segunda-feira, 9 de março de 2015

Triste sina a nossa...

Espero que tenham tido um bom Dia da Mulher. Cá em casa eu celebro este dia todos os dias--é uma boa razão para beber um bom copo de vinho à refeição.

Os posts da Sara e do Luís recordaram-me de uma conversa que eu tive com uma amiga no outro dia. Ia eu no carro da minha amiga, que me tinha dado boleia, pois o meu carrito estava na oficina, e ela queixava-se que estava decepcionada com as outras mães das miúdas que faziam parte da trupe de escuteiras da filha. O ponto de contenção era a Amal Clooney. As escuteiras sénior (desculpem, mas eu não sei o termo técnico--estejam à vontade para me corrigir nos comentários), que também eram mães, tinham escolhido uma lista de mulheres que seriam bons exemplos ("role models") para as miúdas para uma das suas actividades, e uma delas insistiu em incluir a Amal Clooney. A Amal Clooney tem um CV muito bom, mas a sua fama não se deve ao seu CV, mas sim ao seu casamento, o que, aos olhos da minha amiga, não a qualificava para bom exemplo.

A meio da conversa, a minha amiga diz-me isto: "There are no fuckable women in corporate America who can be role models for my daughter." E ela prossegue com a explicação do que ela observou durante a sua carreira. Há dois tipos de mulher: (1) competentes, mas não atractivas, muitas vezes morbidamente obesas; e (2) atractivas, mas que "fuck their way to the top", para usar a expressão que ela usou. No meio destes dois extremos fica a terra de quase ninguém, a terra das mulheres esforçadas, que continuam a ser femininas, têm bons casamentos, e não fodem os colegas hierarquicamente superiores. Eu disse-lhe que achava que a batalha, nos termos em que se travava, estava perdida.

O que as mulheres querem não existe, a não ser que a sociedade decida que têm de haver mudanças na forma como se trabalha. É quase impossível uma mulher ter uma carreira de topo, ser mãe, ter um casamento que a satisfaça e ao seu marido, e, ainda por cima, ter uma vida interior satisfatória. Conseguir estas coisas todas ao mesmo tempo não é uma coisa que seja fácil e que possa tornar-se uma regra, basta ver que a maior parte dos homens não as consegue e eles já andam há mais tempo no mercado de trabalho do que elas. E depois quando elas têm uma carreira com mais sucesso do que eles, a probabilidade do casamento sobreviver é muito menor do que o inverso.

Uma das defensoras desta causa é a Sheryl Sandberg. Não gosto nada do que ela diz. Ela não é um exemplo, é um outlier: teve a vantagem de frequentar uma universidade topo de gama--Harvard--e ter o Lawrence Summers como orientador, o que lhe permitiu subir muito mais rapidamente do que o normal e com menos sacrifício pessoal, porque ele abriu-lhe as portas porque já a conhecia e conhecia a sua capacidade profissional. Basta ver o currículo dela para verificar que ela sem o Larry Summers não teria tido aquela carreira. "We all stand on the shoulder of giants" e o gigante dela era particularmente gigante.

Outro exemplo para as mulheres é a CEO da Yahoo, a Marissa Mayer, que, quando foi mãe, mandou construir um berçário ao lado do seu gabinete, isto depois de banir a opção de trabalhar de casa, que os trabalhadores da Yahoo tinham , e que afectava principalmente as mulheres que eram mães de crianças pequenas. Interessante ela não ter construído um berçário no campus da Yahoo para toda a gente, como fez a SAS.

Note-se que Mayer foi mãe pela primeira vez aos 37 anos. Com essa idade, a probabilidade de uma mulher engravidar é de apenas 10%. Quer isto dizer que mesmo tendo sexo na altura fértil, só uma mulher em 10 engravida. À medida que a mulher envelhece, as condições dentro do seu corpo deterioram-se e é mais curto o tempo que um espermatozóide pode sobreviver dentro da mulher até ela ficar fértil e ele conseguir encontrar o óvulo para o fertilizar. E depois também há o problema da qualidade dos óvulos porque os óvulos têm a mesma idade que a da mulher e quanto mais velha ela for, mais velhos eles são, e a sua qualidade deteriora-se. Vocês poderão pensar que não é assim tão mau, que conhecem muitas mulheres que têm filhos mais tarde, mas as mulheres que não têm filhos não andam por aí a anunciar aos quatro ventos que não conseguiram engravidar, logo a vossa percepção sofre de "selection bias"--vocês só observam os sucessos, não observam a maior parte dos falhanços.

