como nunca mais ninguém voltou a beneficiar. O preço do petróleo a baixar e o dinheiro da Europa a jorrar.
Cavaco viria anos mais tarde a alertar para o “monstro” da despesa do Estado. O que Cavaco não percebe é que foi ele o primeiro a empurrar o carrinho pela ribanceira abaixo, ao criar expectativas altíssimas e irrealistas nos portugueses; expectativas que nunca mais nos abandonaram e que em muito terão contribuído para os níveis de endividamento que vieram a seguir.
Por exemplo, Cavaco teve a extraordinária iniciativa de conceder um 14.º mês aos pensionistas. Nem a esquerda nos seus momentos de maior delírio se havia lembrado de tal coisa até então. Criou um sistema de progressões automáticas na função pública, cujas ondas de choque na despesa do Estado se fizeram sentir muito para além do imaginado. Negociou de forma desastrosa os dossiês da agricultura e das pescas com a “Europa”.   
Os portugueses iam deixar a “cauda da Europa”, integrar o “pelotão da frente”, ser “o bom aluno da Europa”. Estas e outras frases do género são o reflexo do deslumbramento que se vivia na época. E os deslumbramentos e os deslumbrados não costumam acabar bem.
Poderia Cavaco ter feito de outra maneira? Poder, podia, mas se calhar não era fácil. Além disso, se tivesse feito de outra maneira, provavelmente também não teria tido as maiorias absolutas.

2 comentários:

  1. Cavaco Silva é o presidente da sua "facção", tal como Soares e Sampaio também foram, e ainda mais ostensivamente, só que enquanto Cavaco não tem boa imprensa, os outros tiveram. Para além da marcação cerrada a Cavaco Silva no segundo mandato, Soares chegou a fazer sombra a Guterres (lembram-se do "Portugal que futuro?" a fazer "concorrência" aos "Estados gerais"?) para derrubar o PSD em 1995. O Sampaio chegou a interferir na composição do governo em 2002, vetando a ida de Paulo Portas para Ministro dos Negócios Estrangeiros. Tentou forçar o PSD a indicar outra personalidade que não Santana Lopes para substituir Durão Barroso em 2005. Contrariado, deu posse a Santana, mas no discurso de tomada de posse foi duríssimo com o governo, prevendo-se logo aí que à mínima oportunidade (oportuna para o PS) Sampaio dissolveria a AR. Foi só três meses depois.

    Cavaco em tempo algum foi tão interventivo quanto os seus antecessores, e ainda bem. Aliás, chega a ser divertido como a esquerda se contradiz. Por um lado queixa-se de que Cavaco exerce pouco os seus poderes, mas quando ele actua, a esquerda não gosta. A realidade é que a esquerda gosta de um presidente que lhe faça as vontades, e quando este não faz, a esquerda esperneia, mal educada. Já a direita, como é mais institucional, nunca foi tão hostil aos presidentes do PS como a esquerda tem sido com Cavaco Silva.

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  2. Votei várias vezes em Cavaco Silva. Estou profundamente arrependido. Acho que poucos contribuiram tanto para a irrelevância política e económica em que Portugal se transformou, para o fragilidade em que se encontra, para a descredibilização das suas instituições e, agora, até da sua própria democracia.

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