segunda-feira, 6 de julho de 2015

Grécia: o que eu gostaria que acontecesse agora

Em linhas gerais, e sabendo que há muitos demónios nos pormenores, o que desejo é:

1. Que o BCE compre a dívida pública grega que, na sequência dos resgates, está nas mãos de entidades públicas europeias e que a substitua por dívida com as seguintes características:
 i) taxa de juro igual à taxa de inflação acrescida de uma margem pequena (semelhante a uma taxa de juro "sem risco");
 ii) plano de reembolso dependente da evolução do PIB grego;
 iii) nomeadamente, não haverá reembolsos nem pagamentos de juros até que o PIB grego recupere uma parte substancial do que perdeu nos últimos anos.
2. Que a dívida pública grega não seja usada como colateral para empréstimos do BCE enquanto a dívida pública grega em percentagem do PIB estiver acima de um certo nível (significativamente inferior a 60%).

3. Que os bancos europeus não possam adquirir, directa ou indirectamente, dívida pública grega até que a dívida pública grega em percentagem do PIB seja suficientemente baixa. (Com esta condição, o ponto anterior pode eventualmente não ser necessário.)

4. Que o governo grego fique sujeito a limites ao endividamento. (Para reduzir a probabilidade de esse endividamento vir a prejudicar o reembolso da dívida já existente, mas deixando alguma margem de manobra ao governo grego.)

5. Que o acesso à liquidez por parte dos bancos gregos seja reforçado, ou através do BCE, ou através de aumentos de capital, ou através de um pacote semelhante ao que foi aplicado em Portugal. (Para permitir, a prazo, a reabertura dos bancos.)

6. Que o governo grego se declare satisfeito com os pontos anteriores e, portanto, considere ultrapassadas as questões relativas à dívida e à eventual saída da área do euro. (Eventualmente, poderia ser assinado um novo memorando no qual o governo grego também se comprometeria a tomar alguma medida indiscutivelmente positiva ou, pelo menos, inócua.)

Creio que um acordo deste género será inaceitável para os dirigentes europeus. Por um lado, teriam de desdizer o que disseram nos últimos tempos e desagrar aos seus eleitores mais assanhados (que parecem ser numerosos). Por outro lado, asseguraria ao Syriza pelo menos uma década de poder na Grécia e aumentaria a probabilidade de o Podemos ter um bom resultado nas próximas eleições em Espanha. Além disso, nos pontos apresentados há inúmeras ilegalidades face à legislação europeia.

Da parte grega, o principal custo seria o facto de o acesso a financiamento ficar restringido até que os níveis de dívida voltassem a níveis baixos - até lá, a Grécia não seria um país "normal" da área do euro. Se o governo grego quisesse gastar mais do que as suas receitas, teria de encontrar outras fontes de financiamento e, se as suas propostas não fossem credíveis, certamente a taxa de juro reflectiria a percepção de um risco elevado - os mercados iriam impor alguma disciplina às finanças públicas gregas. Claro que se a intenção verdadeira do governo grego for sair do euro, então este acordo também não será aceitável para o governo grego, independentemente de tudo o resto.

Apesar de tudo (nomeadamente, das dúvidas que ainda tenho sobre o assunto), até ver (ou até ler os comentários), julgo que um acordo deste género seria, se fosse possível aplicá-lo, a solução com menos custos para a Europa.

2 comentários:

  1. Os pontos 3 e 4 serão inaceitáveis por outros governos que teriam medo que lhes aplicassem o mesmo remédio - vide Itália e França para não irmos mais perto... A Grécia é única a conjugar um elevado duplo défice - público e externo. Por isso, crescer só com injecção de euros OU com reformas estruturais (levam muitos anos) OU deflação interna de factores. Para isso, que remédio há?

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  2. Na realidade quem mais dificilmente aceitaria este tipo de solução seria mesmo o Syriza, creio. Mas mesmo que aceitasse, não seria preciso mais que alguns meses para ficar evidente o enorme desastre que se anuncia nas contas deste ano. Qualquer esperança de um (magro) superavit é agora miragem.

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