terça-feira, 26 de abril de 2016

25 de Abril: a cor dos óculos

Hesitei em escrever, primeiro, e publicar, depois, este post.

Não gosto de ser pensado como o velhinho que tem sempre de recordar, perante os mais novos, os tempos que eles não viveram. Muito menos quero parecer censor – todos têm o direito à sua verdade. Por isso mesmo é bom que se tenha sempre presente a célebre quadra de Campoamor que aqui reproduzo:

“Y es que en el mundo traidor
Nada es verdad ni mentira:
Todo es según el color
Del cristal con que se mira”

Na minha verdade, mesmo os que hoje denigrem o 25 de Abril devem-lhe muito: deviam ser mais comedidos.

  

23 comentários:

  1. NOTA: Por muito longo sou forçado a repartir este meu comentário por várias entradas. Pelo facto penhoro as minhas desculpas. O que pretendo transmitir, porém, não cabe, de forma alguma, em apenas 4096 caracteres.


    Caro Varela de Freitas, este seu post deu-me ensejo a um comentário um pouco mais alargado mas que, parece-me, é adequado ao desafio algo velado que me pareceu sentir no seu escrito.

    O que devo eu ao 25 de Abril?

    1) Ter nascido num país onde, caso único no mundo desenvolvido, existe comunismo desbragado, tanto na versão Estalinista, o último resistente na Europa, como na versão pacote cor de rosa. E os dois terem votação expressiva!

    2) Ter nascido num país onde os sindicatos não cumprem com a muito meritória função de defesa dos funcionários, que é a sua, estando, outrossim, ao serviço de agendas políticas totalmente alheias aos funcionários e à sua qualidade de vida. E isto esquecendo já aqueles que não são funcionários por terem-se já aposentado que esses, coitados, não têm quem os defenda.

    3) Ter nascido num país onde o serviço público que, noutros tempos, embora burocrático, estava efectivamente ao serviço da Nação e dos Portugueses, é hoje em dia inconstante e está ao serviço de agendas políticas em prejuízo dos cidadãos, tanto por não terem os seus assuntos tratados com as eficiência e eficácia esperadas, como por terem que pagar com os seus impostos os custos do funcionalismo público. Aquele que devia servi-los mas fa-lo apenas de forma muito deficiente e não por isso a preços módicos.

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    1. Ao receber os mails indicando que o meu comentário já tinha sido publicado reparei que, no meio do corte e costura, cometi um lapso e o ponto 4) ficou esquecido. Escrevo-o neste comentário e deve ser lido entrelinhado no texto original, claro está.

      4) Ter nascido num país que em 22 meses conseguiu arruinar a sua economia e destruir o capital acumulado ao longo de quase 50 anos de trabalho de formiguinha levado a cabo por toda a sociedade sob a superior direcção de sucessivos governos compostos por pessoas capazes, competentes e que sabiam o que estavam a fazer com muito raras excepções.

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  2. 5) Ter nascido num país que tinha sido, outrora, respeitado no exterior mas que muito rapidamente após a abrileirice começou a andar de mão estendida à caridade alheia.

    6) Ter nascido num país que teve uma moeda forte e economia para a sustentar mas que quando eu nasci a força já lá ia e depois do meu nascimento ainda muito mais foi pela ribanceira abaixo.

    7) Ter nascido num país que tinha uma situação financeira invejavel e, três anos depois, teve que pedir ajuda ao FMI. Pedido esse que foi o primeiro de três nos menos de 40 anos que tenho de vida. E se não tivesse sido a adesão à CEE sabe-se lá por onde já iria a contabilidade nesta altura.

    8) Ter nascido num país onde, mesmo tendo sido desbaratada muita da riqueza acumulada nos 48 anos anteriores, conseguiu, em escassos meses, chegar à triste vergonha descrita nos números anteriores.

    9) Ter nascido num país que substituiu o respeito pela riqueza, respeito esse advindo da consciência de que só a poupança, a riqueza e o investimento ponderado podem trazer a prosperidade, por uma mentalidade esquizofrénica de total desrespeito pelo dinheiro e pela riqueza mas que pretende, ainda assim, os frutos da prosperidade.

