terça-feira, 26 de janeiro de 2016

A corrente

Em 1831-1832, numa visita oficial à América, com o propósito de estudar o sistema penal americano, Tocqueville teve uma visão reveladora: a razão estava sozinha no palco. Os filósofos do iluminismo haviam dito aos homens que a razão era a luz que os libertaria da superstição, dos preconceitos de religião, classe, família. Os homens ficariam assim todos nivelados, não só por uma questão de princípio, mas também porque nenhum dos seus representantes teria autoridade intelectual. O direito político postula que bastiões como a igreja e a aristocracia não podem afectar a opinião dos indivíduos. Assim se removeram os impedimentos externos ao livre exercício da razão. A democracia exige que cada um decida por si próprio. E gerou-se um efeito paradoxal. Poucos se adestram no uso da razão, para além do cálculo de interesse pessoal, estimulado pelo próprio regime. Os homens sentem-se perdidos. Perderam as antigas fontes da opinião e não têm tempo, nem capacidade para reflectir sozinhos. Muitas vezes, não conseguem sequer fazer cálculos sobre o seu interesse pessoal. Como náufragos, tentam agarrar-se às bóias da tradição e da autoridade, que antes lhes tinham dado alguma segurança. Mas agora é-lhes dito que, afinal, as bóias não são bóias, são pesos que os arrastam para o fundo. Desesperados, entregues a si próprios, não têm outra solução se não deixar-se levar pela corrente, à qual nenhum indivíduo isolado tem força para resistir. Para Tocqueville, o maior perigo da democracia é a escravização em relação a essa corrente. Essa corrente chama-se opinião pública e corresponde à vontade da maioria.  

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