quarta-feira, 15 de julho de 2015

Brincar aos políticos

Chegou-se ao ridículo, em Portugal, do nosso Primeiro Ministro sugerir que Portugal é responsável pelo "sucesso" do acordo da UE com a Grécia. António Costa responde e diz que Passos Coelho só ajudou na 25a hora e com tecnicalidades.

Ter um acordo com a Grécia não é coisa da qual nos devamos vangloriar. Já houve vários acordos com a Grécia e a situação piorou, logo chamar a si responsabilidade por um acordo cujo sucesso não está garantido é uma posição de risco. Se o acordo falhar, o falhanço extender-se-á a Pedro Passos Coelho. Como todos os acordos prévios falharam, a probabilidade deste--que nem sequer foi aprovado nos parlamentos nacionais--suceder é quase nula.

E era este o ponto fraco que António Costa devia ter explorado, mas decidiu que a melhor estratégia era menosprezar o "contributo" de Pedro Passos Coelho. Não percebo como é que este argumento tão fraco prevalece sobre o argumento muito mais forte que eu apresentei.

O nosso Presidente da República, por sua vez, diz que a Grécia fez um "erro estratégico de negociação" do acordo. Também não percebo esta atitude de altivez. O governo grego não tem margem de manobra. Sempre que um acordo é rejeitado, o que a UE oferece a seguir é pior. Como é que eles saberiam que ao rejeitar um, o que viria a seguir seria pior? Só rejeitando...

Os gregos também não têm credibilidade e quem não tem credibilidade tem pouco poder de negociação. Parece que já nos esquecemos que quando nós tivemos a nossa intervenção, tivemos um acordo muito pior do que o que poderia ter sido. Nós também fizemos "um erro estratégico de negociação". Talvez o nosso PR queira elaborar o porquê do nosso acordo ter sido pior do que o que poderia ter sido. Depois do nosso acordo, demorou muito tempo e muitos sacrifícios até a credibilidade de Portugal ser reabilitada. Mas nós divertimo-nos na mesma, pois tivemos uns flirts com o masoquismo: o fiasco da TSU, a demissão de Vítor Gaspar, e a pseudo-demissão de Paulo Portas. Nós eramos tão bons a criar desvantagens como o Syriza, só que fomos um bocadinho mais lentos. A nossa lentidão tem explicação: o actual governo português administrou o nosso bail out logo desde o início, mas o Syriza quando tomou posse herdou a administração anterior, logo começou de um ponto muito menos vantajoso porque os cofres já estavam quase vazios outra vez.

Mesmo que o Syriza fosse o partido e o governo ideal, os que vieram antes dele tiveram um peso muito maior em determinar a forma como os gregos são tratados. E mais: a credibilidade que não foi destruída pelos próprios gregos foi destruída pelos bitaites da Alemanha. O objectivo é duplo: castigar a Grécia e usar a Grécia "pour encourager les autres". Portugal faz o papel de um dos ajudantes do bully da UE.

Rui Moreira, o Presidente da Câmara do Porto, tem razão: Portugal, especialmente o governo, fala demais sobre a Grécia estando o nosso país numa situação precária. Só espero que quando chegar a altura de nós levarmos pontapés outra vez, nos console aqueles que demos aos outros.

5 comentários:

  1. O Governo fala tanto em demasia sobre a Grécia como um Presidente de Câmara fala em demasia sobre o que não lhe compete. Rui Moreira acha-se acima de outros políticos, portanto pode dar lições de moral quando bem lhe apetece que não o incomoda, mas devia. O Governo fala em demasia sobre a Grécia como todos os outros falam em demasia sobre esta, em especial e intimamente ligado à governação, a oposição, acusando sempre que podem da famosa solidariedade e outras coisas para o soundbite.

    Ninguém castigou a Grécia, alias esse juízo de valor errado e populista parte de quem já tem à partida algo contra a UE e contra a soberania, opinião e posição dos povos que não querem mais facilitismos sem resultados. Esse "castigo" é normalmente acompanhado de ideias de democracia que pelo que toca aos interlocutores começam e acabam na Grécia. Muito pluralistas e democratas que são.