Para lidar com este problema das empregadas grávidas, algumas companhias descobriram a pólvora: vão pagar para as suas empregadas congelarem os seus óvulos e não terem de se preocupar com a qualidade destes ou com o problema de engravidar porque será tudo feito artificialmente. Na conversa com a minha amiga, ela disse-me logo: "A minha filha vai ter alguns óvulos congelados." Eu acho esta ideia tão deprimente, que nem sei o que vos diga. Imaginem as conversas do futuro: um homem quer casar com uma mulher e quer construir família e ela diz-lhe: "A propósito, eu tenho os meus óvulos congelados!" Ou uma criança pergunta aos pais de onde veio e eles já não precisam de invocar a história da cegonha, basta dizer-lhe que ela vem da terra do "Frozen", o filme da Disney.

O que é que nos separará dos animais que mantemos cativos para produzir carne? Nesses animais que têm a melhor genética, também toda a reprodução está controlada, é tudo artificial praticamente. Nas camadas mais afluentes da sociedade, em que um casal é composto de duas pessoas com carreiras exigentes, o sexo e a reprodução serão separados. Eu não tenho o hábito de dizer asneiras em português, mas só me apetece dizer "Foda-se, pá, que raio de progresso este!"

E depois isto vai ser uma grande complicação legal e não só. Congelar óvulos não é barato, logo o que acontece à conta quando a mulher sai de uma empresa que pagou para ela congelar os óvulos? Será que a outra empresa para onde ela vai paga? Será que isso não irá limitar a mobilidade de emprego das mulheres? A maior parte do aumento de salário acontece quando se muda de empresa. E dados os custos enormes do programa, será que o salário das mulheres será reduzido porque parte da compensação vai ser em congelamento de óvulos? E se ela fica desempregada? Será que não estamos a condenar as mulheres que querem ser mães a ter de suportar um custo enorme para o fazer porque fazer tudo sem um homem sai muito mais caro, logo parte do custo do crescimento populacional vai cair ainda mais em cima das mulheres que têm uma carreira profissional. E nem se sabe se os óvulos congelados irão produzir um bebé. Isto dá outra cor à expressão "million dollar baby".

Eu não sei, mas isto parece-me tudo uma grande forma de preguiça intelectual e de tentar atirar muito dinheiro ao problema para o resolver. Não seria melhor acomodar o facto de as mulheres terem um tempo limitado para ter filhos e respeitar a nossa natureza humana, em vez de tentar arranjar maneira de a distorcer ou suprimir temporariamente? Houve uma altura em que se trabalhava sete dias por semana, sessenta horas e mais, e a sociedade adaptou-se a trabalhar apenas cinco dias, oito horas por dia, logo já atravessámos desafios semelhantes.

13 comentários:

  1. A Sheryl Sandberg foi orientanda de Larry Summers na licenciatura para aí em 1990. Tenho dificuldades em aceitar que as tuas conclusões decorrram das premissas que apresentaste. É verdade que uns anos depois ela trabalhou para ele na administração Clinton (a partir de 1996). Mas o Summers orientou muita gente, não é verdade? Então alunos de licenciatura terão sido umas dezenas. Por que foi buscar a Sheryl Sandberg? A carreira subsequente dela, para mim, o que mostra é que ele acertou na escolha e não que ele a produziu.

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    1. O primeiro emprego dela foi como assistente de investigação do Larry Summers no Banco Mundial. Depois foi para a McKinsey. Tu não achas que se metes que trabalhaste no Banco Mundial para Larry Summers, as empresas te vão praticamente bater à porta? Ser recrutado pela McKinsey também é uma coisa enorme, porque essas pessoas ficam com uma rede de networking que é muito acima do normal. O percurso dela não é reproduzível. Aquilo foi uma sequência de eventos muito sortudos.

