sexta-feira, 20 de março de 2015

Nós é que não somos parvos!

Depois de ler o post do Zé Carlos, não mais pude ignorar o argumento de Helena Matos. Eu li a peça de opinião dela e senti uma profunda decepção; na verdade, senti verdadeiro asco por ela defender a existência de uma lista VIP no reino a Autoridade Tributária (AT), que é como quem diz o reino do Big Brother português.

Quase todo os dias somos assediados pelas Finanças para voluntariamente lhes darmos mais informações, como por exemplo, para darmos o nosso número de contribuinte nas compras que fazemos. Este assédio é feito nos meios de comunicação social, mas também é feito através do nosso email--uma coisa privada. A AT gasta dinheiro a tentar convencer-nos que lhes devemos dar mais informação e depois não têm a mesma preocupação em gastar dinheiro para proteger a nossa informação. E ainda chegamos ao cúmulo de as violações de privacidade se darem no seio da AT, i.e., a falha é interna, não foi um hacker que decidiu aceder à informação. Ah, e que dizer da solução encontrada? A tal lista VIP... O que são exactamente os VIP em Portugal? Ultimamente, dá-me ideia que VIP quer dizer Very Incompetent Person.

Há vários problemas de raciocínio com o comportamento da AT:

  • A falha é interna! Isto só por si revela-nos que a AT não se preocupa com a ética das pessoas que emprega. Esta falha não tem justificação possível porque salvaguardar a privacidade de qualquer cidadão é um requisito para se trabalhar na AT.
  • A criação de uma lista VIP é uma solução medíocre e viola ela própria as leis de Portugal. Ao se criar uma lista VIP presume-se que a privacidade dos VIP é mais digna de protecção do que outros, ora isto não é verdade de acordo com a lei portuguesa.
  • Justifica-se a criação de uma lista VIP porque estas pessoas podem ser alvo de maior interesse. Pois podem e devem ser alvo de maior interesse--é por isso que a lei portuguesa obriga a que quem vai trabalhar para o estado tenha o seu salário publicado no Diário da República, logo à partida há a indicação que este pessoal não tem a expectativa de privacidade que teria um empregado do sector privado. Na minha opinião, os VIP deveriam ter se fazer público o seu formulário de impostos.
  • Será que eu sonhei ou temos nós em prisão preventiva um ex-Primeiro Ministro sob suspeita de ter cometido fraude fiscal?
  • Será que eu sonhei ou temos nós em exercício de funções um Primeiro Ministro que admitiu que esteve em falta nas suas responsabilidades fiscais?
Já se demitiram duas pessoas da AT por causa deste incidente, mas isso é para deitar areia para os nossos olhos. Desculpem, mas comigo não pega. Eu estou à espera que o Primeiro Ministro ou a Ministra das Finanças venha a público e peça desculpa pela falta de profissionalismo da AT e garanta aos portugueses que não há desculpa possível para esta situação e que irá ser remediada o mais depressa possível. E depois quero um responsável da AT que saiba alguma coisinha de estatística e computadores e que implemente um processo semelhante ao seguinte:
  • Treino anual de ética dos funcionários da AT, no fim do qual têm de fazer um pequeno exame para obter uma certificação de que compreendem as regras básicas de comportamento dentro da agência.
  • Ter um código de conduta para os empregados da AT onde se identifica claramente as consequências de não observar esse código. Ser despedido, ter o salário congelado durante um certo número de anos, etc. devem ser opções.
  • Cada empregado da AT deve ter um acesso único ao sistema, mas o ideal será dar acesso à informação fiscal dos contribuintes apenas a quem precise dela para efectuar o seu trabalho.
  • Construção de uma base de dados onde se guarda toda a informação de acesso.
  • Cálculo de estatísticas de acesso dos empregados--será que alguns acedem demais ou acedem informação que não faz sentido para as suas funções?
  • Regularmente, seleccionar aleatoriamente o histórico de acesso de uma amostra de empregados para ver se há irregularidades.
  • Todos os empregados da AT devem ter a clara noção de que o seu acesso à informação está a ser escrutinado e podem ter de justificar a sua actividade perante os seus superiores.
Isto é o mínimo que se deve exigir a quem é pago com o dinheiro de contribuintes que estão a ser massacrados com uma carga fiscal absurda!

