quinta-feira, 2 de julho de 2015

Re: Não se pode "desinventar" o euro?

Dois posts atrás, o José Carlos Alexandre afirma que "hoje já ninguém tem dúvidas de que o euro foi mal desenhado, e a zona euro tem-se revelado negativa para quase todas as partes envolvidas". Eu, que europeísta me confesso, reconheço que houve erros de concepção. Mas, ao contrário do que ele parece sugerir, eu acho que o projecto pecou por defeito. Na minha opinião, a moeda única devia ter sido criada conjuntamente com uma série de instrumentos que não estiveram presentes no seu nascimento (e muitos continuam sem estar). Em particular, um orçamento comunitário digno desse nome, ou seja, capaz de desempenhar uma função estabilizadora. Obviamente, isso implicaria transferir competências numa área sensível, secularmente ligada à afirmação da soberania. Não foi possível. E percebe-se que não tenha sido. Há duzentos anos, britânicos e prussianos eram aliados na luta contra as pretensões hegemónicas da França napoleónica. Há cem, franceses e ingleses combatiam juntos uma Alemanha invasora. Com esta História, um sentimento de pertença a algo comum é difícil de forjar. Somos portugueses, austríacos, finlandeses antes de sermos europeus. E, por isso, em alternativa, forjou-se uma moeda única, um pouco à revelia dos cidadãos, numa fuga para a frente. O euro nasceu coxo.

Se a convivência fica facilitada pela prosperidade ou pela existência de um inimigo partilhado, quando estes desaparecem, o que nos separa torna-se mais visível. O euro nasceu numa época em que o mundo ocidental começava a perceber que China e Índia não iam, uma vez trazidas para o jogo do comércio internacional, conhecer revoluções liberais a curto prazo - e ocorridas num prazo curto, porque agora os acontecimentos sucedem-se mais velozmente. Na verdade, a China consegue a proeza de ser simultaneamente comunista e capitalista, que é coisa que muito deve ter admirado os membros da OCDE. O quadro mental é outro (tal como era o africano, que quisemos à força modificar, com os resultados que estão patentes). E, portanto, o rendimento do Oriente tem vindo a aproximar-se do do Ocidente, mas numa lógica de vasos comunicantes. E isso explica, a meu ver, a constatação que o José Carlos faz, já na parte dos comentários, de que, desde a introdução do euro, as taxas de crescimento têm sido desoladoras.

Este processo atingiu especialmente países como Portugal. Desde logo, porque tinha um padrão de especialização muito trabalho-intensivo. Comparados com os luxemburgueses, os salários portugueses são bastante baixos. Mas aquilo que se ganha para lá dos Urais é outro campeonato, onde não podemos - nem queremos! - competir. Portanto, não nos teria restado outra opção senão reestruturarmos a nossa economia. Tivemos 10 anos para o fazer; não sem custos, não sem sacrifícios, mas com mais calma e em melhores condições. Mas, como bem diz a Rita Carreira (também num comentário), "há uma tendência em Portugal de pensar que a resolução dos problemas vem de fora". E miraculosamente, acrescento eu. É a nossa queda para o sebastianismo. Por isso, não nos preparámos devidamente para o enorme desafio que teríamos de enfrentar.

Tal como não preparámos a entrada no euro. A consolidação orçamental que nos permitiu cumprir o critério do déficit resume-se facilmente a receitas de privatizações combinadas com poupanças em juros da dívida pública, cujas taxas desceram nas perspectiva da adesão ao então ECU. E, uma vez admitidos no clube da moeda única, tratámos de não aproveitar o privilégio. Ou seja, sou capaz de concordar que o euro não foi para nós, mas por culpa própria. Porque nos comportámos como aqueles alunos que vão para uma escola manhosa, onde as notas são inversamente proporcionais à exigência e ao saber transmitido, só para conseguirmos a média necessária à entrada na faculdade de elite; e, uma vez nesta, em vez de percebermos que íamos ter de estudar muito mais porque nos faltavam as bases, achámos que estava tudo feito. Só precisávamos de topar quem eram os bons alunos que nos iam deixar colocar o nome no trabalho para termos a nota. Surpresa: o professor fez-nos perguntas na apresentação! E, afinal, a balança de pagamentos não tinha deixado de ser irrelevante e, afinal, não tínhamos todos o mesmo risco aos olhos dos mercados.

3 comentários:

  1. Percebo pouco de Economia, mas sei alguma coisa de metáforas. O mal de Portugal não terá sido ter-se emborrachado logo na recepção ao caloiro e ainda não ter recuperado na queima das fitas?

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    1. É uma boa metáfora. Uma grande bebedeira de juros baixos. Ainda por cima, não estávamos habituados a esse tipo de bebida, a seguir veio a ressaca

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    2. E seguindo na metáfora. Se houvesse no tasco um Banco Central a cumprir a sua função e a dizer com medidas macroprudenciais - agora não bebes mais - talvez a carraspana não chegasse ao ponto a que chegou.

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