quinta-feira, 23 de julho de 2015

Sadismo-masoquismo

[Um título destinado a aumentar a "audiência" deste blog, sem dúvida.]

Ontem, numa maratona legislativa, foram aprovadas, em Portugal, alterações à lei da interrupção voluntária da gravidez (IVG). Segundo me informei, estas consistiram na introdução de taxas moderadoras, na obrigatoriedade de aconselhamento psicológico e social e de consultas de planeamento familiar para as mulheres que decidam fazê-la e no fim do registo dos médicos objectores de consciência.

Até aqui, a IVG esteve isenta de taxas moderadoras por ser considerada um cuidado materno-infantil. Reconheçamos o paradoxo: havia isenção por estar grávida, mas a intervenção era para deixar de o estar. Segundo me consta, uma colonoscopia tem uma taxa moderadora de 14 euros. É obviamente preciso pôr a malta a pagar o exame, caso contrário estariam semana-sim-semana-não de rabo para o ar (literalmente), a enfiar um tubinho ânus acima, que é sempre uma coisa agradável e um bom pretexto para só comer gelatina 3 dias seguidos. O mesmo para um aborto. Nesse sentido, não me choca a introdução de taxas moderadoras. Não me surpreende, digo melhor. Faz parte de uma ideia de que os portugueses são masoquistas - o que, vendo certas coisas, é capaz de não ser completamente disparatado... E, portanto, há que moderá-los na algaliação, nos pensos a amputação com necrose e, claro, no aborto.

Já a obrigatoriedade de aconselhamento psicológico e social tem ar de coisa de sádicos. Uma espécie de bullyingzinho sobre mulheres que tomem a opção - inimaginavelmente difícil - de terminar uma gravidez. Os defensores da proposta falam num direito das mulheres. Assim muito de repente, parece-me que o direito se acaba onde entra a obrigação. Eu acho, sem sombra de dúvida, que a decisão deve ser feita com acesso à informação. Informação que deve ser disponibilizada, não impingida. Mas, já agora, por princípio, acho que as nossas decisões devem ser todas tomadas em consciência. Que me dizem de termos vegans eco-freaks nos talhos do supermercado?! Para que optemos informadamente por carne ou legumes. Ou sermos obrigados a ir a vários templos antes de adoptarmos uma religião. Tudo a nosso bem, claro.

Quanto ao fim do registo dos médicos objectores de consciência, nada a obstar. Como defensora incansável do direito à privacidade, apoio. Só acho curioso que os mesmos que a aprovaram queiram os nomes de pedófilos escarrapachados.

2 comentários:

  1. Tenho dificuldade em perceber como é que num hospital que tenha mais que uns 10 obstetras a objeção de consciência pode ser implementada sem haver, nalgum lado, um lista dizendo quem são os objetores.

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    1. Essa informação tem de existir sempre algures (nem que seja na cabeça das pessoas que tem de fazer a lista de quem vai realmente fazer a operação). Tem que ser divulgada publicamente? Não vejo que tenha de ser, e tanto quanto sei a anterior legislação não o obrigava. A unica vantagem da divulgação era permitir mostrar que existem médicos que no público são "objetores de consciencia" depois fazem a intervenção no privado.

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