Hoje, temos o Diário de Notícias a dedicar duas páginas à vacinação, dando voz em igualdade de circunstâncias a quem é contra a vacinação.** Chega a pôr o presidente de uma associação de vendedores de banha da cobra lado a lado com um prestigiado pediatra.
Desta vez não concordo contigo. Concedo que a homeopatia não é científica nem positivista. Mas quem, como Paulo Varela Gomes, escreve as crónicas belíssimas (ainda não lhe li os romances) publicadas no Ouro e Cinza, é um Homeo com H grande e não me parece assim muito parvo. Mesmo o texto a que atribuis parvoíce é um relato pessoal, bastante sincero e pungente. Na altura desse debate, um amigo, professor de medicina, cientista, investigador, com décadas de experiência em países africanos, confessou que muitas vezes, no terreno, onde não há laboratórios, o conhecimento tradicional e até algum desenrascanço podem ser vitais para salvar ou tratar. E asseguro-te que não estou a falar de nenhum parvo. Para além disso, o texto do Varela Gomes não me parece fazer nenhuma apologia da banha da cobra, mas tão só rebater, através do relato pessoal, a ferocidade do Carlos Fiolhais.
ResponderEliminarDito isto, eu também sou mais positivista. Por isso tenho as minhas reservas quanto à cientificidade de disciplinas não laboratoriais, como a minha Sociologia ou a vossa Economia. :-)
Caro Nuno,
EliminarSem querer "roubar" a eventual resposta do LA-C, não me parece que esteja a ver a coisa bem. O problema não é um indíviduo acreditar na homeopatia, da mesma forma que pode acreditar no "Prof." Bambo para resolver a sua vida amorosa. O problema é existir um "movimento" - mais ou menos organizado - e de cariz internacional que pretende dar à homeopatia o mesmo estatuto que a medicina convencional, quando esta não o tem nem o pode ter.
Quando o Estado vem e intervém num sector que deve permanecer na esfera da crença pessoal (em termos quasi- ou para-religiosos, se quiser) e o regulamenta, dá voluntaria ou involuntariamente uma chancela de aprovação ou reconhecimento. Como escreveu o David Marçal, é a mesma coisa que o Estado regulamentar a profissão de Domador de Dragões - pode fazê-lo, mas não é por causa disso que os dragões (e não estou a falar do Fêcêpê) vão passar a existir.
Mas é pior: se no caso da homeopatia o possível dano é pessoal (com excepção das crianças, mas vamos deixar isso de parte), já nas vacinas não. Existe um capacidade de dano significativo ao bem comum, como aliás está já a ocorrer nos Estados Unidos ou na Grã-Bretanha, por via do enfraquecimento ou eliminação do efeito de manada associado à vacinação universal. O que torna as campanhas anti-vacinação um problema de saúde pública da massas, em vez de um problema mais corriqueiro de crenças e crendices mais ou menos pseudo-científicas.
O problema de fundo que o LA-C põe é outro: a comunicação social - e neste caso o Público e o DN - têm o dever de informar o leitor e para tal devem contextualizar devidamente as coisas. Podem perfeitamente fazer reportagens sobre homeopatia e anti-vacinação mas devem afirmar que essas crenças (porque não passam disso) não têm fundamentação científica e têm sido constantemente desacreditadas. Posto de outra forma, devem fazer as reportagens da mesma forma que fariam, e para manter o exemplo, para as capacidades terapêuticas do "Prof." Bambo.
Caros Carlos e Luís
EliminarVamos estabelecer um ponto de partida. Eu não vejo bem muitas coisas, isso é verdade, não seria esta a única. E veja esta bem ou mal, eu não estou muito distante das vossas opiniões.
Na verdade, a minha discordância fundamental com o LA-C foi ter incluído no rol da homeoparvoíce o texto de Paulo Varela Gomes. Mas admito que o meu julgamento esteja enviesado pela minha admiração reverencial pelo autor de Ouro e Cinza.
Não me parece que o texto de PVG fosse uma banca de banha da cobra, mas apenas um relato pessoal tão válido como outro qualquer - e foi nesse âmbito do relato pessoal que referi o meu amigo que exerceu medicina em África, fora das cidades, e que conta como muitas vezes foi a fuga ao protocolo médico que valeu uma cura. Não quis eu, nem o meu amigo, nem sequer me parece que fosse a intenção de PVG, defender a substituição da medicina científica por outras práticas.
Num parêntesis o Carlos deixa as crianças de parte e concordo com essa excepcionalidade. Não me parece que os pais possam decidir sobre questões tão relevantes sobre a vida dos outros, ainda que seus próprios filhos. Se obrigamos as crianças a frequentar a escola, parece-me óbvio que as devemos obrigar a vacinar e tratar-se segundo os conhecimentos convencionais mais adequados - neste caso, a medicina científica.
Sobre as vacinas também estou de acordo, embora mais a custo por duas razões. Primeiro, porque sou personalista, segundo porque morro de medo de agulhas.
Quanto ao discurso mediático, não discordo do dever de informar o leitor - embora exclua dessa obrigação textos como o de Paulo Varela Gomes. Mas acrescento que o Público, o DN, a TSF, etc., têm esse dever para todos os temas. Por exemplo, não me importava que esse equilíbrio que procuraram neste caso fosse conseguido sobre o tema das alterações climáticas, onde nunca há contraditório contra o tremendismo al-gorista - apesar do debate científico não estar absolutamente encerrado.
Por isso acrescentei que no fim das contas, na ciência sou tendencialmente positivista. Mas como sou também sociólogo, é como dormir todas as noites com o meu próprio inimigo.
A Carta Aberta de Paulo Varela Gomes não é um mero relato pessoal e pungente. É um artigo escrito para contestar a posição defendida por Carlos Fiolhais no artigo "Ciência Diluída". Nesse artigo, Carlos Fiolhais ataca o governo que está a dar cobertura legal a práticas homeopáticas. Basicamente, criticou um governo que tanto dinheiro corta na investigação e ciência e se preparar para subsidiar bruxos e cartomantes (não sei como descrever homeopatas de outra forma).
EliminarA partir do momento que Paulo Varela Gomes entra neste debate com estes objectivos merece ser tratado como qualquer outro interveniente. Podia ser ele, podia ser o papa, podia ser um nobel da medicina.
PS A ideia de dar voz aos dois lados da contenda faz todo o sentido. Faz sentido a respeito de alterações climáticas, faz sentido a respeito de sair do euro ou não, faz sentido a respeito de muita coisa. Quando falamos de vacinação e de homeopatia, simplesmente não há dois lados.
Aliás, vale a pena transcrever partes do primeiro parágrafo do artigo de Varela Gomes: "o seu ataque à homeopatia (...) demonstra uma ignorância inacreditável porque a homeopatia começa a ser levada a sério pela medicina convencional em todo o mundo e há protocolos homeopáticos em uso e experimentação pelos mais rígidos e incrédulos cientistas das mais perfiladas instituições académicas e hospitalares."
EliminarNuno Amaral, mas isto não é um relato pessoal e pungente. Isto é um texto de defesa criminosa e mentirosa da homeopatia.