quinta-feira, 2 de julho de 2015

Não se pode “desinventar” o euro?

Em Portugal, desde o início, a criação da moeda única foi recebida pelos partidos maioritários com expectativas bastante positivas sobre os seus efeitos. Além disso, era vista como indispensável ao processo de reforço da integração europeia. Como escreveu Medeiros Ferreira no seu último livro, “Não há mapa cor-de-rosa. A história (mal) dita da integração europeia”: “A oligarquia portuguesa foi europeísta com a mesma mentalidade acrítica com que fora colonialista até à exaustão.”
Foi, por consequência, sem grande debate interno que, em Abril de 1992, Braga de Macedo, o Ministro das Finanças do Governo de Cavaco Silva, fez o escudo entrar no Sistema Monetário Europeu e, a 10 de Dezembro de 1992, a Assembleia da República aprovava, para posterior ratificação pelo Presidente da República, o Tratado da União Europeia ou Tratado de Maastricht. Esse documento definia o caminho para a moeda única. A consequência lógica destas decisões era a adesão ao euro, processo concluído por Sousa Franco, Ministro das Finanças de António Guterres, em 1999.
A 1 de Janeiro de 2002, o euro era lançado em circulação. Em Portugal, na imprensa, regra geral, o tom foi de celebração e euforia com “este simples e prodigioso testemunho (…) legado por uma geração ímpar de homens convictos e corajosos” (Público, 02-01-02).
Aqui e acolá, vislumbravam-se algumas sombras, mas o lançamento do euro em Portugal gerou um enorme consenso mediático.
A crise financeira internacional, a quase bancarrota de Portugal em 2011, o subsequente pedido de “ajuda internacional” em maio desse ano, as consequências do “programa de ajustamento” colocaram em questão a integração na zona euro. Hoje já ninguém tem dúvidas de que o euro foi mal desenhado, e a zona euro tem-se revelado negativa para quase todas as partes envolvidas. Curiosamente, os alemães, que não desejavam nenhuma moeda única, foram dos poucos a sair, até ao momento, beneficiados nesta história, e a Alemanha assumiu finalmente um domínio político proporcional ao seu poderio económico, coisa que antes nunca tinha acontecido.
O euro foi um erro crasso. Pela calada, os políticos entregaram de bandeja grande parte da soberania do país, da qual a moeda é o seu símbolo por excelência. Como escreveu João Ferreira do Amaral em “Porque devemos sair do euro”: “Foi a maior capitulação do país desde as cortes de Tomar de Abril de 1581, que consagraram o domínio de Filipe II de Espanha sobre Portugal.”
É possível acabar com esta geringonça chamada euro sem abalar o edifício todo? Ninguém sabe. A culpa da embrulhada em que a Europa se meteu não é dos “manga-de-alpaca” que hoje nos pastoreiam por essa Europa fora. Os principais culpados são os “grandes líderes” do passado recente, os tais visionários geniais, que também não fazem a mínima ideia de que como é que se resolve o problema que nos arranjaram.

13 comentários:

  1. Leio, e releio, textos acerca dos "provados" maleficios que o Euro nos trouxe. Sinto sempre falta do contra-factual, como estariamos hoje, como teriamos aguentado (ou não) a maior crise mundial num século, se não estivessemos integrados no Euro?

    A quase bancarrota e o ajustamento dos últimos anos é também sempre referido neste contexto, por vezes dizendo-se que o que nos aconteceu não teria acontecido se não estivessemos no Euro. Não é o caso aqui, vá lá, mas, mesmo assim, diz-se que "colocaram em questão a integração na zona Euro" o que levará muita gente a pensar que melhor seria não estarmos no Euro, tudo teria sido mais simples.

    Pois se virmos apenas a história das duas décadas anteriores ao Euro, encontramos não uma, mas duas bancarrotas. E, pelo menos eu, lembro-me bastante bem da fome que muito Portugueses tiveram nos idos de 1983-84. Tudo sem Euros.

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  2. O problema não é o euro; o problema é Portugal. Se Portugal não fizesse parte do euro estaria numa situação semelhante. O desmantelamento do sistema produtivo português deu-se pré-euro, com a entrada para a CEE. O que o euro permitiu foi endividamento a custos mais baixos. Se não estivéssemos no euro, aposto que estaríamos endividados na mesma, mas a custos mais altos.

