quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

“Contra os canhões, marchar, marchar!”

“Contra os canhões, marchar, marchar!”. Há quem diga que devíamos rever a letra do hino nacional, adoptado em 19 de junho de 1911 - a última versão da letra data de 16 de Julho de 1957, aprovada em Conselho de Ministros. É uma velha questão. “A portuguesa”, composta em 1890 por Henrique Lopes de Mendonça (letra) e Alfredo Keil (música), como reacção à humilhação imposta pelos ingleses aos portugueses com o ultimato, estaria desactualizada. Que povo marcharia contra os canhões? Só um povo louco e suicida, argumentam alguns. Não concordo com a tese. "A portuguesa" é bastante actual.
Os avisos de tempestade acumulam-se. Na semana passada, foi o relatório do Royal Bank of Scotland a anunciar um cataclismo económico para breve. Agora é William White, presidente do Comité de Avaliação da OCDE, a dizer mais ou menos o mesmo. Estamos pior do que em 2007. Já foram gastas todas as munições na anterior crise e as dívidas não pararam de aumentar. Entretanto, economias emergentes como a China e o Brasil passaram também a fazer parte do problema. O LA-C pede mais prudência ao governo. A Rita não se cansa de acenar do outro lado do Atlântico, a chamar a atenção para as loucuras e vergonhas que nos assolam todos os dias. Numa palavra, desta vez não deixámos o Medina Carreira sozinho no deserto a gritar que vinham aí as sete pragas do Egipto. Perante isto, o que faz o nosso sábio governo? “Contra os canhões, marchar, marchar!”

31 comentários:

  1. Muitas pessoas associaram os canhões com o salazarismo e a guerra colonial, daí gostarem pouco da letra deste hino, mas isso vai passando.

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  2. Olha lá, na versão inicial não se marchava contra os canhões mas sim contra os bretões. Precisamente por ser uma reacção à humilhação imposta pelos ingleses.
    Portanto, marchar contra os canhões já corresponde a uma interessante actualização.

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    1. Tens razão, isso não está claro no texto. Obrigado pela precisão.

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    2. Gostava de ter a certeza certa dessa história dos bretões.

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    3. O LA-C tem razão. Na versão original de "A Portuguesa" de 1890, o verso era:"Contra os Bretões marchar, marchar". Em 1957 (a actual versão) substituiu-se Bretões por canhões.

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    4. Tudo porque não gostavam do cor-de-rosa. Olha que há cada taradice.
      Se calhar não devia dizer isto, a minha filha mais velha também detesta o cor-de-rosa. Se visse o mapa, provavelmente, fazia como os ingleses e rasgava-o.

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    5. Peço desculpa de ser tão marrativa, mas queria ter a certeza de que não é um mito urbano. Link? :-)

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    6. Não é marrativa, é mais preguiçosa. Se fizer uma pesquisa no google com o verso "contra os bretões marchar, marchar" encontrará milhares de links. Não sei o que consideraria credível. Eu diria que este blogue é mais credível do que a maioria dos links que poderá encontrar.
      Um que me pareceu engraçado é este, do Regimento de Lanceiros:
      http://www.exercito.pt/sites/RL2/Publicacoes/Documents/UDiaHP/47.pdf


      Mas isto vem nos livros. Por exemplo, este: http://www.wook.pt/ficha/era-uma-vez-a-republica/a/id/9596266

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    7. No outro dia narrei aos meus colegas os eventos pós-ultimato, em escalagem crescente - abreviadamente, morte de um rei, fim de um regime, entrada na guerra para legitimar o novo regime, fim do novo regime, ditadura, Cavaco Silva. Acharam todos muita graça (não faziam a mais pequena ideia de ter existido um ultimato). Foram pesquisar à net e criaram esta fábula de que aquilo foi todo um exagero nosso. Que eles só enviaram um batelzinho para ir buscar o embaixador, e nós começamos logo um motim. Com alguma graça, durante algum tempo usavam isso sempre que eu expressava alguma desconfiança em relação a alguma coisa - vocês portugueses são muito desconfiados!

