quarta-feira, 11 de março de 2015

Bio-Tic-Tac

Ter mulheres neste blog pô-lo a discutir a maternidade. E eu não quero ficar fora do movimento. Num comentário a um post da Rita que consegue misturar Estatística e sexo, o Manuel Cabral reflecte sobre a (não) decisão de ter filhos. Diz ele, se bem o entendi, que não são apenas as condições materiais a determinar a preocupante baixa de natalidade que o país conhece. E eu concordo. É verdade que uma situação de crise económica desencoraja a constituição de família. O desemprego deixa as pessoas com mais tempo disponível para fazer bebés, mas com menos recursos financeiros para criá-los e eu diria que este último efeito se sobrepõe. Este é o discurso recorrente quando se aborda a questão. A que se soma a reivindicação de mais creches, mais abonos, mais tempo de licença de (pa)maternidade. Muitas vezes, a discussão neste âmbito confunde-se com a do feminismo. São acusadas de serem contra ele as mulheres que decidem fazer uma pausa na carreira para serem mães de uma prole; mas se optaram por se dedicar inteiramente à profissão, escolhendo não ter descendência, logo são um poço de egoísmo. E, frequentemente, não há na prática escolha, porque engravidar é sinónimo de ser despedida, despromovida (ou não promovida), afastada. Não é fácil.

E é tão mais difícil quanto as relações hoje parecem muito menos estáveis. Inclusivamente, porque as tais vidas profissionais modernas ditam, muitas vezes, o afastamento geográfico, a que se sucede o emocional. E, por vezes, ditam a sequência contrária...

Diz o Manuel Cabral que "muitas pessoas [...] vão adiando o projecto de ter filhos [...] esquecendo que quando decidirem tentar podem não conseguir e podem estar a tentar apanhar um comboio que já passou". Ora, sem o desmentir, eu diria que o problema é que o comboio está com o horário errado. O relógio biológico feminino está desfasado do nosso estilo de vida. Vivemos mais anos, estudamos mais anos, ficamos até mais tarde em casa dos pais. Os trinta são os novos vinte. Aos 14 anos, as miúdas querem é ir ao concerto dos One Direction (uma escolha musical que renegarão anos depois), mas o corpo delas diz-lhes que estão prontas para conceber. Biologicamente, podem ser mães; socialmente, é uma violência que o sejam. Em contrapartida, na casa dos 40, com um gosto musical mais depurado e no pleno da vida adulta, estão prontas para gerar uma criança, mas as hormonas, como bem evidenciou a Rita, podem não se revelar muito cooperantes.

Por isso, arriscar-me-ia a sugerir que uma política de natalidade deveria começar por apoiar quem já quer ser mãe e pai e experimenta dificuldades em consegui-lo: facilitando os tratamentos de fertilidade para quem deles precisa e não descurando o debate sobre as técnicas de reprodução assistida. Claro que ter uma fiscalidade que promova a procriação também é importante, mas acho que não deve ser a prioridade. Se nada disto resultar, é pôr Barry White a tocar nos transportes públicos!

2 comentários:

  1. Boa Sara! Mas eu acho que poderíamos fazer mais do que apoiar quem já quer ser pai e mãe. Acho que uma boa medida que falta é educar os homens e as mulheres acerca de como o nosso corpo se altera ao longo da vida. É muito importante compreender a nossa fertilidade. Na Dinamarca as aulas de educação sexual vão agora focar-se não em evitar a gravidez, mas em encorajar a gravidez (ver aqui: http://www.breitbart.com/london/2014/10/29/denmark-sex-education-birthrate-epidemic/)

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  2. Eu em tempos ocorreu-me se, no contexto da sociedade moderna (nomeadamente com as elevadas esperanças médias de vida), se não seria melhor se:

    a) a idade socialmente "normal" de ter filhos fosse na adolescência

    e

    b) a crianças fossem criadas e educadas pelos avós (ou pelos trisavós) em vez de pelos pais

    É verdade que um bom argumento contra isto é de que grande parte das famílias que (involutariamente) seguem este padrão costumam ser exemplos notórios de disfuncionlidade, mas será seria à mesma assim se tal fosse a norma social vigente?

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