quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

A reacção dos governos europeus à crise no mercado de trabalho

Nos dois últimos anos o meu trabalho na Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi dedicado ao estudo do modo como os governos da União Europeia (UE) tentaram combater os efeitos negativos da crise financeira nos mercados de trabalho.
O texto que se segue é uma tradução livre do resumo dos resultados deste projecto, que tenta ser ao mesmo tempo informativa e acessível a qualquer leitor. O relatório completo (em inglês) pode ser consultado clickando aqui.


A reacção dos governos da UE à crise: o trabalho feito e o caminho a seguir

Sete anos após a crise financeira atingir a Europa, os mercados de trabalho um pouco por toda a UE continuam a registar níveis de desemprego muito superiores àqueles observados antes da crise.

Para melhor perceber a dinâmica destes mercados de trabalho, as medidas implementadas no sentido de melhorar o seu funcionamento e o porquê da sua estagnação, a OIT analisou mais de 500 medidas implementadas na UE entre 2008 e 2013. As conclusões podem ser resumidas em cinco observações.



1. Os governos reagirem rapidamente aos efeitos negativos da crise

Assim que os efeitos negativos da crise se começaram a fazer sentir nas economias e mercados de trabalho europeus, os governos agiram rapidamente de modo a tentar minimizar esses mesmos efeitos. Esta reacção é facilmente ilustrada através do vasto número de medidas implementadas entre 2009 e 2010.

Estas intervenções por parte dos governos tiveram como objectivos principais proteger os trabalhadores, auxiliar os desempregados e  apoiar as empresas em dificuldades.


2. No entanto estes esforços diminuíram rapidamente por motivos de consolidação orçamental.

O decréscimo abrupto do número de medidas implementadas após 2010 deveu-se principalmente às limitações orçamentais enfrentadas pelos governos de quase todos os estados membros.

O papel destas limitações orçamentais foi particularmente evidente na ausência de um aumento significativo do investimento em medidas activas de emprego em muitos dos países. Esta falta de investimento é particularmente preocupante dado o aumento dos níveis de desemprego por toda a UE, assim como o aumento paralelo da duração média desses períodos de desemprego. Dentro desse cenário, este tipo de medidas é essencial no combate aos efeitos devastadores que estes períodos de desemprego podem ter nos trabalhadores quer a nível económico quer a nível social.

O aumento do desemprego levou também a uma redução na percentagem de desempregados com acesso a subsídios de desemprego, redução essa que foi superior a 10% em 11 estados membro.
Adicionalmente, em 23 estados membros observou-se também uma descida do valor dos subsídios de desemprego (quando comparado com o salário mediano da respectiva economia).


3. As medidas que mais beneficiaram os trabalhadores tentaram melhorar seus os direitos, ajudar os desempregados a encontrar emprego ou ajustar o salário mínimo.

As medidas estudadas no âmbito deste projecto tiveram em particular atenção formas atípicas de trabalho tais como trabalho em part-time, contractos a prazo ou emprego por conta própria. Cerca de 70% das medidas nesta área foram dedicadas à prevenção dos abusos aos quais os trabalhadores nesse tipo de contractos estão particularmente vulneráveis, como por exemplo o uso excessivo de contractos a prazo consecutivos. Simultâneamente, observou-se um esforço por parte de diversos países para melhorar o enquadramento jurídico das agências de emprego temporário.

Dos 20 estados membros com salários mínimos na UE, apenas sete não o aumentaram entre 2008 e 2013. Durante o mesmo período observou-se um aumento do número de países que optam pela definição do salário mínimo a nível nacional, uma tendência que já vinha a ser observado antes da crise.

Uma em cada quatro medidas examinadas pode ser classificada como medida activa de emprego. Estas medidas tiveram como objectivo ajudar os trabalhadores desempregados a encontrar emprego, e envolveram maioritariamente programas de treino/formação ou incentivos à criação de novos postos de trabalho por parte das empresas.

Por outro lado, melhorar a qualidade dos serviços prestados pelos centros de emprego foi um objectivo merecedor de pouca atenção por parte da maior parte dos governos durante o período analisado.


4. Medidas que beneficiaram principalmente as empresas foram implementadas tendo em vista uma maior flexibilização dos mercados de trabalho.

