segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Frases famosas 35

35. Eles é que sabem. A frase mais não democrática que existe, e a mais popular. 
Eles não fazem parte do nós e nós não sabemos. Pior, não podemos, podem eles. Trocada a espada pelo carro com motorista. O motorista não faz parte deles, mas é-lhes fundamental. Senão, vejamos. Dezenas de escravos puxavam os carros majestáticos de Cleópatra. Cavalos e condutores de chicote transportavam Maria Antonieta em coches esplêndidos. Isabel, a primeira, não se movia sem os súbditos leais e encardidos que operavam a barca real ao longo do Tamisa. O triunfo de César sustentaram-no os povos derrotados que se arrastaram, e arrastaram os carros, imponentes, do ditador, pelas ruas de Roma. Kublai Khan percorria as vastas distâncias do seu império em carruagens pesadas, e o peso das carruagens caía sobre os ombros de animais e homens. O trono de Shaka Zulu, e ele lá sentado, foi carregado à custa das espáduas dos submissos, ufanos. A propósito. Numa manhã muito fria, Perpétuo V. não conseguiu pôr o carro a trabalhar. Deu à chave vezes sem conta. Vistoriou o motor, à procura sabia lá de quê, pois não era mecânico. Até experimentou o clássico pontapé. Como se o carro respondesse à força bruta. Isso era dantes, com as bestas de carga. O automóvel desconhece esses incentivos, nem pau nem cenoura o motivam. Perpétuo, inconformado, insultou-o. Mas o carro não tem mãe a quem se possa atribuir qualidades duvidosas, nem é sensível à moralidade dos progenitores dos que o conduzem. Move-se a si próprio e pronto, excepto em manhãs muito frias. Mas não se move a si próprio por si próprio, até porque não é um si. Dizemos que não quer pegar, mas isso somos nós a vê-lo à nossa maneira. Perpétuo era um destes antropomórficos. Insistia em resolver o assunto com preces e ofensas. E nada. Chegam os vizinhos, que não rezam nem destratam, só opinam. É do frio, diz um. Foi-se com certeza a bateria, outro. São as velas, mais um. A ferrugem, a gasolina low-cost, a biela, a exposição aos elementos, o desnível do lugar de estacionamento. Houve um que tentou uma explicação mais espiritual, ou mais espirituosa, é mau-olhado ó Perpétuo, ouvi dizer que andas a arrastar a asa à mulher do, cala-te boca. Também houve quem dissesse, é por seres do Benfica. O problema do carro de Perpétuo V. era, no entanto, mais político. Chama-se obsolescência programada, e obriga-nos a mudar de carro com frequência. É prá sucata, disse com razão o vizinho da frente. Agora, há que trabalhar para outro, que este já não vale nada. E já estou atrasado. Quanto ao resto, eles é que sabem.

1 comentário:

  1. Pois... "Eles é que sabem", "Toda a gente sabe" e "Ninguém quer". Como diz noutro artigo, deve ser porque não conhecem as cores, como as que faziam saltar David Hume.

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