segunda-feira, 23 de março de 2015

Puxaram-nos o tapete...

Quando vejo notícias sobre artesanato, fico logo em pulgas. Quer dizer, muitas vezes fico triste porque vejo que as oportunidades são desperdiçadas. Como nesta notícia do Público sobre os tapetes de Arraiolos. Diz assim:
Em 2001, a Assembleia da República aprovou por unanimidade a criação do Centro para a Promoção e Valorização do Tapete de Arraiolos, que iria estabelecer critérios para a definição do autêntico tapete. Criou-se um grupo de trabalho e a proposta de estatutos do centro chegou em 2006 ao gabinete do então secretário de Estado do Emprego e da Formação Profissional, Fernando Medina, actual vice-presidente da Câmara de Lisboa.

Nos termos da proposta, a autarquia deveria ceder o espaço para a instalação do centro e caberia ao Estado o financiamento da maioria das despesas correntes, naquele ano estimadas em 96 mil euros. Desde então o processo andou por vários ministérios: Cultura, Economia e Finanças. Actualmente, segundo o ministério da Economia, o dossiê está na gaveta do secretário de Estado do Emprego, Octávio de Oliveira.

Questiono-me o que é que os tapetes de Arraiolos têm a ver com o Ministério das Finanças. Eu não sei, nem faço ideia de como lá foram parar. Agora estão no Ministério da Economia; acho melhor, mas não estou a ver como é que o Secretário de Estado do Emprego é a pessoa indicada para tratar disto. Dá ideia que quem gere o país não tem noção nenhuma das coisas que tem, nem de como as gerir e, por isso, as coisas entram num vórtice de burocracia e nunca mais de lá saem. O resultado é que perdemos oportunidades, dinheiro, e prestígio. Os tapetes de Arraiolos são das coisas mais conhecidas que temos em artesanato, não é uma coisa obscura, logo não entendo como é que não há ninguém com meio cérebro que não consiga tratar disto prontamente e com resultados visíveis.

Na história conta-se que há cerca de 15 anos houve alguém que foi a Arraiolos, arranjou uns tapetes, levou-os para a China, e agora há cópias dos tapetes à venda e as pessoas compram gato por lebre. É preciso ter vergonha que as coisas tenham chegado a este ponto e nada tenha sido feito. Parecemos elefantes numa loja de porcelana: partimos tudo de valor em nosso redor.

3 comentários:

  1. Rita,

    O busilis desta questão decorre, penso eu, da dificuldade no estabelecimento de "critérios para a definição do autêntico tapete". Em 2001 os deputados aprovaram por unanimidade a "criação do Centro para a Promoção e Valorização do Tapete de Arraiolos" mas não devem ter pensado, por instantes sequer, nas eventuais impossibilidades de princípio de serem atingidos os objectivos pretendidos. Há geralmente muita demagogia nas resoluções dos deputados tomadas por unanimidade.

    Como é que pode definir-se o que é um verdadeiro tapete de Arraiolos? A Rita sabe? Eu não sei, e os tapetes que tenho cá em casa são Arraiolos feitos em Arraiolos. Pode obstar-se a que aqueles padrões sejam feitos na China ou em outra parte qualquer do mundo? Só se fossem internacionamente garantidos os direitos de autor, não? O certificado de origem só pode garantir a preferência do comprador
    se, de algum modo, um tapete feito em Arraiolos for objectivamente distinto de outro feito em outro país qualquer. A menos que a peferência decorra de um sentimento, portanto subjectivo, que leve o comprador a rejeitar um produto feito fora do seu habitat original. Ora, por múltiplas razões que seria fastidioso analisar neste comentário, nem o comprador português parece importar-se com o "made in China" preferindo o "arraiolos" que seja mais barato. O comprador suíço, por exemplo, prefere pagar mais comprando "made in Switzerland" quer seja uma bicicleta ou um ramo de salsa. Se o comprador português (seja de tapetes de Arraiolos seja de um ramo de coentros, por exemplo) preferisse ajudar-se ajudando os produtores próximos, a situação actual poderia inverter-se. Pode remover-se aquele "se"?


    Aproveito para lhe sugerir a leitura de um artigo publicado hoje no El País, que nada tem a ver com o tapete de Arraiolos mas com a sua carta manuscrita de há dias. Está aqui:
    http://elpais.com/elpais/2015/03/19/eps/1426791877_892059.html

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    1. A distinção não é assim tão descabida. Na Europa há muito exemplos de produtos cuja manufactura é controlada, como o champanhe, vinho do Porto, queijos... E note-se que as grandes marcas francesas e italianas gastam muito dinheiro a promover a integridade das marcas e a combater o contrabando. É um bocado ridículo que as autoridades portuguesas tenham de combater o contrabando da Louis Vuitton, mas não conseguem pensar em maneiras de proteger um produto tradicional português.

      No caso dos tapetes, a solução passa em criar dois universos: o tapete de Arraiolos, que é feito em Arraiolos e tem manufactura com qualidade e critérios controlados, que lhe confere um selo de autenticidade, e o tapete tipo Arraiolos, que indica aos consumidores que não é feito em Arraiolos e não tem selo de autenticidade.

      O problema aqui é que temos um sistema de pensar nas coisas que não é pragmático, nem promove soluções a tempo e horas, promove sim que os problemas se arrastem ad eternum...

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    2. Tem toda a razão Rita.
      O combate à contrafação é permanente. Então um blusão que ostenta uma etiqueta (Lacoste, benetton, etc) é uma marca exclusiva e que não pode ser utilizada, qualé a dificuldade de proceder de forma identica com o apete de Arraiolos? A dimensão da vila e a falta de perspetiva sobre uma realidade local que não devia ser abandonada por quem nos governa.
      Jose Manuel Pinto

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