    10) Ter nascido num país que teve ministros da craveira e qualidades huumanas, técnicas e intelectuais de Oliveira Salazar, Marcello Caetano, Pedro Teotónio Pereira, Baltazar Rebelo de Sousa, Franco Nogueira, Duarte Pacheco, Dias Rosas, Lopo Cancela de Abreu, Cavaleiro Ferreira entre muitos e muitos outros de reputada categoria e que hoje tem que contentar-se com um Passos, um Soares ou um Costa quaisquer.

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  3. 11) Ter nascido num país onde o respeito que em tempos era dado ao médico, ao engenheiro, ao advogado e a tantos outros ofícios de especial relevância para o progresso social é hoje em dia dado numa versão reverencial a fala-baratos diversos que não têm para apresentar como curriculo o que quer que seja mais do que discursos bonitos mas totalmente vazios de conteúdo. E alguns cargos de nomeação política, claro está. Cargos aos quais, antanho, se acedia após mérito precedente e que hoje em dia servem eles próprios como primeiro trampolim para outros vôos. Alguns deles de duvidosa honra.

    12) Ter nascido num país onde, em tempos anteriores, os conceitos de autoridade do Estado, símbolos nacionais, hino e bandeira significavam alguma coisa e eram respeitados pela população no seu global mas onde hoje em dia já nada disto tem qualquer significado e é o único de quantos onde tenho vivido e passado largas temporadas onde os nacionais se mantêm sentados e alheados quando toca o hino nacional e onde a bandeira nacional não está presente nos edifícios públicos mais que em dias de festa. Um país e uma sociedade que se respeitavam e se davam ao respeito mas que hoje em dia nem sabem o que é tal coisa.

    13) Ter nascido num país que não faz justiça aos que lhe fizeram bem, o promoveram e elevaram a qualidade de vida e independencia das populações, preferindo louvar aqueles que tornam o povo cada vez mais dependente e, por conseguinte, mais agrilhetado. Um país onde, outrora, a população se independentizava cada vez mais, onde foi criada a partir de practicamente nada uma classe média com dimensão consideravel e que, após a abrileirice, evoluiu para um país onde, a coberto da democracia, a população vem ficando cada vez mais dependente e restringida nas suas opções.

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  4. 13) Ter nascido num país que não faz justiça aos que lhe fizeram bem, o promoveram e elevaram a qualidade de vida e independencia das populações, preferindo louvar aqueles que tornam o povo cada vez mais dependente e, por conseguinte, mais agrilhetado. Um país onde, outrora, a população se independentizava cada vez mais, onde foi criada a partir de practicamente nada uma classe média com dimensão consideravel e que, após a abrileirice, evoluiu para um país onde, a coberto da democracia, a população vem ficando cada vez mais dependente e restringida nas suas opções.

    14) Ter nascido num país onde liberdade e responsabilidade andavam a par para, posteriormente, ter passado a ser um país onde todos têm direitos mas os deveres não são para ninguém. A responsabilidade, essa, perdeu-se e de tão diluída, não é de ninguém, seja pelo que for. Já para os louros há sempre vários candidatos.

    15) Ter nascido num país que, em tempos idos, foi governado por gente que sabia pensar mais além, que sabia agir ponderadamente e com atenção às consequências da acção governativa mais além dos dois minutos seguintes e que hoje em dia é governado à vista, com a acção regida não pelo bem comum mas sim pelo bem eleitoral de cada um dos partidos.

    Em suma: devo ao 25 de Abril ter nascido num país com o qual não me identifico, que trilha um rumo que abomino e do qual, por isso, tive que sair e exilar-me para sítios mais civilizados, algo que não teria sucedido se se tivesse permitido ao regime anterior a sua evolução natural, calma e ponderada conforme sucedeu em Espanha, no Chile ou no Uruguai, três exemplos soltos.

    Para tudo isto, caro Cândido Varela de Freitas, não é preciso ter vivido os tempos anteriores. É preciso, simplesmente, conhecer história um bocadinho mais além do que a da revista maria e dos fasciculos da farinha Amparo.

