quarta-feira, 11 de novembro de 2015

A democracia dos mortos



A verdade é que ainda não consegui fechar a boca com esta reação da Direita. Golpe de estadoMudança de regime! Não, não é, é mesmo o fim do regime! O único argumento que não foi usado foi o de que a rejeição do governo é inconstitucional. Certo, seria a real lata. E também seria mentira. Por isso, em vez da Constituição, brandem a Tradição. A Tradição, dizia Chesterton, é a democracia em que os mortos também votam. Acrescentaria eu, é o regime em que quem está vivo está em minoria. O que é chato para quem está vivo. É o regime em que as regras são mais importantes que as leis, o hábito é mais importante que a vontade. 

Haveria, segundo a Direita, uma tradição em que o partido com mais votos forma governo e esse governo é apoiado pelo Parlamento. Ou seja, o partido com mais votos forma governo, e um número suficiente de deputados dos partidos com menos votos teriam de suportar o governo. O que criaria uma situação bizarra: quem votasse na oposição, nunca saberia se estaria a votar contra o governo em funções, ou a favor dele. O seu voto seria função do voto dos outros: se o governo em funções tem mais votos, o meu voto é por eles; se tem menos votos, é contra eles. Novamente, a Tradição não parece lá muito democrática. 

Curiosamente, nem um dos países mais tradicionalistas, e tão elogiado pela nossa Direita (a nossa Direita sempre teve uma predileção pela democrática Inglaterra), assume esta Tradição. Como se explica aqui:

- Will the leader of the largest party become Prime Minister? 

- Not necessarily. The constitutional rule is that the politician who can command the confidence of the House of Commons becomes PM. This could be the leader of the second largest party, if he can secure sufficient support from third and minor parties.

Interessará pouco. Neste momento, tudo vale. É deixar os espíritos sossegarem. Esta manhã, no caminho para o meu trabalho, encontrei o sinal que coloquei no topo deste post. Parece-me indicado. A Direita lá encontrará a sua Tradição que provará que, afinal, ganhou eleições sem ganhar a maioria dos votos. 

20 comentários:

  1. Tu não tens o fim de um regime, tens a continuação do regime: nenhum partido da Extrema Esquerda fará parte da formação do governo, vais ter um governo do PS como já vens tendo há 40 anos. "You can put lipstick on a pig, but it's still a pig."

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    1. Bem, mais uma vez escrevi à americana e disse "you don't have x, y, and z", em vez de escrever à língua romântica com sujeito indeterminado: "Não se tem x, y, e z". Um dia destes, hei-de acertar com a coisa, caramba...

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  2. Certo, estamos de acordo. Eu estava a citar opiniões que, claramente, não são a minha :)

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  3. Mas vai haver um voto de confiança ao programa do governo PS?

    É que se o Luís o tem de fonte segura, isso é um furo jornalístico.

    As 3 "posições comuns" limitam-se a transmitir que à partida não vão existir da parte daqueles partidos moções de rejeição ao programa do dito governo.

    Um voto de confiança requer uma maioria absoluta positiva de apoio ao governo, coisa que está muito para além do que foi assinado.

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    1. Não li onde está afirmado que vai haver um voto de confiança. O regimento da assembleia não o obriga, nem a qualquer outro voto, aquando da discussão do programa. No entanto, se a oposição (PaF) o decidir, haverá um voto de rejeição do programa do governo. Nesse caso, o PS e os seus apoiantes na assembleia terão de apresentar mais votos a favor do que os votos de rejeição (e tanto quanto me parece, esta situação está prevista no acordo).

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    2. Penso que bastaria que a moção de rejeição não chegasse aos 116 votos, mesmo que houvesse mais "sins" que "nãos" (tal como anteontem teria bastado a abstenção de 9 socialistas para salvar o governo).

      Dito isto, seria absurdo um acordo em que logo na segunda (ou primeira?) prova, os signatários não votassem todos do mesmo lado (neste caso, contra).

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    3. Não bastavam 9 abstenções, era necessário 17, para o governo não cair. Se houvesse 9, a PaF teria 107 votos a favor e esquerda 114 e, portanto, o governo cairia à mesma, Com 17 abstenções, seria 107 PaF e 106 para esquerda e nesse caso, sim, o governo não cairia.

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    4. iv, estava a aludir à citação que remete para a "tradição britânica".

      Nada obriga a que o governo PS se submeta a um voto de confiança. E nada nas "posições comuns" obriga a que as partes votem a favor num voto de confiança, ou rejeitem moções de censura.

      Nesta fase muito me surpreenderia que o PS se submetesse a um voto de confiança, ou mesmo que o PCP votasse contra uma moção de rejeição apresentada por PSD/CDS.

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    5. Caro José Carlos, creio que as moções de rejeição, assim como as moções de censura, têm que ser aprovadas por maioria absoluta (116 deputados).

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  4. Segundo a Constituição:

    Art. 192º Apreciação do programa do Governo
    (...)
    4. A rejeição do programa do Governo exige maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções.

    Artigo 195.º
    Demissão do Governo
    (...)
    e) A não aprovação de uma moção de confiança;
    f) A aprovação de uma moção de censura por maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções.


    Armando-me em constitucionalista amador, o que me parece é o seguinte:

    Para o governo cair com uma moção de rejeição, esta tem de ter maioria de votos dos deputados em efectividades de funções, i.e. 116. Basta ao BE/PCP absterem-se para o Governo não cair.

    Com uma moção de confiança, esta tem de passar com uma maioria de votos a favor. Isso implica que PCP e BE teriam de votar a favor.

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    1. peço desculpa pela minha ignorância constitucional.

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    2. Inadmissível, José Carlos. Inadmissível. Então temos um letreiro à entrada a dizer que percebemos de constituições aos montes e tu confessas a tua ignorância!

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    3. tens razão, isto é razão para eu ser demitido por justa causa

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    4. O problema é este vazio de poder no nosso blogue. Estamos todos em gestão e não podemos demitir ninguém.

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    5. Pede ajuda ao António Costa. Ele arranja uma maneira de tu conseguires sempre o que queres. E no fim celebram com vinho de amoras, em homenagem à i- e amoralidade da coisa...

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  5. É um dos melhores textos que li sobre este tema. E com o brinde da ironia fina! Há, então, que rever as curvas de aprendizagem da mão direita e da mão esquerda o que está facilitado pelo regresso da política, ora em concorrência ou em competição com novelas de trazer por casa e a simples propaganda barata.

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  6. Uma pequena provocação, Rita: pela experiência recente, acho que ignorância inconstitucional não é motivo suficiente para demissão de governos. Infelizmente... ;)

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