terça-feira, 17 de março de 2015

Revisitar o passado

Há algumas coisas na entrevista de Horta Osório, ao Observador, que achei interessantes. A primeira é a seguinte:
“Os Estados Unidos subirão, tudo indica, as taxas de juro entre junho e julho, o que significa a normalização dos juros em 25% da economia mundial. A Inglaterra deverá subir os juros depois. A Europa está um pouco atrasada, mas o euro a baixar e o preço do petróleo – que baixou muito -, podem puxar a Europa”, admite o banqueiro. “Especialmente Portugal”, acrescenta.
Em economia normalmente presume-se que quando os juros estão baixos, o investimento aumenta. Esta relação levaria a pensar que a Europa estaria bem posicionada para um crescimento do investimento. Só que nós já estivemos numa situação semelhante após a criação do euro, em que as taxas de juro diminuiram drasticamente na Europa e o investimento nem por isso aumentou. O que aumentou foram as contas poupança que ofereciam juros altos porque o dinheiro era canalizado para os EUA onde as taxas de juro eram mais altas do que na UE (ver contas IceSave). O efeito disto foi uma fuga de capital da UE que foi usada para insuflar a bolha imobiliária dos EUA.

[Um à parte: Os EUA não conseguiam produzir hipotecas suficientes para alimentar a fome dos investidores estrangeiros e por isso os critérios de criação de hipotecas foram sendo cada vez mais diluidos, até porque havia o enorme risco moral de que quem produzia as hipotecas podia passar o risco das mesmas para o mercado de investimento que era alimentado por poupanças de todo o mundo. O blogue "Calculated Risk" tem uma boa descrição desta telenovela toda, escrita pela Doris Dungey, sob o pseudónimo Tanta.]

Horta Osório fala da relação taxa de juro-investimento para a Europa e diz que ainda estamos para ver se isto funciona; mas na minha opinião, nós já vimos isto a não funcionar. Diz ele,

“É positivo [ o programa do BCE, nota minha ] no sentido da confiança que dá aos mercados e economias de que há mais dinheiro barato. Ele ser passado ou não para a economia real é outro aspeto: eu teria ligado mais o Quantitative Easing (QE) com objetivos claros dos bancos para emprestarem às pequenas e médias empresas, tal como se fez em Inglaterra. Percebo que na Europa isso seja difícil porque há muitos países, a eficácia é mais difícil, mas a eficácia na economia real do QE vai depender de em que medida os bancos vão passar parte desse dinheiro barato para as empresas. Como diriam os ingleses, ‘to be seen'”.

Aqui vale a pena falar de Ben Bernanke. Quando Ben Bernanke inventou o programa de QE para os EUA, um dos focos dele era o papel dos bancos locais. Esses pequenos bancos é que forneciam o crédito às PMEs e tinham a vantagem de não estar metidos em investimentos exóticos, logo a sua exposição ao colapso financeiro foi menor. Dizia ele em 2009 que esse bancos é que eram a chave para a economia recuperar.

“If community banks are prudent but opportunistic in extending credit to strong borrowers, they will help the economy recover while benefiting from that recovery themselves,” Bernanke said. He also said that “in some instances, community banks are able to step in at crucial moments when local businesses or consumers have been unable to find credit elsewhere.”
[Estão a ver? Estes americanos estão sempre a falar de sermos oportunistas. Em Portugal, ser oportunista é um insulto! É giro ou não é comparar reacções à mesma coisa? E note-se o foco na microeconomia do discurso de Bernanke.] Para Portugal, não sei até que ponto o programa da CGD e do BEI, criado no final de 2014, pode funcionar de forma semelhante a isto. O montante do programa, 600 milhões de euros, parece-me pouco.

Como já mencionei anteriormente, actualmente há várias empresas estrangeiras a financiarem-se em euros, como a Apple e a Verizon, em vez de dólares americanos para se aproveitarem das taxas de juro mais baixas e também se aproveitam da taxa de câmbio. Isto irá diluir parte da política monetária do BCE e também da Reserva Federal e irá aumentar o investimento não da UE, mas do estrangeiro, neste caso dos EUA. A maior procura de empréstimos em euros por empresas americanas aumenta as taxas de juro da UE e não pressiona as americanas para subirem. Logo, mesmo que a Reserva Federal americana suba as taxas de juro, a pressão das mesmas não irá ser suficiente para dissipar potenciais bolhas especulativas porque haverá dinheiro a entrar por outras vias. As empresas japonesas também andam às compras no estrangeiro, mas algumas delas estão a investir na UE.

Após a criação do euro, também aumentou o crédito imobiliário e criaram-se bolhas em alguns países da Europa, como a Irlanda, a Espanha, Portugal. Em Portugal, sabemos que o crédito imobiliário não é muito convidativo hoje em dia, pois uma boa parte da população portuguesa que seria cliente deste crédito emigrou. Para além disso quem tem hipotecas antigas está melhor do que antes porque as taxas de juro euribor estão baixas e as spreads desses empréstimos são muito mais vantajosas do que as actuais, para além de que o valor das casas baixou, logo trocar de casa seria financeiramente uma má escolha para a maior parte das pessoas. Mas note-se que o mercado automóvel em Portugal tem mostrado boa performance, logo os bancos estão a financiar compra de carro.

Também não é provável que os gastos públicos aumentem financiando-se a taxas de juro baratas; o que há é uma troca de dívida antiga por dívida a taxas de juro mais baixas. Seria bom que isto se traduzisse em impostos mais baixos, mas como em Portugal a pressão demográfica nas receitas e despesas públicas está a aumentar, as coisas não estão muito optimistas. Para além disso, nota-se que há uma enorme fome por receitas fiscais, basta ver os impostos ambientais que estão a ser criados. Se a preocupação fosse o ambiente, poderiam ter sido passadas outras medidas para salvaguardar a qualidade ambiental. E até se poderia ter usado isso para dinamizar a economia. Mas a preocupação é salvaguardar sempre o curto prazo, pois "no longo prazo estamos todos mortos"...

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