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  5. Sem o 25 de Abril de 1974, não haveria o 25 de Novembro de 1975. Acima de tudo, acho que poderia ter sido muito pior. Houve excessos e custou dinheiro, mas o dinheiro não é tão importante como as vidas que se poderiam ter perdido se a coisa tivesse dado para o torto. As revoluções não costumam ser fáceis, que o diga a Maria Antonieta.

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  6. Zuricher
    Ter nascido num país onde pode escrever tudo o que escreveu.

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    1. Luís, aceito de bom grado algumas restrições à liberdade de expressão - que eram muito menores do que o mito tenta ensinar e para isso basta ler os jornais desse tempo em qualquer hemeroteca - em troca duma superior qualidade de vida. E, na realidade, qual era a restrição à liberdade de expressão que havia nesse tempo? Essencialmente não se podia propagar propaganda vermelha. O que, sinceramente, parece-me um bem mais do que um prejuízo, dados os tristes e tenebrosos resultados do comunismo em todos os sítios onde chegou.

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    2. "Luís, aceito de bom grado algumas restrições à liberdade de expressão - que eram muito menores do que o mito tenta ensinar e para isso basta ler os jornais desse tempo em qualquer hemeroteca - em troca duma superior qualidade de vida."

      Caro Zuricher, resta-me agradecer-lhe ter-se disponibilizado para ilustrar tão bem aquilo que o Luís Gaspar quis dizer no seu último 'post'.

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  7. Luís, sim, talvez seja uma boa ilustração para esse post bem como para o de hoje da Sara Pitola com a ressalva de que ambos posts aludem a liberdade em geral e nesta agradavel troca de palavras estamos a referir-nos apenas à liberdade de expressão. Uma nota mais: não concordo com a tese subscrita pelos autores (assumindo apenas a liberdade de expressão dado que se olhar ao conceito de liberdade em abstrato não concordo, não discordo nem o seu contrário) nem nunca em dias da minha vida alcandorei a liberdade de expressão a pináculo da existência, princípio, meio e fim do ser humano.

    Num sistema tão complexo como são as sociedades humanas, maximizar um componente pode facilmente refletir-se em prejuízo de vários outros e até, por corolário, numa diminuição da eficiência global do sistema. É desta forma que vejo a liberdade de expressão: um componente da existência humana a par de vários outros. Concebo, aliás, vários casos em que o cerceamento da liberdade de expressão é importante em prol de bens superiores. Isto mesmo é praticado em vários países, hoje mesmo, como sejam os casos da Alemanha ou dos Estados Unidos onde há ocasionais restrições à liberdade de expressão.

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    1. Zuricher, não se trata (longe disso) "apenas" da liberdade de expressão. Trata-se de liberdade, ponto final. Para quem não o viveu pode parecer estranho, e concordo que em sistemas complexos não existem absolutos, mas eu nasci num país onde não apenas não podíamos fazer “propaganda comunista”, não se podia na prática ter qualquer posição de contestação sem sofrer as consequências (e sim, tive familiares que as sofreram). E em que as desigualdades (algumas das quais persistem, sim) eram de facto grilhetas em grande parte da população que lhes retirava a liberdade (a menos que quisessem “dar o salto”).
      Quanto aos pontos que apresenta, nota-se que não viveu pessoalmente o estado novo, e/ou tem dele uma visão romantizada que lhe tolhe o discernimento sobre ele. Muitos dos “vícios” que indica no Portugal de hoje não apareceram numa madrugada de Abril, já estavam cá (mesmo que escondidos pela “ternura” do Secretariado Nacional de Informação). Mesmo a suposta vantagem económica que parece acreditar que Portugal possuía não era significativa e não era relevante para a maior parte da população. Pense o que quiser da Revolução, eu lembro-me do antes e do depois…

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    2. Caro iv, permita-me ir ponto a ponto.