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    8. Sim, preguiçosa eu sou (marrativa também). Mas tinha a ideia de há uns tempos atrás ter verificado se a informação (duma fonte altamente incredível) estava correcta ou não. Mas, claro, mesmo as fontes mais incredíveis podem dar informações correctas. Provavelmente não o fiz. E nessa altura só lia a Destreza mês sim mês não.

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  3. Zé Carlos, um dia prendem-me na fronteira. Não me deixam entrar.

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    1. E quando isso acontecer, pões um post na Destreza a denunciar e armamos um banzé tal que te pedem desculpa e pagam-te a viagem.

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    2. Sim, no que concerne a banzé também podem contar comigo!

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  4. Pois, banzé era bom. Mas é eterna história: como?

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  5. Uma cópia de 189X, aqui: http://catalogo.bnportugal.pt/ipac20/ipac.jsp?session=145GT85730901.63728&profile=bn&uri=full=3100024~!567616~!3&ri=6&aspect=subtab98&menu=search&source=~!bnp&ipp=20&staffonly=&term=hino+nacional&index=.GW&uindex=&aspect=subtab98&menu=search&ri=6&addkeys=bkey1186363&addkeys=bkey1153877&addkeys=bkey567611&addkeys=bkey567616&addkeys=bkey1186355

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  6. E o pdf aqui dessa edição: http://purl.pt/77/4/cic-78-a_PDF/cic-78-a_PDF_24-C-R0100/cic-78-a_0000_rosto-3_t24-C-R0100.pdf

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  7. E sim, se a biblioteca nacional indexa corretamente os seus livros então bretões e fantasmas é coisa que não existe. Vejam página 3....

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  8. Zé Carlos, penso que fica demonstrado que este link do Abel Lisboa que a Isabel PS tinha razão. Tens de investigar e fazer um 'post' sobre isto.

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  9. Não sou especialista no assunto. Lembro-me de ter lido um artigo académico que dizia que surgiram várias versões de "A portuguesa", e numa delas apareciam os bretões. Em 1956, o governo encarregou uma comissão de apresentar uma versão oficial, essa proposta foi aprovada em conselho de ministros em 16 de julho de 1957. O que eu não sabia, e o tal artigo não sugeria isso, é que os canhões já lá estavam numa das versões anteriores a 1957, que é a actual. Mas, pensando bem, quando "A portuguesa" se tornou hino nacional em 1911, já lá deviam estar os canhões. Numa versão oficial não podíamos marchar contra os bretões, os nossos aliados, penso eu. A Isabel PS tinha de facto alguma razão nas suas suspeitas

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    1. Mas repara que se a informação estiver correcta, então esta versão é do século XIX. Ou seja, pelo menos muito desde o início que lá estavam os canhões.
      Depois de algumas pesquisas, parece-me que a principal mudança em 1957 foi reduzir o hino ao primeiro terço.

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    2. Pois, é o que sugere o link indicado pelo Abel Lisboa. Os canhões estavam lá desde o princípio. Provavelmente, no século XIX era mais popular a versão com os bretões, por causa do ultimato.

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  10. Entre: 6:30 - 7:00 link: http://videos.sapo.pt/7VfDpEzpnSdO5JYo1YtB

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    1. Está esclarecido. O Nuno Severiano Teixeira é um ilustre especialista em símbolos nacionais e diz que nunca viu nenhuma referência aos bretões. Se calhar, os bretões apareciam apenas numa versão adaptada, cantada pelo povo nos seus momentos de maior patriotismo e excitação contra os ingleses. De qualquer maneira, não há dúvidas: nas versões oficiais e na original do Lopes Mendonça eram os canhões que lá estavam. Os meus agradecimentos à Isabel PS pelas dúvidas levantadas e ao Abel Lisboa pelos esclarecimentos.