Facilitar o despedimento de trabalhadores foi um dos meios pelos quais os governos tentaram atingir este objectivo. No entanto, a análise efectuada demonstra que tais medidas levaram a um aumento da destruição de postos de trabalho, sem que um correspondente efeito positivo na criação de postos de trabalho se tenha verificado.

Diversos países tentaram também promover as formas de trabalho menos comuns, tornando para tal os contractos de trabalho mais flexíveis e aumentando os incentivos para que os trabalhadores se tornassem trabalhadores por conta própria. Medidas para tornar os horários e a organização do trabalho em geral mais flexível foram também adoptadas para ajudar as empresas  em dificuldades a resistir aos efeitos da crise sem recorrer a despedimentos.

Muitos estados membro implementaram também medidas dedicadas à promoção da descentralização do diálogo social. No entanto, estas medidas não se traduziram até  2013 num aumento do número de acordos assinados ao nível das empresas. O diálogo com os parceiros sociais ao nível sectorial continuou a ser uma importante âncora das relações industriais na UE.


5. Há ainda muito trabalho pela frente.

Apenas uma política laborar consolidada ao nível da UE permitirá aos seus estados membros recuperar da maior recessão na história da UE.

Mesmo que possa implicar no curto prazo um maior nível de despesa pública, apenas uma dedicação contínua e coordenada dos governos ao melhoramento do funcionamento dos seus mercados de trabalho e das suas instituições permitirá que estes recuperem a sua dinâmica e vitalidade.

Apenas assim será possível garantir a criação de mais e melhores empregos na UE e desse modo ultrapassar os graves problemas economico-sociais gerados pela crise financeira de 2007-08.

9 comentários:

  1. "O diálogo com os parceiros sociais ao nível sectorial continuou a ser uma importante âncora das relações industriais na UE."
    parao ps+be+pcp parece não ser.

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  2. Não concordo que a crise financeira tenha sido a fonte dos problemas da UE, apenas os antecipou. Concordo contigo que há falta de integração de políticas. Também acho que a maior mobilidade dos trabalhadores dentro da UE acaba por exacerbar os problemas orçamentais nacionais.

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  3. "Medidas que beneficiaram principalmente as empresas foram implementadas tendo em vista uma maior flexibilização dos mercados de trabalho."

    Os resultados esperados destas medidas para mim sofreram muito de "óculos cor de rosa ideológicos". Se numa economia eficiente com perspectivas de crescimento elevado se pode esperar que a flexibilização dos mercados de trabalho traga benefícios de permitir mais facilmente às empresas encontrar os empregados que precisam (e "arriscar pouco" ao contratar) numa economia pouco eficiente com baixas perspectivas de crescimento era de esperar o que realmente aconteceu - as empresas usaram esses mecanismos apenas para fazer um "downsizing" mais económico, e continuaram a não absorver os desempregados. Notem que não estou a dizer que isso não beneficiou as empresas (e indirectamente a economia) pois ao "largar peso morto" e ao poder exigir, devido às condições de mercado, mais dos empregados estas melhoraram pelo menos a curto prazo a sua eficiência. No entanto não me parece que fosse essa a intenção (pelo menos a publicada) dos promotores dessas medidas.

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  4. Se calhar convém explicar que a OIT é uma instituição independente, que tem como mandato representar do mesmo modo trabalhadores, empresas e governos, por isso a análise do relatório não sofre de nenhum problema de "óculos ideológicos", sejam eles de que cor forem.

    A análise que fazemos ao caso dos despedimentos, e que eu alargo na minha tese de doutoramento, sugere que realmente facilitar os despedimentos antes da crise tinha efeitos positivos que não se verificam durante a recessão. Ou seja, facilitar despedimentos pode ser a política certa, mas só resulta em períodos de crescimento. Assim sendo, fica a questão mais importante e difícil na minha opinião: Uma medida certa na altura errada será melhor ou pior que a ausência completa dessa medida?



    Rita, concordo contigo. A nossa análise toma a crise e as consequências como adquiridas. Os problemas, sendo gerados pela crise ou existindo anteriormente e tendo sido apenas expostos pela crise (como eu acredito, e pelo que percebi tu também), seriam alvo do mesmo tipo de análise, e penso que as conclusões seriam as mesmas.
    No entanto, nós não fazemos qualquer consideração sobre o quão exequível politicamente as medidas que recomendamos podem ser ou não. Se adicionares a dimensão à análise, então a génese dos problemas ganha importância acrescentada imediatamente.

