terça-feira, 10 de março de 2015

A vida é bela...

Não sei se repararam no meu post sobre a nossa triste sina, que o Manuel Cabral disse que eu não tinha sido muito exacta por supor que as mulheres apenas tentariam engravidar num mês, e ele tem razão: não é de todo um pressuposto razoável, pois quem quer engravidar tenta mais do que um mês. Há uma razão por eu não ter feito inferências sobre uma mulher em particular. Mas primeiro vou-vos explicar a razão de ser da lógica do Manuel.

Depois de se ter sexo desprotegido, estar ou não estar grávida é uma variável binomial. Binomial, como o prefixo "bi" da palavra indica, quer dizer que a variável pode tomar um de apenas dois valores possíveis: ou está grávida ou não está, não há mais nenhuma possibilidade. Há uma distribuição probabilística para as variáveis binomiais, que é a distribuição binomial. Uma distribuição probabilística é como se fosse uma regra de comportamento para as variáveis aleatórias (uma coisa aleatória é uma coisa incerta). Se nós sabemos como essas variáveis se comportam, então podemos fazer certas previsões. E foi isso exactamente que o Manuel fez. Se uma variável binomial segue a distribuição binomial, então podemos fazer certas previsões. Os cálculos que ele apresentou foram para uma mulher de 37 anos. Presumindo que ela tem uma probabilidade de engravidar de 10% num mês, então a probabilidade de ela engravidar ao fim de seis ciclos pode ser calculada como sendo um menos a probabilidade de não engravidar, i.e.,

P(engravidar) = 1 - (1 - 0.1) x (1-0.1) x (1-0.1) x (1-0.1) x (1-0.1) x (1-0.1) = 1 - 0.53 = 0.47,
próximo de 50% como diz o Manuel.

Um dos pressupostos da distribuição binomial é a independência dos resultados dos eventos. No nosso caso, isto quer dizer que uma mulher engravidar num mês é completamente independente de ela engravidar noutro mês. E aqui é que eu acho que encontramos um problema de insuficiência de informação e eu e o Manuel divergimos de opinião. Foi por isso eu fiz inferência acerca de 10 mulheres diferentes (eu devia ter dito que elas tinham sido seleccionadas aleatoriamente da população) porque essas são todas independentes umas das outras (OK, podiam algumas ser irmãs gémeas, o que violaria o meu pressuposto de independência). Não sabendo nós nada acerca da saúde de uma mulher em particular, corremos o risco de violar o pressuposto da independência e a confiança que temos nas previsões é fortemente reduzida, logo a probabilidade de ela engravidar ao fim de um certo número de meses pode ser muito inferior à sugerida pela distribuição binomial.

No entanto, os cálculos que o Manuel fez são usados pelos médicos para identificar suspeitas de algo estar errado. Quando uma mulher quer engravidar e vai ao médico, é recomendado que ela tente durante três meses; se ao fim de três meses ela não engravidar, os médicos recomendam que se façam certos testes para ver se tudo está bem. O pressuposto é que se tudo está bem com ela, engravidar num mês é independente de engravidar no outro e podemos usar a distribuição binomial como guia, que nos indica que, cada mês que ela tenta, aumenta a probabilidade de ela engravidar. Se ao fim de três meses ela não engravida, levanta-se a suspeita de que há algo de mês para mês que pode estar a afectar a probabilidade de ela engravidar, isto é, o pressuposto da independência está a ser violado.

P.S. Isto foi uma boa desculpa para falar sobre probabilidades e "sexo" ao mesmo tempo--a vida é bela!

2 comentários:

  1. Cara Rita
    Eu apenas chamava à atenção para que o próprio site que referias no primeiro artigo, que usavas para fundamentar a ideia de que a probabilidade de uma mulher de 37 anos engravidar era 10% http://www.countdowntopregnancy.com/tools/age_fertility_calculator.php
    ter logo duas linhas abaixo um calculo para a probabilidade ao fim de dois meses, três meses, seis, um ano, etc, com probabilidades que pareciam muito mais realistas do que os 10%. Penso que este site usa de facto uma binomial para calcular a probabilidade ao fim de dois, três, quatro... ciclos. Mas é o site que citavas, pelos vistos não muito rigoroso.
    Acrescento apenas, que deve ser por isso que difere de números referidos noutros sites, que eventualmente usam amostras diferentes, e que não apresentam mês a mês, mas apenas a probabilidade de ao longo de um ano engravidar ou não.
    Usando diferentes métodos obtêm diferentes resultados, mas nenhum perto dos 10%. Não encontrei nenhum site que referisse uma probabilidade inferior a 60%, para um prazo razoável.
    Acho que a questão de a probabilidade de engravidar diminuir com a idade é uma questão muito séria e muito pouco discutida ou interiorizada nas decisões de vidas das pessoas em Portugal. Muitas pessoas que querem ter filhos não conseguem ter condições para os ter nas idades mais adequadas. Mas muitas outras pessoas, tendo condições materiais, adiam ter projectos de relações estáveis, ou mesmo estando em relações estáveis, vão adiando o projecto de ter filhos, por razões várias, sem pensarem muito no assunto, esquecendo que quando decidirem tentar podem não conseguir, e podem estar a tentar apanhar um comboio que já passou.
    Penso que referir esses riscos é importante.
    Mas com base numa discussão realista, e não alarmista.
    Um risco de 25% ou 30% de probabilidade de não conseguir ter filhos devia colocar as pessoas a pensar, sobre as opções e o tempo para fazer cada coisa na sua vida.
    Escrevo aqui sem qualquer moralismo. Fui pai pela primeira vez aos 43. Não tenho moral nenhuma para dar lições às pessoas.
    Mas, no meu contacto com pessoas de vários países, senti que em alguns havia mais a consciência de ter milestones no caminho da vida, sobre onde se queria chegar, profissionalmente, e em objectivos pessoais, do que sinto em alguns portugueses.
    Acho que há em muitas pessoas uma confusão, entre uma ideia do passado, da mãe a pressionar a filha para se casar aos 25, para não ficar para tia, e uma ideia confusa de modernidade e independência, como se ser modernos e independentes, não fosse isso mesmo: ter liberdade de fazer escolhas.
    E a escolha pode ser não ter filhos. É uma decisão perfeitamente razoável. Mas eu diria que em muito mais de metade dos casos que conheço, em que isso aconteceu, não houve uma decisão. Isso aconteceu por não decisões, que conduziram a um beco sem saída e a uma inevitabilidade. Não há aqui qualquer julgamento. Mas penso que há espaço para dizer que se deve promover que as pessoas pensem mais sobre este assunto mais cedo.

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