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    2. O que te digo é que há muita gente a querer entrar em Harvard e a maioria não o consegue. Depois, dentro dos que entram em Harvard, há muitos que se querem graduar com honors e não o conseguem. Dos que se graduam com honors com certeza que haverá muitos que querem trabalhar com Larry Summers, e poucos o conseguirão. Finalmente, dos muitos que foram orientados por Summers, apenas um(a) foi escolhida para trabalhar com o Larry Summers (já uns anos depois de ter sido orientada por ele, acrescente-se). Tudo isto o que me indica é que a senhora era de facto muito boa. Eu não renego o papel da sorte, bem pelo contrário, como sabes, mas os dados que dás não permitem tirar a conclusão que referes.
      Tu concluis que ela teve uma carreira brilhante por causa do Summers. Com base nestes dados é igualmente legítimo concluir que ela foi escolhida pelo Summers porque era brilhante.
      Por exemplo, quantos dos actuais juízes do Supreme Court, não se graduaram em Harvard e não foram ajudantes de algum promotor importante ou mesmo de algum juiz do Supreme Court? Isso tira-lhes algum mérito?

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    3. Eu não estou a dizer que ela é apenas uma tipa normal; estou a dizer que no caso dela é muito difícil destrinçar a sorte do mérito e acho mal que ela fale como se o que ela tem fosse facilmente atingível por qualquer mulher brilhante--que é apenas uma questão de vontade. E repara que ela teve um casamento falhado e o segundo marido não é um tipo normal. Uma mulher com este percurso tem um número muito mais limitado de parceiros. E para além disso eles têm criados em casa, não são um agregado familiar normal.

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    4. E eu não acho que haja homens que têm tudo. Eu conheço muitos homens que tiveram uma boa carreira, mas sacrificaram os filhos. E outros que querem ser bons pais e sacrificam a carreira.

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  2. Quando li pela primeira vez essa dos óvulos fui ao Snopes verificar se não era patranha. Pareceu-me uma coisa tão absurda - mesmo para as mentalidades "corporate" - que me recusei a acreditar. Afinal, parece que o que não falta são Alices que passaram para o outro lado do espelho.

    Parece-me que, e corrijam-me se estiver a cometer um crime intelectual, na senda da igualdade entre géneros se atirou ao lado: em vez de se procurar igualdade nos direitos tendo em conta as diferenças (nem que seja as biológicas), procura-se antes uniformizar e transformar as mulheres em homems com vaginas. O que me parece profundamente errado.

    Pegando no caso dos filhos, não me parece que o caminho sejam coisas absurdas como congelar os óvulos. Parece-me, antes, que passa por uniformizar o "playing field" na reprodução. Adoptando medidas como licenças de parentalidade OBRIGATÓRIAS e partilhadas entre os progenitores (com uma divisão máxima do tempo de 40-60%) ou favorecendo em termos fiscais os contribuintes com descendentes e que exerçam activamente a parentalidade.

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  3. Olá
    Apenas sobre as probabilidades.
    O que dizes no texto é verdade, a probabilidade de uma mulher de 37 engravidar é de 10%, mas é importante referir que isso é em cada ciclo (cada mês). Pelo que a frase seguinte que diz "Quer isto dizer que mesmo tendo sexo na altura fértil, só uma mulher em 10 engravida" não é muito rigorosa, pois só é verdadeira se acrescentarmos que essa mulher só vai tenar num único mês.
    Por exemplo a probabilidade de uma mulher de 27 anos engravidar se tiver sexo num único mês é o dobro desta (mas é apenas 20%). Mas a probabilidade de uma mulher de 37 anos engravidar se se mantiver sexualmente activa e sem protecção ao longo de seis meses (seis ciclos) já é próxima de 50% (enquanto que para uma mulher de 27 anos seria de 73%), e se persistir durante um ano é de 73% (93% para uma mulher de 27 anos).
    Isto apenas para dizer que ser mãe pela primeira vez aos 37 não é algo extremamente improvável (não é é muito provável que se consiga no primeiro mês), embora também não seja demasiado recomendável, pois a probabilidade de ter dificuldades em conseguir engravidar em menos de um ano é de 29% (o que compara com 7% para uma pessoa de 27 anos).