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    1. "... a análise do relatório não sofre de nenhum problema de "óculos ideológicos", sejam eles de que cor forem."

      Não estava a acusar o relatório/a OIT desse viés, mas sim de quem propôs/defendeu as medidas aquando da sua implementação. E não estava a dizer que foram/são os únicos a sofrer desse mal.

      Em relação à questão mais difícil, será que uma medida que uma medida que funciona como desejado em certas ocasiões e ao contrário do que desejamos noutras pode-se qualificar como "a medida certa" sem mais, sem recorrer a qualquer fundamentação ideológica? Eu acho que em Economia Politica existem muitos objetivos/fins "certos", mas tenho muita dúvida em atribuir essa qualificação a qualquer tipo de medida/meio.

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    2. Peço desculpa se a minha resposta foi um bocado agressiva demais, só queria defender a minha causa, e esclarecer que o texto é baseado num trabalho científico que tenta ser o mais objectivo possível, e não depender de qualquer ideologia política dos autores (em que me incluo).

      No caso concreto a que me refiro os resultados são os seguintes: na recessão, facilitar despedimentos leva a destruição de emprego e não tem impacto na criação. Nos períodos de crescimento, leva a criação de emprego não tendo impacto na destruição.

      Nesta discussão, há duas questões diferentes: A primeira é se se concorda a não que era preciso facilitar até certo ponto o despedimento de certos tipos de trabalhadores no mercado de trabalho, principalmente aqueles com mais direitos adquiridos. E a segunda é, caso se acredite que era necessário facilitar esse despedimento, saber/decidir se fazê-lo na altura errada é ou não preferível a não o fazer seja quando for. Eu pessoalmente não tenho uma resposta ou uma opinião muito definitiva seja em que sentido for, no que toca a esta segunda pergunta.

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  5. Em principio estou de acordo contigo. Tenho uma dúvida: tens em atenção que há empresas que no período de recessão sobrevivem graças à possibilidade de despedir trabalhadores?
    Ou seja, ao se tornar o despedimento mais fácil, em recessão, eu vejo dois efeitos de sinal contrário: aumentar os despedimentos, como argumentas, evitar que tantas empresas acabem na falência, salvando assim alguns postos de trabalho. Especificamente para Portugal, tens estas duas hipóteses em consideração?

    PS Não li o trabalho.

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    1. Luis, não sei até que ponto isso terá efeito nas empresas nacionais. O nosso código do trabalho é muito "compreensivo" (se quiseres) com os despedimentos colectivos, tem é problemas com os despedimentos individuais.

      Uma empresa em situação de risco terá sempre tendência não em despedir um ou dois trabalhadores, mas sim fechar sectores / linhas, que já é relativamente fácil.

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  6. Não, nós olhamos só para os valores das taxas de transição entre emprego e desemprego (unemployment inflow & outflow rates). Depois usamos as medidas na nossa base de dados para identificar que países facilitaram os despedimentos e quando (controlando para uma série de factores).

    Ou seja os resultados devem ser lidos como: a partir de o momento que um país facilita os despedimentos, os trabalhadores passam a ter uma probabilidade maior de ser despedidos (ou de transitar para o desemprego, se quisermos ser mais precisos).

    Concordo que o efeito na taxa de sobrevivência das empresas seja importante, o problema é que não é facilmente mensurável, pelos menos com dados macro - principalmente de maneira comparável entre tantos países.

    E não penso que mude em muito os resultados, mas talvez mude a interpretação. Ou seja o efeito não deixa de existir, a questão seria se esse efeito na sobrevivência das empresas não o mitiga de certo modo. Mas teria que mitigar esse efeito a um nível bastante elevado para puxar a balança a favor desse tipo de medidas.

    De qualquer forma, a análise é feita em painel, penso que um policy maker deve ler os resultados mais como: "medidas destas devem ser ponderadas, e o seu impacto estimado com cuidado pois podem ter efeitos negativos" em vez de "estas medidas vão causar de certeza um aumento do desemprego se as aplicarem numa recessão".

    Eu sei que se calhar te respondi com detalhe a mais, mas pode ser útil para outras pessoas.

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