quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Contrafactual histórico

"1. “A política é a arte do possível” diz-se com frequência. É claro que esta frase é irrefutável. Nós nunca temos um contrafactual histórico, e por isso só podemos conjeturar o que teria acontecido se as políticas tivessem sido diferentes."

Paulo Trigo Pereira, Observador

Gosto muito de coisas sexy, como é mais do que óbvio. Parece-me que esta coisa do "contrafactual histórico" é um chavão sexy, daqueles que nos faz sentir bem com a vida. É como quando uma mulher veste sutiã e cuequinha que combinam, sai porta fora toda cheia de confiança e, no final do dia -- pimba --, a confiança é recompensada. Como vi numa meme, se o sutiã e a cuequinha combinam, não foi o homem que decidiu ter sexo. Bem, lá estou eu a deambular por prados mais verdejantes do que os da economia portuguesa. Com uma economia assim, é preciso ter muito sexo para nos esquecermos de que o buraco que escavamos é cada vez mais fundo.

Eis que entra o "contrafactual histórico" em cena. Diz o Paulo Trigo Pereira que em política não há contrafactual histórico. Caro Paulo, talvez tenha estado distraído, ou tem noites muito sexys, porque existe um contrafactual histórico para a política que o actual governo segue. Aliás, o actual governo diz que foi eleito para repôr tudo o que existia antes do governo PSD/CDS. Ora, se o que se implementa já existiu, é porque, efectivamente, há um contrafactual histórico. E mais: esse contrafactual histórico diz-nos que Portugal vai acabar numa bancarrota. Como o Paulo bem observou, a dívida pública já está a aumentar outra vez.

A discussão das 35 horas de trabalho da Função Pública é, no mínimo, esotérica. Fala-se como se nunca tivesse existido. Será que não há uma alma capaz de olhar para as estatísticas? Da última vez que as 35 horas estiveram em vigor, houve mais processos em atraso nos Tribunais, por exemplo. E hoje em dia, temos médicos mal pagos a trabalhar horas a mais, como é o caso do Ricardo Duarte, um médico do Funchal que nos diz que ganha agora menos de metade do que ganhava há 8 anos e trabalha 65 horas por semana.

Então qual é a vantagem de ter um horário de 35 horas por semana, quando há pessoas que têm de trabalhar 65? É para lhes pagar mais horas extraordinárias? Não é preferível aumentar o salário desta gente? Os médicos em Portugal são mal pagos; quem é pago muito acima do que vale, são muitos administradores (não todos), os que decidem a gestão dos serviços e onde se deve gastar o dinheiro. Há onde poupar dinheiro. Por exemplo, o Ricardo diz que o hospital dele tem várias máquinas caras às quais não se faz manutenção e depois avariam. Não comprem as máquinas -- se não há dinheiro para a manutenção, não vale a pena comprar a máquina.

Como eu vos digo muitas vezes, o problema é dinâmico, mas as pessoas insistem em usar análise estática. O custo de uma máquina não é só o preço dela, também é o custo de a manter e, para calcular esse custo, temos de ter em conta a variável tempo--é por isso que é dinâmico e não estático. Quando se compra uma máquina, tem de se comparar os custos e os benefícios de a ter durante o tempo de vida da máquina; se a máquina avaria e não é reparada, o benefício reduz-se a zero. Se o benefício é zero ao fim de um ou dois anos, não vale a pena comprar a máquina. Ou então comprem menos máquinas e paguem a manutenção.

É preferível pagar mais aos médicos e fazer manutenção de menos máquinas do que andar a encher os bolsos das empresas estrangeiras que produzem equipamento médico. Mas é verdade, as pessoas respondem a incentivos e os incentivos que os administradores têm muitas vezes são maus. É aí que entra o mau enquadramento legal da corrupção e uma supervisão de contas e justiça ineficazes que não limpam o sistema. E se os Tribunais não funcionam com 40 horas, também não funcionarão com 35, como nós já descobrimos no "contrafactual histórico".

1 comentário:

  1. Excelente, Rita! Aliás, hesito se o uso de "contrafactual histórico" neste artigo de PTP é um oxímoro ou um mero erro. Filosoficamente falando, um contrafactual nunca é histórico, porque assenta precisamente na ideia de mundos possíveis (mas não histórica ou atualmente realizados). Nesse sentido a expressão encerra um oxímoro e portanto a afirmação, para qualquer situação, de que não existem "contrafactuais históricos" é sempre verdadeira. Numa abordagem mais pragmática, que penso que era a que o autor quereria utilizar, a ideia de "contrafactual" está mal utilizada e "contrafactual histórico" é uma redundância, porque o que se pretende é encontrar na história argumentos contra a adoção de determinada política. E esses abundam, como bem referes no teu post, pelo que nesse sentido a afirmação de PTP está errada. Ou seja (i) ou PTP queria referir-se à inexistência filosófica de um "contrafactual histórico" (oxímoro cuja negação produz sempre uma afirmação válida do ponto de vista lógico) e nesse sentido teria razão, mas a afirmação cairia no domínio da lógica formal, sem qualquer interesse para esta discussão ou (ii) quis parecer erudito e usou um conceito filosófico muito relevante em vez de afirmar simplesmente que não existem exemplos no passado dos quais se possam colher lições quanto a estes pontos - e nesse caso está errado. Uma terceira alternativa pode ser uma mistura destes conceitos todos para parecer que tem razão, mas não me parece que seja o género de PTP. Cheers

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