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Às vezes, as pessoas tentam explicar-me que o mercado é mau. É um estupor este mercado, trata mal as pessoas, não tem pena de ninguém, e tem uma grande predilecção por fazer mal a Portugal. Eu que sou economista sirvo o malandro do mercado. Tudo de mau que o mercado tem, nós economistas também temos. É uma visão um bocado pessimista das pessoas...
Eu gosto do mercado, especialmente do mercado D. Pedro V em Coimbra, onde as senhoras vão vender a fruta e os legumes que produzem. É um mercado que funciona bem, talvez por ser dominado por mulheres--vá lá, não se irritem, isto é uma pequena provocação porque os portugueses precisam de se rir e sorrir. Ultimamente, quando passo por esse mercado fico um bocado triste porque não se vê quase ninguém da minha idade ou mais jovem. Muitas pessoas não gostam destes mercados dos quais eu gosto; gostam dos supermercados e dos hipermercados, que eu acho um bocado estéreis e pouco interessantes. Mas entendo porque gostam dos "mercados" modernos, pois permitem que se compre uma variedade maior de coisas na mesma viagem, logo são muito convenientes.
Só para verem o quanto eu gosto destes mercados dos agricultores, vou dizer-vos que o meu cão Alfred ia comigo ao Farmers' Market em Fayetteville, no AR, todos os Sábados de manhã. Então se eu mencionasse "Farmers' Market", o Alfred imediatamente ia para a porta de acesso à garagem pôr-se a postos para ir às compras. Era um mercado numa praça da cidade e os cães eram bem-vindos. Depois disso, ainda não encontrei outro Farmers' Market onde eu pudesse levar os meus cães.
Em economia, nós dizemos que os preços são a forma como a informação circula no mercado. Quando se acompanha um mercado estamos essencialmente a acompanhar o preço actual e depois usamos informação fundamental do mercado (acerca de quantidades produzidas, procuradas, armazenadas, etc.) para vermos se o preço reflecte essa informação e para formarmos expectativas de preços futuros. Ora se os preços são a forma como produtores e consumidores comunicam, é importante haver uma forma de todos terem acesso a essa informação para que haja realmente a formação de um mercado. Notem que para haver um mercado, tem de haver uma intersecção da oferta e da procura; se estas duas nunca se intersectam, nunca há uma transacção, e nunca há um mercado.
A informação não é grátis, há um custo associado ao processo de descoberta do preço, mas os benefícios dessa informação são dispersos por todos--isto é uma situação de externalidades positivas. Nem sempre o benefício pessoal excede o custo de descoberta. Por exemplo, quando vos chega a publicidade de um hipermercado a casa, quem paga o custo de vos informar é a loja, mas cada um de vós beneficia dessa informação e pode assim fazer escolhas mais educadas. Já no caso do Mercado D. Pedro V, em Coimbra, como o preço é determinado no local, quem suporta o custo de descoberta do preço é quem vai ao mercado, mas há consumidores que vão ao mercado e não compram nada, logo tiveram o custo mas não tiveram um benefício que excedesse o custo. Agora podem dizer-me que talvez a pessoa achasse que o preço estava demasiado caro e não conseguiu regatear, logo era preferível ir à loja da esquina ao pé de casa. Sim, mas ir à loja da esquina também tem um custo de deslocação e de descoberta de preço.
No mercado de commodities agrícolas, o processo de descoberta de preço é extremamente importante e em muitos países o processo é facilitado pelos governos ou por associações de produtores. Há produtos que têm mais informação do que outros por causa do tamanho e importância do mercado. Por exemplo, eu contei-vos no outro dia que encontrei informação acerca dos preços de mandioca numa página de Internet tailandesa. É a página da Thai Tapioca Starch Association. O amido de mandioca tailandês é o melhor do mundo, logo os produtores de lá organizaram-se e formaram um mercado de futuros, e disponibilizam informação acerca de produção, preço de futuros, preço spot, etc. ao mercado mundial .
Para a formação da expectativa de preços não é apenas importante o preço actual; também se deve ter em atenção a história dos preços, pois pode haver sazonalidade (efeito de coisas como época do ano, feriados, etc.) e efeitos lag (isto é atraso no efeito que uma variável tem na outra). Por exemplo, a produção de gado nos EUA ainda não recuperou totalmente da seca que houve em 2012. Nessa altura, abateram-se muitos animais, inclusive vacas reprodutoras; como demora pelo menos dois anos a reconstruir o rebanho reprodutor, o número de animais produzidos para abater ainda hoje sofre efeitos desse evento. Quer isto dizer que para entender o efeito de uma seca no preço da carne que se vende no supermercado, por exemplo, é importante ter acesso a vários anos de dados para se fazer a análise. O ideal seria ter uma série de dados suficientemente longa para que houvesse mais do que uma seca representada.
Recolher e manter todos estes dados custa dinheiro e esforço, especialmente para um produtor individual que pode ou não ter um benefício que excede o custo de tanto esforço. Mas se houver uma forma de centralizar o custo de obter a informação e disseminá-la prontamente por muitos produtores, então divide-se o custo por muitos e é muito mais provável que o benefício de ter acesso a essa informação exceda essa fracção do custo. É esta a lógica pela qual a USDA (United States Department of Agriculture) despende tanto esforço e dinheiro a recolher e a disponibilizar tantos dados agrícolas (ver Quickstats ou PSD online), não só para os EUA, mas também para alguns países que são importantes competidores dos produtores americanos. Mas não são só os americanos que fazem isto, pois a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) no Brasil, o Ministério de Agricultura, Gado e Pesca na Argentina, a Associação de Produtores de Tapioca da Tailândia, etc. também reconhecem que esta informação é importante para os produtores planearem a sua actividade e terem uma vantagem no mercado mundial. Ter acesso a dados que podem ser facilmente manipulados e analisados é muito importante.
Há um blogue dos produtores de leite portugueses no Wordpress que usa dados recolhidos pelo Observatório do Mercado de Leite da Comissão Europeia. A Comissão Europeia publicou o último relatório dos preços do leite em 5/3/2015 e comparando-o com o americano ficamos a saber o seguinte:
- O relatório da UE está completo até final de Janeiro e o mês de Fevereiro está incompleto, i.e. não há dados para todos os países; o relatório da USDA tem dados completos até 2/27/2015.
- O relatório da UE é mensal e tem dados mensais; o relatório da USDA é semanal e tem dados diários, semanais, e mensais.
- O relatório da UE refere-se a preços nacionais; o relatório da USDA refere-se a preços em zonas dos EUA.
- A UE tem um relatório diferente para os lacticínios e nesse há uma tabela semanal de preços, logo é um relatório semanal; a USDA tem leite e lacticínios no mesmo relatório semanal.
- A UE não formata os documentos em texto, usando imagens para ilustrar alguns dos dados; a USDA formata o documento em texto de forma a que os utilizadores possam usar macros para automaticamente recolher os dados e guardá-los em bases de dados, i.e., não há imagens, é tudo texto.
A UE está sempre muito ocupada a emitir diretivas e regulamentos, sempre com uma forte componente punitiva. A decadência, pois, parece estar no horizonte!
ResponderEliminarO problema do cientismo dos mercados e da hipercomunicação é levar cada vez mais pessoas a tomar decisões no mesmo sentido. Isso é um factor de agravamento da volatilidade dos preços e fez com que se tenha tornado mais compensador viver dessas variações do que propriamente de produzir.
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