sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Um toque de paranóia...

Ontem fui a um seminário, no Museu de Belas Artes de Houston, sobre os temas religiosos e espirituais na arte de Mark Rothko e Roman Vishniac. Cheguei com quase 10 minutos de atraso, mas não fui a última a entrar. Uma das pessoas que entrou depois de mim foi um homem alto, esguio, quase cadavérico, de óculos. Tinha um blusão castanho, volumoso, usava boné e por cima do boné, meteu o carapuço do blusão. Entrou usando luvas brancas, julgo que de algodão, pois eram justas e notava-se a forma das suas mãos e os nós das articulações eram exagerados pela alvura das luvas.

Quando ele entrou, não pensei muito nele, nem sequer questionei a forma como se vestia. Reparei por causa do seu blusão, até porque ontem estava uma noite agradável e não era preciso casaco. Comecei a prestar-lhe mais atenção quando, na sessão de perguntas, ele fez a segunda pergunta, que tinha a ver com o nazismo ser considerado uma religião. O orador respondeu, mas disse que achava que só na parte ritualística é que o nazismo se assemelhava a uma religião. O homem não ficou muito satisfeito com a resposta, senti a sua frustração.

Foi nessa altura que comecei a sentir-me assustada. Achei que o homem que tinha feito a pergunta estava vestido de forma estranha, não chegou a tirar o carapuço, ou as luvas, ou o casaco até essa altura. E parecia-me um bocado irrequieto. Perguntei-me se ele seria uma pessoa bem-intencionada. Quando ele meteu a mão no bolso, para tirar um lenço de papel, calculei a probabilidade de ele ter uma arma no bolso. É quase certo que teria uma arma em algum lado. Isto é o Texas, eu não me iludo. Eventualmente, tirou as luvas e eu vi as mãos ossudas, com dedos muito compridos. Eram mãos sombrias.

Passei o resto do programa a tentar delinear estratégias de escape se ele tentasse atacar o auditório. Eu estava perto da porta, mas não assim tão perto. Seria impossível sair sem dar nas vistas. Observei-o constantemente, estudei a sua roupa, os seus maneirismos e gestos. Ele lembrava-me do esboço do Unabomber. Olhei à minha volta para ver em que buraco me devia enfiar, se ele atacasse. Arrependi-me de ter um cardigan cor-de-rosa, algo escuro ajudar-me-ia a passar despercebida. Quis sair, mas não quis sucumbir à minha paranóia. Finalmente, terminou o programa e eu saí com passos rápidos. Eu até não gosto de multidões, mas nunca me tinha sentido assim.

Hoje, ao acordar, decidi: para a próxima sento-me mesmo ao pé da porta.

4 comentários:

  1. O meu marido americano nunca se sentava de costas para a porta num restaurante.

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    1. Podia ser apenas tímido, sem ligação com nenhum medo externo e esta suposição está baseada na experiência de formadores profissionais em Portugal. E aproveito para provocar a Rita no mesmo tom :-)

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    2. Pois, Isabel, acho que vou ter de adoptar o mesmo modus operandi.

      Isidro, o homem parecia mesmo estranho. Não fazia sentido estar com tanta roupa dentro de um auditório. Podia ser tímido, e eu compreendo isso, mas ele foi uma das primeiras pessoas a levantar o dedo para fazer uma pergunta. Não é coisa de pessoa tímida. Aliás, foi a atitude dele ao fazer a pergunta que despoletou a minha paranóia.

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    3. Bem compreendo que quase tudo parece muito perigoso em certas circunstâncias e que o simples avaliar pode aumentar o perigo. Todavia, o vestuário e as expressões faciais podem ser muito enganadores. E também a timidez. É que, ao contrário do que se diz num manual muito estudado nos EUA durante 20 anos, até há poucos anos, há muitos comportamentos específicos e bem dissimulados. Bem... Espero não ter assustado!

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