quinta-feira, 5 de março de 2015

Re: Miséria moral

Um amigo meu enviou-me vários emails a propósito da trapalhada fiscal do nosso Primeiro Ministro. Os emails reflectem mais ou menos o que o Zé Carlos disse no último post, que atravessamos um período de miséria moral. A minha resposta aos emails do meu amigo foi esta: "Os teus pressupostos estão errados". Ele não percebeu e perguntou-me porquê. Eu reiterei a resposta que Pedro Passos Coelho nos tem dado: "A perfeição não existe". E depois veio a resposta que não se trata de perfeição; trata-se de crimes. Mas essa não é verdadeiramente a questão, na minha opinião.

A existência de miséria moral em Portugal é independente de nós sabermos que Pedro Passos Coelho ou António Costa não pagaram os impostos devidos. Ela existia antes de isto aparecer na Comunicação Social. Estes casos apenas levantam a questão de legitimidade moral destas pessoas para governar Portugal e exigir dos restantes portugueses uma moralidade superior à que eles exibem, como mencionou o Luís. Mas o inverso também pode ser explorado: os portugueses são conhecidos como pessoas que têm uma clara preferência pela evasão fiscal, logo se calhar os governantes reflectem a moralidade do povo que os elegeu. Sendo assim, não é de estranhar que a Assembleia da República passe legislação que despenaliza a evasão fiscal ao fim de um certo tempo, como foi o caso do que aconteceu com Pedro Passos Coelho, em que as suas responsabilidades fiscais prescreveram, ou que acontece no regime RERT, em que dinheiro que está fora do país em contas off-shore pode entrar pagando taxas de impostos reduzidas.

Regressando à questão dos pressupostos, que é um bocado como Alfred Hitchcock dizia: o crime perfeito existe e é tão perfeito que ainda ninguém o descobriu; estas situações existem, logo o pressuposto da perfeição moral tem de ser posto de parte. A nossa escolha é entre um regime em que estas falhas morais existem e não são descobertas ou um regime em que as falhas existem e são descobertas. Eu prefiro o segundo regime: prefiro um regime em que a miséria moral acontece e eu sei dela. Mas também prefiro que nesse regime haja o seguinte:

  • Uma comunicação social que descubra estas coisas a tempo e horas e as relate defendendo os interesses do público. É estranho que se descubra que Pedro Passos Coelho não paga impostos e depois se descubra que António Costa parece que também não. E que conveniente que as eleições estão à porta... Eu sei que as pessoas gostam de futebol e no futebol o golo de uma equipa anula a vantagem do golo da outra equipa; mas Portugal não é um jogo de futebol e os portugueses não precisam de mais circo; precisam de mais pão, de mais substância. Não precisamos de competições de mediocridade.
  • A prescrição de certos actos ilegais deve ser um sistema de excepção e não um de regra--tem de haver consequências para os actos ilegais e essa deve ser a regra. Logo, se contemplamos que certos actos possam prescrever, temos de assegurar que há fiscalização e procedimento legal adequado para que sejam muito poucos os actos que prescrevem.
  • Uma máquina partidária que nos trate com mais respeito. Como é que uma pessoa chega a líder de um partido sem que ninguém dentro do partido tenha feito uma investigação a sério do seu background, especialmente de como ganhou a vida e dos impostos que pagou ou que deve? Isto é, os partidos têm de assegurar que nos propõem pessoas com um mínimo de fibra moral.
Eu aceito que haja miséria moral, mas não aceito que esta não seja minimizada.

2 comentários:

  1. "A nossa escolha é entre um regime em que estas falhas morais existem e não são descobertas ou um regime em que as falhas existem e são descobertas. Eu prefiro o segundo regime: prefiro um regime em que a miséria moral acontece e eu sei dela."

    Certo, mas, como dizes mais abaixo, a questão vai além disso. Não há cidadãos perfeitos, há miséria moral em todo o lado, mas não basta que esta seja descoberta e denunciada, é necessário haver consequências, punições, legais,políticas e morais.
    Também acho que os partidos e Assembleia da República deviam escrutinar ao pormenor a vida dos políticos e governantes.

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    1. Pois é, mas em vez de se exigir melhor qualidade de pessoas, anda metade de Portugal a desculpar as falhas de uns com as falhas dos outros. É isso que se vê quando se lê os jornais. É deprimente...

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