segunda-feira, 30 de março de 2015

A imprensa de referência

Primeiro foi o Público a dar voz, por diversas vezes, a homeoparvos.*
Hoje, temos o Diário de Notícias a dedicar duas páginas à vacinação, dando voz em igualdade de circunstâncias a quem é contra a vacinação.** Chega a pôr o presidente de uma associação de vendedores de banha da cobra lado a lado com um prestigiado pediatra.
A nossa imprensa de referência corre o risco de se tornar numa merda.

* Ver, por exemplo, aqui, aqui e aqui
** Link, apenas disponível para assinantes, aqui.

5 comentários:

  1. Desta vez não concordo contigo. Concedo que a homeopatia não é científica nem positivista. Mas quem, como Paulo Varela Gomes, escreve as crónicas belíssimas (ainda não lhe li os romances) publicadas no Ouro e Cinza, é um Homeo com H grande e não me parece assim muito parvo. Mesmo o texto a que atribuis parvoíce é um relato pessoal, bastante sincero e pungente. Na altura desse debate, um amigo, professor de medicina, cientista, investigador, com décadas de experiência em países africanos, confessou que muitas vezes, no terreno, onde não há laboratórios, o conhecimento tradicional e até algum desenrascanço podem ser vitais para salvar ou tratar. E asseguro-te que não estou a falar de nenhum parvo. Para além disso, o texto do Varela Gomes não me parece fazer nenhuma apologia da banha da cobra, mas tão só rebater, através do relato pessoal, a ferocidade do Carlos Fiolhais.
    Dito isto, eu também sou mais positivista. Por isso tenho as minhas reservas quanto à cientificidade de disciplinas não laboratoriais, como a minha Sociologia ou a vossa Economia. :-)

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    1. Caro Nuno,

      Sem querer "roubar" a eventual resposta do LA-C, não me parece que esteja a ver a coisa bem. O problema não é um indíviduo acreditar na homeopatia, da mesma forma que pode acreditar no "Prof." Bambo para resolver a sua vida amorosa. O problema é existir um "movimento" - mais ou menos organizado - e de cariz internacional que pretende dar à homeopatia o mesmo estatuto que a medicina convencional, quando esta não o tem nem o pode ter.

      Quando o Estado vem e intervém num sector que deve permanecer na esfera da crença pessoal (em termos quasi- ou para-religiosos, se quiser) e o regulamenta, dá voluntaria ou involuntariamente uma chancela de aprovação ou reconhecimento. Como escreveu o David Marçal, é a mesma coisa que o Estado regulamentar a profissão de Domador de Dragões - pode fazê-lo, mas não é por causa disso que os dragões (e não estou a falar do Fêcêpê) vão passar a existir.

      Mas é pior: se no caso da homeopatia o possível dano é pessoal (com excepção das crianças, mas vamos deixar isso de parte), já nas vacinas não. Existe um capacidade de dano significativo ao bem comum, como aliás está já a ocorrer nos Estados Unidos ou na Grã-Bretanha, por via do enfraquecimento ou eliminação do efeito de manada associado à vacinação universal. O que torna as campanhas anti-vacinação um problema de saúde pública da massas, em vez de um problema mais corriqueiro de crenças e crendices mais ou menos pseudo-científicas.

      O problema de fundo que o LA-C põe é outro: a comunicação social - e neste caso o Público e o DN - têm o dever de informar o leitor e para tal devem contextualizar devidamente as coisas. Podem perfeitamente fazer reportagens sobre homeopatia e anti-vacinação mas devem afirmar que essas crenças (porque não passam disso) não têm fundamentação científica e têm sido constantemente desacreditadas. Posto de outra forma, devem fazer as reportagens da mesma forma que fariam, e para manter o exemplo, para as capacidades terapêuticas do "Prof." Bambo.

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    2. Caros Carlos e Luís

      Vamos estabelecer um ponto de partida. Eu não vejo bem muitas coisas, isso é verdade, não seria esta a única. E veja esta bem ou mal, eu não estou muito distante das vossas opiniões.
      Na verdade, a minha discordância fundamental com o LA-C foi ter incluído no rol da homeoparvoíce o texto de Paulo Varela Gomes. Mas admito que o meu julgamento esteja enviesado pela minha admiração reverencial pelo autor de Ouro e Cinza.
      Não me parece que o texto de PVG fosse uma banca de banha da cobra, mas apenas um relato pessoal tão válido como outro qualquer - e foi nesse âmbito do relato pessoal que referi o meu amigo que exerceu medicina em África, fora das cidades, e que conta como muitas vezes foi a fuga ao protocolo médico que valeu uma cura. Não quis eu, nem o meu amigo, nem sequer me parece que fosse a intenção de PVG, defender a substituição da medicina científica por outras práticas.
      Num parêntesis o Carlos deixa as crianças de parte e concordo com essa excepcionalidade. Não me parece que os pais possam decidir sobre questões tão relevantes sobre a vida dos outros, ainda que seus próprios filhos. Se obrigamos as crianças a frequentar a escola, parece-me óbvio que as devemos obrigar a vacinar e tratar-se segundo os conhecimentos convencionais mais adequados - neste caso, a medicina científica.
      Sobre as vacinas também estou de acordo, embora mais a custo por duas razões. Primeiro, porque sou personalista, segundo porque morro de medo de agulhas.
      Quanto ao discurso mediático, não discordo do dever de informar o leitor - embora exclua dessa obrigação textos como o de Paulo Varela Gomes. Mas acrescento que o Público, o DN, a TSF, etc., têm esse dever para todos os temas. Por exemplo, não me importava que esse equilíbrio que procuraram neste caso fosse conseguido sobre o tema das alterações climáticas, onde nunca há contraditório contra o tremendismo al-gorista - apesar do debate científico não estar absolutamente encerrado.
      Por isso acrescentei que no fim das contas, na ciência sou tendencialmente positivista. Mas como sou também sociólogo, é como dormir todas as noites com o meu próprio inimigo.

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    3. A Carta Aberta de Paulo Varela Gomes não é um mero relato pessoal e pungente. É um artigo escrito para contestar a posição defendida por Carlos Fiolhais no artigo "Ciência Diluída". Nesse artigo, Carlos Fiolhais ataca o governo que está a dar cobertura legal a práticas homeopáticas. Basicamente, criticou um governo que tanto dinheiro corta na investigação e ciência e se preparar para subsidiar bruxos e cartomantes (não sei como descrever homeopatas de outra forma).
      A partir do momento que Paulo Varela Gomes entra neste debate com estes objectivos merece ser tratado como qualquer outro interveniente. Podia ser ele, podia ser o papa, podia ser um nobel da medicina.

      PS A ideia de dar voz aos dois lados da contenda faz todo o sentido. Faz sentido a respeito de alterações climáticas, faz sentido a respeito de sair do euro ou não, faz sentido a respeito de muita coisa. Quando falamos de vacinação e de homeopatia, simplesmente não há dois lados.

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    4. Aliás, vale a pena transcrever partes do primeiro parágrafo do artigo de Varela Gomes: "o seu ataque à homeopatia (...) demonstra uma ignorância inacreditável porque a homeopatia começa a ser levada a sério pela medicina convencional em todo o mundo e há protocolos homeopáticos em uso e experimentação pelos mais rígidos e incrédulos cientistas das mais perfiladas instituições académicas e hospitalares."
      Nuno Amaral, mas isto não é um relato pessoal e pungente. Isto é um texto de defesa criminosa e mentirosa da homeopatia.

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