quarta-feira, 18 de março de 2015

Da vergonha...

Será que vale a pena ter vergonha de Portugal, pergunta a Paula Cosme Pinto no Expresso. Olhem, para mim é simples. Há pessoas que fazem coisas estúpidas em todo o lado, Portugal não tem, nunca teve, e nunca terá o monopólio. E eu nem tenho vergonha do Portugal dos pequeninos porque não há Portugal dos pequeninos. O que há são uns seres pequeninos e alguns deles vivem em Portugal. Mas confunde-se a pequenez de certas pessoas com a pequenez do país. Quem é pequeno, é pequeno independentemente do país onde vive e do tamanho da sua conta bancária. Vou contar-vos a história de um dos seres pequeninos que eu encontrei num país grande.

Aqui há uns meses levei a minha empregada, a Carolina, com a sua filha a tomar café na Rice Village, que é uma zona frequentada por pessoas afluentes em Houston. A Carolina é de El Salvador e tem um tom de pele mais escuro do que o dos europeus; a sua filha também tem um tom de pele escuro. Fomos a uma pastelaria que serve pastelaria tipo francês e tem bom café, da marca Danesi, que é a minha preferida. A filhota dela sentou-se a uma mesa que estava vaga, enquanto eu e a Carolina fomos ao balcão. Já tínhamos pagado e estávamos à espera da nossa comida, que estava a ser posta no tabuleiro, quando aparece um senhor louro que se dirige à Carolina a perguntar se era dela a menina que estava a ocupar a mesa. O homem fumegava de fúria. A Carolina não sabe inglês, logo eu viro-me para ele e digo-lhe que sim, a menina estava connosco e perguntei-lhe se havia algum problema. Ele quase salta quando vê que eu sou branquinha como ele e falo inglês tão bem como ele.

A minha aparência física é engraçada porque eu sou muito branquela, até quando vou comprar maquilhagem, as empregadas confundem-se sempre porque pensam que o tom do fond-de-teint para mim deve ser escuro por causa do meu cabelo, mas não, eu tenho de usar um dos tons mais clarinhos, normalmente o segundo mais claro. Lembro-me de uma vez o meu pai se virar para mim horrorizado e dizer que eu era tão pálida que parecia doente, tinha de ir para a rua passar mais tempo ao sol. O meu pai estava enganado, a vantagem de não andar ao sol é que eu tenho muito poucas rugas na cara, apesar de já ter mais de 40 anos.

Mas de regresso a Houston, começa o homem a refilar por a criança estar a ocupar uma mesa. De todas as mesas ocupadas foi logo implicar com a mesa que tinha uma menina hispânica. Não implicou com a mesa que tinha quatro mulheres brancas que não tinham consumido nada ou com a mesa do senhor de certa idade que lia depois de ter tomado o café, implicou com aquela. Eu disse-lhe que não via em como eu o podia ajudar porque a nossa comida estava a ser preparada e nós precisávamos da mesa. A vantagem de eu ser muito lenta a falar e a reagir, porque ainda estou a avaliar a situação, é que, em situações destas, dá quase a impressão de que eu estou entediada com quem me interpela, o que se torna irritante para os outros. Em situações de conflito, isto é muito vantajoso.

Julgo que a certa altura ele reparou que estava a ser ridículo e virou costas e saiu. O que ele fez foi estúpido, até porque ele ainda não tinha sequer comprado nada. Estava furioso por nós termos marcado a mesa antes de termos as coisas prontas, quando ele queria fazer exactamente o mesmo. Mas o que o incomodava mesmo era a cor da pele da menina. A América é grande, faz-se muita coisa grandiosa, mas isso não impede que haja pequenez e mediocridade de comportamento. A minha supervisora já me tinha avisado para eu ter cuidado com estas pessoas. Dizia-me ela, "Rita, é admirável o que estás a fazer, mas a Carolina e a filha são tuas convidadas e tu és responsável pelo seu bem-estar e pela sua protecção. Tens de estar preparada para as defender se chegar a esse ponto." Pois é, nós somos todos responsáveis. Os maus são responsáveis pelas suas maldades; mas os bons também são responsáveis por não fazerem pressão para que os maus mudem.

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