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  11. E não é "...a IsabelPS tinha razão. Tens de investigar e fazer um 'post' sobre isto." é mais assim: "Tenho que pedir desculpas por ter dito: "Não é marrativa, é mais preguiçosa. ..."" :)

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    1. ah ah
      Eu e a Isabel somos amigos (de FB). Ela sabe quando estou na brincadeira e quando estou a sério.
      Quem nos conheça sabe que eu escrevo "que este blogue é mais credível do que a maioria dos links que poderá encontrar", só posso estar a ser sarcástico.
      Mas, de qualquer forma, obrigado pela chamada de atenção.
      Forte abraço e, mais uma vez, muito obrigado. Já aprendi umas quantas coisas hoje.

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  12. Tcha-tchan!!!

    Ainda bem que voltei aqui, porque tinha esmifrado os olhos para tentar ler os fac-similes que me apareciam mas não tinham resolução suficiente. Ainda ia ficar convencida da história dos bretões, embora muito a contragosto. É que tinha mesmo um feeling que era tanga. Na versão oficial, claro. Que a versão popular metesse de preferência bretões, isso dou de barato.

    E sim, costumo ser ultramarrativa nestas coisas, ainda mais que preguiçosa, e o normal seria ter revolvido céus e terra para encontrar a versão original. Mas tinha mesmo aquele feeling...

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    1. A camarada Abel fez esse trabalho por nós. É a vantagem destas coisas em rede. há sempre alguém que vai procurar no sítio certo.

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  13. Da marcha patriótica A Portuguesa nunca constou, que tenha conhecimento, o refrão “contra os bretões”, mas sempre “contra os canhões”.
    Bem sei que é chover no molhado, pois a lenda de “contra os bretões” está amplamente divulgada, é tomada como certa e inclusivamente ensinada nas escolas, apesar de não ter qualquer fundamento.
    Basta consultar o original impresso que integra o acervo da Biblioteca Nacional para verificarmos que do mesmo consta “contra os canhões”. Podemos ainda consultar diversos exemplares das primeiras edições publicadas a expensas dos autores e nunca encontramos “contra os bretões”.
    O ultimato inglês ocorreu em 10 de Janeiro de 1890. Em 29 de Março, A Portuguesa foi executada no Teatro de S. Carlos numa versão grandiosa e operática para soprano, coro, orquestra e fanfarra, em Sol Maior. Essa versão foi publicada por ocasião do centenário da República e gravada em CD para memória histórica, dela constando as três estrofes originais, com repetição da primeira. E nela encontramos “contra os canhões”, palavras que, interpretadas poeticamente como referindo-se ao destemor no combate a todas as adversidades, não me parecem suicidárias.
    Rui Ramos, em O Cidadão Keil, 1.ª ed., Publicações Dom Quixote, 2010, ISBN 978-972-20-4377-9, refere que a música foi adaptada a letras mais combativas do que a de Lopes de Mendonça, «o que deve ser responsável pela lenda, ainda corrente, de que a estrofe «contra os Canhões» teria sido originalmente «contra os Bretões» (o que não é verdade).»
    Como não corresponde à verdade que a execução de A Portuguesa tenha sido alguma vez formalmente proibida. O que aconteceu é que uma marcha que começou por ter cariz patriótico e apartidário – composta por um monárquico e homem próximo do Rei, como foi Alfredo Keil - foi apropriada pelo movimento republicano, passando a ser a sua execução pública associada crescentemente ao sentimento anti-monárquico.

    Por ocasião do centenário da proclamação da República, em 2010, o Teatro Nacional de São Carlos/OPART, E.P.E e a Direcção-Geral das Artes promoveram um projecto de edição de partituras e partes instrumentais e de gravação de A Portuguesa com a finalidade de fixar a norma do Hino enquanto símbolo nacional, ficando a tarefa de edição a cargo da Assembleia da República e da Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República.
    Procedeu-se, então, ao levantamento exaustivo das versões existentes do Hino Nacional – de nenhuma consta “contra os bretões” -, tendo sido produzidos diversos materiais – partituras para piano, orquestra, orquestra e solista, orquestra e coro, para banda – que foram distribuídos por diversas entidades. Resta saber se queremos ficar com a verdade dos factos ou se continuaremos a alimentar a lenda.
    Os meus cumprimentos.


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