    O que a UE não quer, e isto é mais que perceptível pelas dezenas de declarações do mais diversos chefes de Estado é que os elementos fundadores e o core da UE seja desbaratado com políticos que ainda não despiram as suas vestes irresponsáveis de activistas*, que recusam perceber a sua matriz, apoiando-se financeira e politicamente num certo país do leste da Europa que está determinado em fazer destruir a UE por dentro, seja via Syriza, seja via FN. A UE e os seus lideres já explicaram várias vezes o que querem, o que defende e o que de certa forma exigem, estar neste clube é aceitar estas regras e não pensar-se que por se ser sócio do Benfica há o direito de exigir a mudança de símbolo e de cor.

    A UE sabe que se der margem a partidos populistas e irresponsáveis, cujos eleitores cegos pelas mais diversas razões deram votos, vai abalar a sua estrutura e vai passar a mensagem que esta é a via para algo que é nitidamente inimiga da sua manutenção como organização. O voto é soberano, é livre, democrata, mas isso não impede a aceitação por parte de terceiros das suas premissas incondicionalmente, ou teremos muito em breve à semelhança do que disse anteriormente a ascensão de partidos ainda mais perigosos, confiantes que poderão também dar o seu cunho. Relembro que tanto na Austria como em outros países, estes partidos foram violentamente criticados e censurados, pelo que não se pode pensar que a Grécia é a única, não é.

    *Quando falo em activistas falo naquele principio simples de que as palavras e posições de um activista, têm sempre um efeito mínimo, residual, enquanto que um político terá de ser muito mais cauteloso, pois tem a seu cargo milhares ou milhões de vidas. Quando o primeiro não entende isto, tende a desbaratar o seu mandato em experimentalismos caros.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Não castigaram a Grécia? Então como é que se justifica que a Grécia ao recusar um acordo é oferecida um outro pior? Isso não é castigo? Ou é uma forma sofisticada de cooperação? Mas a questão nem é essa: todos os programas de ajuda à Grécia falharam e este também não tem grande probabilidade de suceder porque é igual aos outros e com condições piores. Se é para a não reabilitar a Grécia, parem de enterrar dinheiro lá. Não tapem o sol com a peneira nem se armem em santos porque estão a "ajudar" a Grécia. O que estão a fazer é pensar que nós somos parvos.

      Eliminar
    2. Qual deveria então ter sido a resposta à Grécia ter recusado o acordo? Oferecer-lhe o mesmo acordo que recusou? Recusar qualquer acordo?

      Quem pede "ajuda" e depois recusa a "ajuda" que lhe é oferecida, deve automaticamente receber melhores condições?

      As condições para emprestar 7B€ por 3 meses devem ser iguais às condições para pedir 50 a 100B€ por 3 anos?

      Eliminar
  2. Caro(a) T,

    Não discuto a sua teoria de exisitr um efeito de "bota-abaixo" ao Syriza - ele manifestamente existe (apesar de isso dos extremismos depende - os Húngaros estão todos satisfeitos a construir um muro na fronteira com a Sérvia e da UE nem um pio). Mas o Syriza está no poder PORQUE a UE tirou o tapete ao antigo Governo que era constituído por dois partidos filiados nas duas maiores famílias políticas europeias - os Populares e os Socialistas.

    ResponderEliminar
  3. Neste ponto eu estou de acordo com o Krugman, e tenho de reconhecer que falhei a minha previsão. Assumi que aos governantes atuais da Europa era mais importante a manuntenção da UE do que as proximas eleições, e que iriam conceder à Grécia um acordo que pelo menos tivesse hipoteses de ser aprovado.

    Aparentemente a ideia foi mesmo fazer um "reverse godfather": tentar criar uma oferta que os Gregos não pudessem aceitar, para por o ónus do Grexit neles. Tsipras cedeu, mas a rua grega aparentemente vai fazer o resto...

    Leitura de cabeceira por estes dias: The Sleepwalkers, de Christofer Clark

    ResponderEliminar

Não são permitidos comentários anónimos.