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    1. Não é assim tão fácil como tu dizes e estás a interpretar mal as probabilidades. Achas mesmo que engravidar num mês é independente de engravidar no mês seguinte? Eu não acho porque no mês seguinte, tu podes ter o mesmo problema que tinhas no mês anterior e se a mulher ou o homem têm um problema crónico, tu não tens independência de eventos.

      Um óvulo está activo numa mulher num espaço de 24 horas no mês, logo a mulher tem de ter um espermatozóide presente nessas 24 horas. Nenhuma mulher sabe com certeza quais as 24 horas do mês em que o óvulo está disponível. E depois ainda tens outros factores, como por exemplo, para o espermatozóide sobreviver dentro da mulher ela tem de ter certas condições dentro dela em termos de acidez, temperatura, etc. Logo, há mulheres que têm uma química que permite manter os espermatozóides vivos durante algumas horas; há outras que os mantêm vivos durante dias. À medida que a mulher envelhece, estas condições dentro dela deterioram-se. E sabes uma coisa gira? As mulheres precisam de colesterol para produzir hormonas, mas todas as recomendações de saúde são no sentido de se reduzir comidas com colesterol como ovos e carnes vermelhas, que são uma das coisas que realmente ajudam a mulher a ter os nutrientes que ela precisa para ter as reacções químicas necessárias para uma gravidez. E ainda há mais variáveis desconhecidas dentro dela, como a qualidade dos óvulos.

      Também tens de ter em conta o homem. Se um homem tem sexo todos os dias, a qualidade do seu esperma não é tão boa, logo diminui a probabilidade de ele engravidar a companheira. O ideal é ele ter sexo dia sim/dia não, mas isso requer que o espermatozóides dele sobrevivam tempo suficiente dentro dela. Ah, e a propósito, sexo oral reduz a probabilidade de se engravidar porque a saliva contém propriedades desinfectantes. Não mata os espermatozóides todos, mas mata alguns.

      Ou seja, há muitas variáveis constantemente a mover-se e para uma gravidez acontecer é preciso que isto tudo alinhe no espaço e tempo e é muito difícil.

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  4. Rita a ideia que tenho é que as condições de licença de maternidade, licença de amamentação, assistência à família nos EUA são muitos inferiores as dos trabalhadores portugueses. É verdade? À partida seria de esperar que a taxa de natalidade nos EUA fosse mais baixa devido às maiores dificuldades para uma mãe nos EUA do que em pt. Contudo penso que na realidade não se passa assim. Tem alguma ideia quanto a isto?

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    1. Vou escrever um post sobre isso, Rui. Obrigada pela pergunta.

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  5. Olá Rita
    As probabilidades que te estava a indicar foram obtidas do mesmo site que tu citas no texto, quando calculas aparece a probabilidade de engravidar no primeiro ciclo e abaixo surgem as dos ciclos seguintes, se o site for baseado em amostras mais alargadas penso que não seguirá apenas a probabilidade de evento independente repetido. Mas de qualquer forma, confirmei noutros sites que a probabilidade citada para uma mulher de 37 anos engravidar ao longo de um período razoável (6 meses a um ano), em todos os casos era claramente superior aos 10%, estando, dependendo dos sites estava entre os 66% e os 85% (alguns consideravam prazos de dois anos).
    http://www.countdowntopregnancy.com/tools/age_fertility_calculator.php

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    1. Mas eu não disse que uma mulher em 6 meses tinha uma probabilidade de engravidar de 10%, tu é que entendeste isso. Eu inferi sobre um grupo de mulheres todas diferentes. E no comentário, o que eu digo é que para a mesma mulher, em múltiplos meses, tu não podes usar as probabilidades da distribuição binomial à letra porque violas o pressuposto da independência.

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