sábado, 28 de março de 2015

A tratar da minha reforma

Pode parecer estranho, mas já ando a pensar na minha reforma desde os 15 anos. Foi por pensar na minha reforma que eu decidi ir estudar economia em vez de estudar inglês, que era realmente a coisa que me obcecava completamente. Eu andava sempre com um dicionário de inglês atrás e lia-o só porque sim. Mas reparei que havia muita gente que estudava inglês e não tinha emprego, então eu não quis ser desempregada. Eu amo o inglês, mas amo mais ter um emprego. Então ter um emprego onde eu uso inglês é ouro sobre azul. E não é que realmente aconteceu?

A minha fixação com a reforma deve ter qualquer coisa a ver com a minha avó materna, que vivia connosco. Quando eu nasci, ela é que tomou conta de mim durante os meus primeiros oito anos. A minha mãe sofria de depressão, o meu pai e a minha avó não se davam muito bem, então lá em casa aquilo era uma completa novela. Mas quando eu estava só com a minha avó, eu era muito feliz, as coisas eram calmas e previsíveis e extremamente educativas. Eu comecei a pensar que esta coisa de ser mãe era uma grande chatice porque eu notava que a minha mãe não era muito feliz, já a de ser avó era muito melhor.

A minha avó era reformada, logo parecia-me muito bem ser reformada, ir ao pinhal colher míscaros, andar pela rua e apanhar espargos silvestres para fazer omeletes e agrião aquático para fazer salada, dar gemada de ovos super-frescos e ainda mornos à Rita, fazer-lhe sopas fervidas... E depois a minha avó deu-me uma quinta: era um pedacinho de terra, com menos de meio metro de comprimento e talvez 30 cm de largura e na minha quinta eu plantava as sementes de salsa e alface que ela me dava. E eu, que não sou uma pessoa ingrata, dizia à minha avó que se ela quisesse mais sementes, podia depois colher da minha quinta quando chegasse à altura.

Claro que, quando precisavam de salsa da minha quinta, tinham de pedir a minha autorização porque eu não era parva. Era uma miúda muito calada, mas parva eu não era, apesar de o meu avô paterno costumar dizer "Esta criança é estúpida!" por eu não demonstrar grande personalidade. O mais giro é que depois de eu me tornar adulta, o meu tio disse que eu sou exactamente como a minha avó paterna, ou seja, a mulher com quem o meu avô se casou. E fisicamente, eu sou a "cara chapada" dela, como me disseram no outro dia quando eu mostrei uma foto dela. Extraordinário, não?

Mas como eu dizia, esta coisa de ser reformada já me interessa há mais de duas décadas. A primeira vez que eu vim aos EUA, passei pelo aeroporto de Cincinatti, no Ohio. Era Agosto e havia muita luz dentro do aeroporto e o aeroporto estava cheio de pessoas reformadas a conduzir carrinhos e muitas delas eram mulheres. E lá andavam todas felizes, com sorrisos enormes, e eu senti que a qualquer momento, o Rod Serling iria entrar em acção e dizer "You've just now crossed over into The Twilight Zone!" Mas não, era a normalidade americana. Os reformados fazem voluntariado para não morrerem tão depressa. "The number one killer is retirement!" é uma coisa que se ouve por aqui frequentemente.

Hoje em dia, os reformados americanos têm uma vida super-interessante: têm empregos part-time e/ou fazem voluntariado, jogam golfe, e têm sexo--muito sexo! As doenças sexualmente transmissíveis estão a subir nessa faixa etária. A comunidade com maior crescimento demográfico nos EUA é uma pequena cidade de cidadãos sénior na Florida, chamada The Villages. Quando eu vou a um museu, é reformados contentes por todo o lado. Quando se pede informações no aeroporto, o balcão de boas vindas tem uns reformados simpáticos. Nas universidades, os voluntários reformados vão buscar os estudantes internacionais ao aeroporto, ou levam-nos para casa durante um fim-de-semana. O meu grupo de conversação de francês em Fayetteville, no Arkansas, era quase todo de reformados. Havia uma senhora com mais de 80 anos, cujos pais eram franceses e tinham imigrado para os EUA--imaginem que o pai dela quase morreu com a gripe espanhola (1918)--, outros mais jovens, mas que tinham sido voluntários do Peace Corp em África, etc.

Em Portugal, os nossos reformados não têm vidas tão interessantes. Mas criar oportunidades para eles fazerem voluntariado é mau porque o país está pobre e não há dinheiro para dar emprego a desempregados, logo por que razão se iria criar oportunidades para os reformados se distraírem e contribuírem para a sociedade? É uma lógica daquela que é multiplicativa, à la Ministra das Finanças, porque estando eles em casa também não se arranja dinheiro para dar emprego a desempregados. Temos é que arranjar dinheiro para pagar as contas do médico dos reformados porque uma pessoa só e deprimida acaba por adoecer mais frequentemente--e também morre mais depressa, talvez seja esse o objectivo.

Olhem, tirem daí o cavalinho porque eu vou gastar o dinheiro da minha poupança-reforma em Portugal. Vocês têm um pouco mais de 20 anos para tratar de me arranjar uma vida à americana, com muito voluntariado e sexo. O golfe dispenso porque eu não sou uma pessoa muito exigente.

6 comentários:

  1. Li e fiquei encantada. Uma verdadeira delícia :)

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  2. É, realmente, encantador este seu texto, Rita. Chamei-lhe texto mas deveria chamar-lhe ... divertimento, se não lhe parece mal.

    Há muitos reformados norte-americanos ocupados em trabalhos de voluntariado, mas, se me permite, acrescento que também há muitos idosos nos EUA que continuam a trabalhar porque ou as pensões são demasiado magras ou porque foram obrigados a voltar ao trabalho quando as suas pensões se esfumaram com a falência, total ou parcial, dos fundos que as suportavam. Não concorda?

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    1. Obrigada! Sim, é verdade. Há muitas pessoas com idade avançada que têm baixos rendimentos, especialmente nas grandes cidades. É pena porque há muitos sítios nos EUA onde poderiam ter melhor qualidade de vida com a mesma quantidade de dinheiro. Acho que o governo americano poderia fazer muito mais do que o que faz (e faz muito pouco), especialmente no sentido de ajudar a mudar as pessoas para sítios onde podem viver melhor com menos.

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  3. Por acaso, na minha família, a maioria dos reformados faz voluntariado. Uma coisa muito recente, aliás (a reforma destes de agora também).

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    1. Acho que é muito bom não só para eles, como para a sociedade. É uma crueldade arrumar as pessoas de certa idade para o lado. E acho também uma grande estupidez.

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