      O conceito de liberdade em geral não me faz qualquer sentido. É que se assumirmos esse conceito geral e pleno de liberdade facilmente temos um problema. Por exemplo, imagine o iv que quer, no exercício da sua liberdade plena, apertar-me o pescoço. Ora, isso choca com a minha liberdade de querer manter-me vivo. Não pode ser. A sociedade decidiu que a minha liberdade de querer estar vivo justifica cercear a sua liberdade de me apertar o pescoço. E muito bem, convenhamos! Apesar do introito jocoso já percebeu onde quero chegar, não já? Ou seja, o conceito de liberdade plena enquanto conceito abstracto não faz (ou não me faz) qualquer sentido. Daí dividi-la. Liberdade de expressão? Liberdade de investimento? Liberdade de residência? Liberdade de profissão? Liberdade de fazer justiça pelas próprias mãos? Liberdade de propriedade? Liberdade de [introduzir o que melhor lhe aprouver]? Cada uma delas é um item e deve ser tratada individualmente.

      Ainda sobre a liberdade de expressão, já estive por períodos de várias semanas em países onde a liberdade de expressão (e muitas outras) era fortemente cerceda. Na Arábia Saudita, por exemplo, onde passei várias semanas seguidas todos os anos até 2008. Nunca tive o mais pequeno problema. Eu sabia quais eram as regras e ou as seguia ou quebrava e sujeitava-me ou se não quisesse aceitar não ia lá, simplesmente.

      Repressão durante o Estado Novo: eu usei deliberadamente a palavra "essencialmente" e não a palavra "exclusivamente" porque sei que, dependendo dos momentos, houve alturas em que algumas coisas mais eram silenciadas, outros períodos mais abertos. Não era porém difícil uma pessoa viver tranquilamente e sem problemas. Como, aliás, foi o caso de toda a minha família alargada, tanto do lado materno como do lado paterno, tanto na metrópole como no ultramar. Eram pessoas que viviam pacatamente as suas vidas sem quaisquer engulhos. Houve porém um denominador comum que foi a repressão do comunismo. Que, ainda assim, foi no Estado Novo mais suave do que em qualquer outro totalitarismo do mesmo sinal. Sem precisar ir longe veja Espanha onde, durante todo o Franquismo, tanto Santiago Carrillo como aquela senhora de voz esganiçada, Dolores Ibárruri, nunca se atreveram a pôr um pé em território Espanhol. É que sabiam de ciência certa, mesmo sem terem experienciado na própria pele, que se fossem apanhados acabavam sete palmos abaixo de terra muito rapidamente. Nunca, jamais, em Portugal aconteceu nada disto da forma que aconteceu em Espanha. E no Chile, e na Argentina, e no Paraguai e em vários outros países.

      Desigualdades e Economia: Ao longo do Estado Novo as desigualdades sociais, efectivamente endémicas na sociedade Portuguesa desde sempre, diminuiram e muito. E, em 1974, continuavam a diminuir. Identicamente a pobreza diminuiu ao longo do Estado Novo havendo uma efectiva convergência com a Europa desenvolvida. Há uma publicação do INE cujo nome agora me escapa, uma coisa publicada já neste século mas não consigo precisar exactamente quando, que tem alguma coisa sobre o assunto e é bastante interessante. Há ainda as séries longas do Banco de Portugal, um livro delicioso chamado "História Económica de Portugal" além de vastissima bibliografia mais sobre esse tempo. Aliás, é algo que mesmo à vista desarmada pode ver-se pelas classes médias, algo que practicamente não existia no Portugal dos anos '20 e, na década de '60 tinha já dimensão e massa crítica. Essa classe média são os filhos das classes pobres da geração anterior. Há um aspecto ao qual tenho muito apreço, a educação superior. Foi precisamente durante o Estado Novo que, pela primeira vez na história de Portugal, os filhos das classes médias em Portugal tiveram acesso aos estudos universitários além dos teológicos.

