Há dois dias recebi um e-mail de promoção de artigos eróticos onde constava um espanador. Pensei imediatamente "tenho de falar sobre isto no meu post no Destreza das Dúvidas a propósito do Dia Internacional da Mulher". Sim, eu levo o preenchimento da quota feminina muito a sério e achei que o 8 de Março merecia umas linhas, apesar da Constituição garantir que não há discriminação em função do género. Mas voltando ao espanador. A minha primeira ideia foi a de achar que seria um objecto sado-maso, porque só uma mulher masoquista se submeteria à fantasia que a equipara a uma empregada doméstica. Algo que o chicote da fotografia à direita pareceu confirmar. Mas, depois, pensei que eu é que estava a ser preconceituosa ao assumir automaticamente que o espanador se destinava a ser envergado pela mulher.
A hipótese imediata foi certamente preconceituosa. Mas provavelmente estatisticamente significativa. Afinal, diga o que disser a Constituição, continua a ser preciso escrever sobre este dia (mesmo quando não se está a preencher uma quota). Basta dar um pulo à Pordata para perceber que assim é. Mas eu prefiro citar fontes alternativas. Por exemplo, o Priberam, onde ficamos a saber que há trabalhos próprios de mulher, que, uma vez desempenhados pelo homem, fazem dele maricas. Devem ser os tais que envolvem um espanador...
A este propósito vale a pena reflectir sobre a responsabilidade das mulheres. Daquelas mulheres que gabam os homens que têm em casa, porque eles "ajudam". Quando escolhem o verbo ajudar, estas mulheres estão a assumir que limpar, arrumar, cozinhar, engomar, cuidar das crianças são ónus seus. E que há que elogiar os homens que, lá em casa, depois de sujarem, desarrumarem, comerem e amarrotarem, pegam no espanador e dão uma "ajuda", coisa assim à laia de voluntariado.
No Priberam, podemos aprender, também, que o feminino de homem gastador é mulher dissoluta: muito revelador do que se entende que são os pecados típicos de cada género!...
Interessante é notar que, se o machismo pode significar "modos ou atitudes de macho", já o feminismo não encontra definição análoga para a fêmea.
Mas aqui eu não discordo do Priberam. Pelo contrário, acho que o feminismo pouco tem a ver com modos ou atitudes femininas. Não me interpretem mal: o facto de me insurgir com os "trabalhos próprios de mulher" não significa que ache que homens e mulheres são iguais. Creio que - obviamente generalizando - são diferentes; precisamente, nos modos e atitudes (e, claro, na fisionomia). Lamentavelmente, o feminismo parece ignorá-lo. Creio mesmo que muitas das conquistas que aparentemente teve para as mulheres se reduzem à conquista da prerrogativa destas se comportarem como homens. Ora, eu serei uma feminista, atípica talvez, por querer poder usar saias. E por não me importar que me contemplem as pernas (com respeito!), embora não queira que estas abram portas senão literalmente. O Dia Internacional da Mulher também serve para isto. Para reivindicar a condição feminina. E que ela não nos condicione. Mas serei, porventura, mais atípica no meu feminismo por achar que um homem não me deve passagem (e nem é pela explicação marialva para a delicadeza); e por pugnar que os machos tenham direito à sensibilidade, com lágrimas incluídas, sem que a sua virilidade seja posta em causa; e por me parecer muito bem que a obrigação das mulheres em ir à tropa seja a dos homens; e por questionar porque hão-de ser as mães, em igualdade de circunstâncias, a ficar com a custódia dos filhos. Porque eu sou verdadeiramente a favor da igualdade de direitos e não, como tantas vezes o feminismo parece ser, por um machismo em que, na definição, homem trocou de lugar com mulher. E é para isso que o Oito-de-Março serve.
Muito bom texto. Revi-me em muitas das coisas escritas.
ResponderEliminarSara, está sublime!
ResponderEliminarMuito bom, Sara. Curiosamente, hoje, dia 10, participei num debate sobre igualdade de género e o que disse é muito parecido com o que escreveste.
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