5 comentários:

  1. Rita:
    Na altura da ´bronca» com a licenciatura instantânea do Miguel Relvas, a Helena Matos defendeu, com um rol de argumentos, que o caso não era grave, nem sequer irregular.
    Grave tinha sido a licenciatura ao Domingo do Sócrates.
    Para mim os dois casos são rigorosamente iguais na essência, no que nos interessa: a estatura ética dos dois figurões.
    Os pormenores, se foi com copianço, favores, ao Sábado ou ao Domingo ou até sem ir às aulas de pouco interessa.
    Mas para aquela «apparatchik» da Direita ideológica fanática, não!
    Os dois casos foram muito diferentes.
    Portanto, não se decepcione: a senhora Matos é mesmo assim.

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  2. Rita, não me parece que a criação da Lista, a que um funcionário da AT chamou VIP, constitua um erro tão grave como o que diz. Aceito que o sistema de controlo em uso e em fase de aperfeiçoamento, para detectar funcionários/as coscuvilheiros/as pode não ser o melhor, mas funcionando agora on line, permitiu a identificação de uns quantos prevaricadores a quem foram instaurados processos disciplinares, funcionários que os sindicatos do sector se apressaram a defender cegamente, montando uma campanha para afastar os superiores implicados.
    No blogue “4ª república” encontra uma opinião (http://quartarepublica.blogspot.pt/2015/03/a-lista.html ) com a qual concordo, muito diferente da sua, que, indirectamente, ajuda a causa de sindicalistas pouco escrupulosos.
    Saiba que pelo menos um dos sindicatos do sector teve um comportamento diferente, admitindo que o caso poderá não ter implicações políticas.

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  3. Que bom que há pessoas com opinião diferente da minha. Acho bem. Viva a democracia! Mas continuo na minha porque isto ilustra mais uma vez o relativismo moral que degrada a nossa República. Há aqui uma filosofia de estar na função pública que é contrária ao bom funcionamento da mesma. A preocupação da chefia da AT não foi parar o comportamento prevaricador e proteger todos os cidadãos; foi antes de tudo, usar os recursos da agência num país endividado até ao pescoço para defender potênciais vítimas que são considerados muito importantes para o país. E ainda me diz que quem foi apanhado foi castigado--a sério? Uma solução pontual para um problema que o próprio director da AT considera sistémico dentro da agência? Desculpem, mas isto não é aceitável--isto é medíocre. Não é para isto que eu pago impostos.

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    1. A minha opinião não ajuda os sindicalistas. Pessoas incompetententes deveriam ser dispensadas sa função pública. Isso é ajudar os sindicalistas? Que coisa mais absurda! Relativismo moral. Estamos multiplicados, como diz a nossa Ministra das Finanças...


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    2. Rita, também gosto que outros pensem diferente de mim e que possam, livremente, expressar as suas opiniões, como eu estou aqui a fazer.
      Antes do mais, saiba que não trabalho na AT nem tenho familiares ali empregados.
      Quanto à questão em si, e não sabendo se leu o post da 4ª República devo dizer-lhe que, para mim, o "sistema" de controlo em causa apenas pretendia combater o voyeurismo, ou seja, parar com o comportamento prevaricador de alguns funcionários/as, defendendo, assim, o interesse de todos nós, ilustres desconhecidos, contra essa prática indecorosa. No meu entender a tal lista não passava de um "filtro" para detectar quem, num dado momento, espiava quem, podendo-se a seguir construir outros filtros do género: autarcas do Distrito de Lisboa, empregados da AT colocados no Distrito do Porto, etc.
      Um "sistema" destes parece-me mais eficaz do que o que a Rita propõe, ou seja por sorteio de uns quantos contribuintes, parecendo-me bem que tenham começado por pessoas que despertam mais curiosidade na opinião pública.
      Não podemos esquecer que os responsáveis da AT idealizaram aquela forma de controlo por que estavam a ser confrontados com muitas queixas, inclusive na comunicação social, de quebras do sigilo Fiscal, por parte dos funcionários do Fisco.
      Acabei de ouvir um representante do PS a dizer que vão mandar a lista VIP para a Procuradoria da República para ali averiguarem se houve crime. Perante isto só me apetece dizer que parece que está tudo "grosso" ou, então, que parece que Portugal não tem problemas graves para resolver, podendo-se dar ao luxo de andar a discutir, não pintelhos, como disse o Catroga, mas assuntos mais que laterais, apropriados para uma discussão de café, entre amigos bem-dispostos.
      Não foi a Rita que disse que os funcionários prevaricadores deveriam ser severamente castigados, ao contrário do que defendem os sindicalistas do Sector? Assim sendo, estas discussões são autêntica música celestial para os esses sindicalistas passa-culpas.
      Bom fim de semana!

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