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    3. Há um aspecto ao qual tenho muito apreço, a educação superior. Foi precisamente durante o Estado Novo que, pela primeira vez na história de Portugal, os filhos das classes médias em Portugal tiveram acesso aos estudos universitários além dos teológicos. Algo que foi possivel por um lado precisamente pela ascensão de várias famílias da pobreza à classe média e, por outro, permitiu aos filhos dessas familias mobilidade social ascendente. Nota-se ainda esta melhoria das condições de vida das populações num indicador indirecto, a migração do trabalho do sector primário para o sector secundário, mais bem pago e, nos 1970s, havia já um sector terciário com peso expressivo no PIB Português. Há, de resto, vastos e bastos elementos sobre este assunto, dados estatítisticos sem fim e, claro, a possibilidade de os trabalhar e conjugar todos por forma a alcançar conclusões válidas.

      Vícios: sei perfeitamente que muito do que aponto tem a sua origem na Portugalidade, na ancestralidade Portuguesa, no que é ser Português. A grande vantagem do Estado Novo é que refreava as facetas mais negativas da Portugalidade limitando os seus impactos negativos. É precisamente este o motivo pelo qual não acredito na democracia como regime passivel de conduzir a sociedade Portuguesa ao progresso e à riqueza. Durante o Estado Novo o diletantismo lusitano não tinha como exprimir-se e havia uma hierarquia que de alguma forma conjugava tudo e impedia que cada um remasse para o seu lado. O progresso económico do Portugal do pós-guerra não aconteceu por acaso. Aconteceu porque a sociedade Portuguesa da época teve as suas energias devidamente canalizadas para esse objectivo. O argumento de que todo o mundo progrediu muito não colhe ou pelo menos não colhe por inteiro. É que houve muitos países que não acompanharam esse salto da altura e, muitos outros, que o acompanharam num grau muito inferior àquele verificado em Portugal.

      Visão romantizada: não concordo consigo, em absoluto. Penso que o iv não precisaria ter vivido num campo de trabalho Soviético para saber quais eram as suas condições, certo? Há abundante documentação e abundantes relatos sobre o assunto que permitem a quem não viveu lá ter uma noção muito aproximada do que era a vida nesses sítios. Tenho dedicado grande parte da minha vida desde a adolescência a vários assuntos. O conhecimento do Salazarismo e do Franquismo bem como a comparação entre ambos é precisamente um deles. Perdoar-me-á mas penso ter um conhecimento muito razoavel desse tempo muito para além do oficialismo bota-abaixista. Nada diferente, de resto, daquele que houve a respeito do Marquês de Pombal que embora tenha sido vítima de todos os enxovalhos nos anos que se seguiram a ter sido apeado pela raínha D. Maria I, acabou por ter as honras que todos conhecemos hoje em dia. O tempo permitirá colocar o Estado Novo no plano da realidade e acabar com vários dos mitos existentes a esse respeito. Permitirá analisa-lo de forma fria, com distanciamento e no seu contexto próprio. Poder-se-á então ver qual o ponto de partida, o que era Portugal em comparação com o resto da Europa, como evoluiu e convergiu, onde estava em 1974 e como evoluiu daí em diante. Nessa altura ter-se-á uma visão muito mais clara do Estado Novo, uma visão muito além dos sentimentos que, apesar de já lá irem 40 anos, estão ainda muito à flor da pele. Demasiado dado o tempo que passou mas enfim, é assim. Por outro lado, iv, enfim, tenho família e amigos que viveram nesse tempo, gente das mais variadas origens, tanto da metrópole como das províncias ultramarinas e, na metrópole, tanto de Lisboa como do interior. Gente mais acomodada, gente menos, gente que teve que ir para França, gente que ficou em Portugal, gente do regime, gente que não apoiava assim tanto. E sempre me tenho dedicado a ouvi-los, além de várias outras fontes, claro. Num post anterior aludi aos jornais desse tempo. Foi algo a que, em anos muito idos, me dediquei com muito afinco e interesse. E, não posso negar, muito bons momentos passei a ler os jornais de há várias décadas.

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    4. A terminar: tenho perfeita noção de que a sociedade Portuguesa não quer voltar a viver num regime totalitário. Sei perfeitamente que uma grande parte da sociedade recusa o Estado Novo. Mas será que se se conseguir eliminar por inteiro as emoções e se olhar para o Estado Novo de forma clara, fria, seca e objectiva, essa recusa visceral se mantém?