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  3. Nos últimos 50 anos, a década de pior crescimento de Portugal coincidiu com a adesão ao euro. Os países que crescem mais na Europa estão fora do euro. A erupção dos nacionalismos e o crescimento dos partidos de extrema direita e extrema esquerda também coincidiram com o euro. Podem ser só coincidências, mas duvido. O principal problema é político. A Europa ao ter dado um passo maior do que as pernas pode ter deitado fora a criança com a água do banho.

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    1. Sim, mas há uma tendência em Portugal de pensar que a resolução dos problemas vem de fora. Aderir à CEE, e depois ao euro, não foi visto como uma oportunidade de nos esforçarmos para ir numa direcção diferente. A atitude geral era que isto era uma oportunidade de crescer sem que nos tivéssemos de esforçar tanto.

      Para além disso, contaram muito mais as aparências do que a substância: era muito mais importante pertencer ao clube dos ricos do que negociar de modo a preservar a agricultura e a indústria. Havia a percepção que só países pobres investiam em agricultura e indústria; os países ricos apostavam nos serviços. Houve uma confusão acerca do que são as causas e as consequências do crescimento. O euro não foi vantajoso, mas olha para a Irlanda--eles eram tão ou mais pobres do que nós e crescem e têm um nível de vida melhor do que o nosso. A única coisa que fizeram mal foi pensar que cresciam através do crescimento do sector bancário.

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    2. Coincide com o euro. Também coincide com o alargamento da UE aos países da Europa de Leste. E com a entrada da Índia e da China no jogo do comércio mundial. Mas acho que destas três coincidências, as últimas duas têm maior relação de causalidade.

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    3. Concordo em grande parte contigo. Também acho que não vamos a lado nenhum pondo sempre as culpas nos outros (mesmo havendo uma parte de verdade nesse passa-culpas). O Portugal cometeu muitos erros, antes e depois de entrar no euro. Mas continuo a achar que o euro foi um erro, e os políticos portugueses fizeram tudo nas costas das pessoas, sem nenhum debate ou esclarecimento. As elites, como diz o Medeiros Ferreira, que até teve um papel fundamental na adesão de Portugal à CEE como Ministro dos negócios estrangeiros,, aceitaram acriticamente a integração. O Medeiros Ferreira dizia que não há nenhum mérito em ser "bom aluno" quando os mestres são maus, e em parte foi isso que os nossos governantes não perceberam

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    4. Bem, já vi que estou um bocado isolado aqui no blogue em relação ao euro. Sinto-me um bocado grego.

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  4. Não acho que o problema seja o euro (que evidentemente causa constrangimentos no processo de ajustamento). Como referiu o Carlos acima, nas últimas 4 décadas (no pós-25 de abril) tivemos duas intervenções do FMI. O que esses dados me parecem mostrar é que temos um problema de controlo das contas públicas em democracia. O euro pode até ser um mecanismo disciplinador. Infelizmente, na primeira década do euro os desequilíbrios acumularam-se como nunca tinha acontecido (por ausência de mecanismos de alerta inequívocos).

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    1. Certo, tivemos duas intervenções do FMI, mas a recuperação do país foi muito mais rápida. Havia fome, diz o Carlos, na última intervenção, claro, Portugal era um país muito mais pobre do que é hoje.

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  5. é verdade que faltam instrumentos de ajustamento (e já agora que a conjuntura internacional, sobretudo em relação aos anos 80 foi incomparavelmente mais desfavorável), mas também os desequilíbrios também são agora muito maiores.

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  6. Dois problemas primordiais: imoderação salarial em Portugal e imoderação regulamentar de Bruxelas.

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  7. Na mouche. Uma coisa que o artigo nao refere e que tudo isto era previsivel a luz de teorias economicas com barbas e bem aceites por toda a profissao. Milton Friedman e Paul Krugman, para dar exemplos de inclinacoes politicas opostas, alertaram na altura para os mesmos perigos: choques assimetricos, pouca mobildade laboral, falta de integracao das politicas orcamentais. Os grandes lideres que nos trouxeram ate aqui ignoraram que a moeda e bem mais que um simbolo, e uma ferramenta essencial de gestao macroeconomica e, como diz o artigo, de exercicio de soberania.

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