segunda-feira, 27 de julho de 2015

Números do desespero

Oiço na TVI 24 um economista da Universidade Nova (penso que se chama Luís Rato) enumerar meia dúzia de factos sobre o “Estado social” português. Exemplos. Nos últimos três anos, foram transferidos do Orçamento do Estado (OE) 3,4 mil milhões de euros para cobrir os défices da segurança social. O fundo de estabilização (um subsistema de capitalização da segurança social) cifrava-se em 2014 em pouco mais de 3 mil milhões, o suficiente para pagar seis ou sete de meses de pensões em caso de emergência. Além disso, foi necessário transferir, em 2014, mais de quatro mil milhões do OE para a Caixa Geral de Aposentações. Neste momento, há 1,5 activos para 1 pensionista. Segundo um estudo recente da Comissão Europeia, em 2060, mantendo-se as actuais tendências (e consideraram nesse estudo uma taxa média de 8% de desemprego), cada português receberá apenas 30% do seu último salário.
Não falta muito tempo para que haja apenas um activo para um pensionista, ou seja, não tarda muito que cada pensionista receba, grosso modo, apenas os cerca de 34% do salário (correspondente à chamada TSU) de cada activo (ou 26%, se o PS, caso ganhe as eleições, avançar com a sua proposta abstrusa de cortar 8 pontos na TSU, 4 para os trabalhadores e 4 para as empresas).
Atenção, e estes números do desespero existem apesar de todas as medidas e reformas que foram tomadas nos últimos 15 anos: introdução de um factor de sustentabilidade (na reforma de Vieira da Silva em 2007) e o concomitante aumento da idade da reforma (o tal economista, que aparenta estar na casa dos 40, fez os cálculos e só se poderá reformar aos 68,4 anos), a contribuição extraordinária de solidariedade, etc.
Estes números esclarecedores, que bastam para fazer disparar todos os alarmes, não parecem, todavia, preocupar muito comentadores/pensionistas como Bagão Félix ou Manuela Ferreira Leite, que desvalorizam o problema. Percebe-se. Também se percebe que os partidos não queiram falar no assunto. Os pensionistas votam e os que vão receber a reforma em 2060 andam por aí a estudar, a divertir-se ou a tratar da vida e têm mais que fazer do que se preocupar com o futuro daqui a meia dúzia de meses quanto mais daqui a 10, 20, 30 ou 40 anos.
Esta gente (partidos e a maioria dos comentadores), uma cambada de irresponsáveis, com o argumento de que discutir o problema equivale a alimentar um conflito geracional, está a empurrar com a barriga e a arranjar um conflito geracional explosivo no futuro. 

2 comentários:

  1. A demografia de Portugal causa-me pesadelos e depressão. É horrível. Eu digo muitas vezes que em Portugal, há a tendência para fazer análises estáticas a problemas que são dinâmicos.

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    1. Num sistema de repartição como é o português a demografia é o factor-chave. O crescimento económico, quando muito, atenua o problema mas não altera nada do que está escrito no post. Se há um activo para um pensionista, este recebe, grosso modo, os tais 34% do salário do activo - a TSU. Quer dizer, em bom rigor, nem isso recebe, porque o dinheiro da TSU não é só para financiar as pensões, serve para financiar todas as outras prestações sociais. Curiosamente, o tal economista que refiro, diz que nos EUA todos os relatórios sobre este assunto trabalham num cenário de 75 anos, repito, 75 anos, ou seja, têm em conta pelo menos três gerações.

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