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  8. Ora bem...
    Só hoje de manhã regressei à DD, tendo a surpresa da reacção ao meu curto post de ontem. Quando o escrevi não estava a pensar em ninguém – e estava a pensar em todos os que, atacando Abril, defendem a ideologia do regime por ele deposto, ideologia que, não sendo fascismo duro, está na linha dos fascismos alemão e italiano.
    Como disse, poderia ter escrito outro post, muito mais extenso, mas limitei-me a dizer com clareza que existindo sempre duas verdades, consoante a cor dos óculos usados, se compreendem as diferenças de opinião. Mas acrescentei que mesmo assim, valia sempre a pena um esforço para uma análise mais fina (que levaria ao comedimento nas palavras).
    O prezado leitor Zuricher sentiu-se visado (e com razão, embora não tivesse sido esse o meu intento). Produziu por isso um texto longo onde expõe com clareza as suas ideias. A discussão delas, ponto por ponto, seria interessante, mas estou certo que levaria a nada. Dir-me-ão que mesmo assim mereceria a pena, e que é esse um dos objectivos deste blog; confesso que me cansa muito argumentar quando não há lugar a um diálogo vivo, que neste caso seria indispensável.
    Penso que o ponto de vista do Zuricher (a quem agradeço o texto) foi tão claro como o meu, que tão pouco escrevi. Para mim, Abril devolveu-me o orgulho de ser português. Para ele, retirou-lho. Paciência.

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    1. Caro Cândido Varela de Freitas:
      Disse, a propósito de um comentário em fascículos: «O prezado leitor Zuricher (...). Produziu (...) um texto longo onde expõe com clareza as suas ideias. A discussão delas, ponto por ponto, seria interessante, mas estou certo que levaria a nada.»
      A discussão das ideias expostas nesse comentário nunca poderia ser interessante, porque a base de partida não permite uma discussão leal, franca e aberta. Trata-se de um conjunto de convicções ideológicas arreigadas, inquestionáveis, indiscutíveis. Usando uma imagem, é como se alguém tentasse convencer um daltónico de que uma determinada cor é vermelha, quando ele a vê verde.
      Há dias usei aqui, noutro post, outra imagem, para caracterizar o ambiente mental e intelectual em que decorre a maior parte da discussão no espaço público, em especial na anónima blogosfera, onde as pessoas nem se dão ao trabalho de se identificarem pelo nome completo ou, ao menos, por parte dele.
      Era a seguinte: Se tivermos duas pessoas semelhantes e a uma retirarmos todos os defeitos, teremos um Deus; se à outra retiramos todas as virtudes, teremos um Diabo. No entanto, elas continuarão semelhantes.
      No caso da comparação do regime ditatorial do Estado Novo com o regime democrático do 25 de Abril, o comentador faz mais do que isso: deturpou a realidade num exercício em que é difícil distinguir que parte da manipulação é ignorância, que pate é fanatismo ideológico, que parte é má-fé, que parte é desonestidade intelectual.
      Perante tal nível de dislate, de facto, nem vale a pena tentar discutir com a pessoa em causa.
      Só estranho que alguém tenha a lata de escrever aquilo publicamente e não sinta vergonha.
      Enfim, há gente para tudo neste mundo.




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    2. Precisamente pelo que diz, uma discussão viva poderia ser interessante, pelo menos para desmontar aqueles adereços que no quadro não condizem com a paisagem... Mas, meu caro Manuel Silva, nenhum de nós (eu e o Zuricher) ganharíamos senão o aplauso de quem pensa como nós, ou perto de nós.

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    3. Precisamente pelo que diz, uma discussão viva poderia ser interessante, pelo menos para desmontar aqueles adereços que no quadro não condizem com a paisagem... Mas, meu caro Manuel Silva, nenhum de nós (eu e o Zuricher) ganharíamos senão o aplauso de quem pensa como nós, ou perto de nós.

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  9. Caro Cândido, nunca tive nada contra esse tipo de discussão. Ao longo da vida tenho participado em várias sobre este tema e não é nada novo para mim. Tanto com pessoas que defendem a democracia como, numa bizarra ocasião, com um dos certamente muito raros apoiantes que ainda restam em Portugal de Francisco Rolão Preto e do seu integralismo lusitano. Se houver alguma função nesta caixa de comentários que permita inserir quadros e gráficos, aí então, é ouro sobre azul. Doutra forma, convenhamos, estar a transcrever quadros e a descrever gráficos não apenas é bastante maçador como perde a sua legibilidade. Com boa vontade, porém, algo pode arranjar-se, ainda assim.

    Há depois aspectos que são mais subjectivos e dependem da forma como cada um vê a vida e o mundo. Aí, claro, uns gostam, outros não. Posso dar como exemplo a repressão política ao comunismo. O Cândido, por sentimentos democráticos, certamente não gostará da sua existência. Eu, pelo meu lado, por puro pragmatismo e atendendo aos danos humanos que o comunismo sempre perpetrou em todos os sítios onde existiu, nada tenho contra a sua repressão. Ora, aqui já entramos pelo caminho das convicções pessoais que, embora seja possivel, já é muito mais dificil de reduzir a quadros e gráficos.

    Devo porém fazer notar um aspecto: conforme disse anteriormente sei perfeitamente que a população Portuguesa é muito maioritariamente desfavoravel a um regime totalitário. As minhas palavras não pretendem, de todo, pugnar pela introdução de tal regime em Portugal até porque o tempo não volta para trás. Isso seria lutar contra moinhos de vento e o meu nome, de todo em todo, não é Alonso Quijano. É minha intenção, sim, o contraponto de vivencias e, principalmente, através de métodos racionais desmontar vários mitos que existem sobre o Estado Novo. É também minha intenção nestas conversas aperceber-me de como imaginam as pessoas a evolução de Portugal sem a revolução. Claro que é uma conversa que, para ser feita com termos, é muito longa e, bem vistas as coisas, tenho as minhas dúvidas que um espaço de comentário num blog seja terreno adequado a tal cultura.

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    1. Caro Zuricher, vejo que concorda comigo quanto à (relativa) inutilidade de um debate aprofundado na caixa de comentários de um blog. Na verdade, logo à partida haveria um problema - as nossas convicções acerca do que é "reprimível" não conviveriam bem. Os nossos conceitos de liberdade não serão os mesmos. Ora compatibilizar isto seria muito complicado e, sinceramente, não mereceria o esforço que iríamos despender. Ficamos pois assim: pelo menos, sabemos, nós e quem nos leia, as posições de partida. Terminando a conversa, apenas quero reforçar a ideia que o meu post inicial não o visava a si. Esperemos por ocasiões em que possamos estar de acordo, que as deve haver, creio.

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  10. Caro Cândido M. Varela de Freitas:
    Desculpe-me corrigi-lo, não são os adereços do quadro que não condizem com a paisagem.
    É toda a pintura que está em total dissonância com a paisagem retratada.
    Toda aquela descrição idílica do que era o Estado Novo não passa de uma visão fantasiada de um fiel apoiante daquele regime, de uma construção falsa da coisa.
    Não há ali a mínima adesão à realidade, bastava, por exemplo, começar a fazer desfilar alguns indicadores inquestionáveis, validados nacional e/ou internacionalmente.
    Não se trata de opinião, que normalmente valoriza ou desvaloriza uma dada realidade: trata-se de a perverter fantasiando-a.

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    1. Bom, na verdade a própria paisagem estava adulterada, mas não quis ser muito duro.

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  11. No princípio dos anos 90 foi defendido por um Psicólogo chamado Pallas que todos temos uma pequena componente mental fascista, relacionada com a necessidade de ter certezas, e que é sobre ela que se erigiram os regimes que restringem a liberdade. Sugeriu ele, então, o uso da expressão "estado fascista da mente", cuja consequência é encurtar áreas de interesse como a bondade, a verdade e a lógica. Sobre esta matéria o Luís adicionou neste DdD um vídeo de 7 minutos no qual a sublime interpretação de Maria do Céu Guerra mostra como é que os portugueses estavam a ser destruídos.
    https://destrezadasduvidas.blogspot.pt/2016/04/25-de-abril-serventia-da-liberdade.html

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