segunda-feira, 18 de abril de 2016

Stalking

Um dos mais poderosos, centrais e ignorados pensamentos de Marx é o de que nem os opressores, nem os oprimidos, são livres. Os opressores, naturalmente, estão em muito melhor situação do que os oprimidos em quase tudo - mandam, são ricos, vivem bem. Mas, à semelhança dos oprimidos, não são livres. Não podem, na realidade, deixar de se comportar do modo que a relação de poder que estabelecem com os oprimidos exige. A sua liberdade - de pensamento, de consciência, de ação - está limitada aos pensamentos e às ações que verdadeiramente não comprometem o seu poder. 

Lembrei-me deste detalhe, quantas vezes ignorado, ao ver esta notícia do Expresso sobre o stalking. Diz a notícia que o stalking é um crime de género, e que mais de 90% das queixas são feitas por mulheres. Não acredito nisso por um único momento. Acredito é que os homens não façam queixa, precisamente porque a desigualdade de género não afeta só as mulheres. Afeta também os homens, nomeadamente ao impor-lhes um modelo no qual eles também não são livres. Um homem, numa sociedade de poder machista, é privilegiado em relação à mulher em praticamente todos os respeitos mas, tal como ela, não é verdadeiramente livre. Homem que é homem manda, controla, é forte. Dá um berro e a mulher põe-se em sentido. Não se deixa cá dominar e controlar por uma fêmea. Numa sociedade machista, os homens que não queiram comportar-se desta forma são marginalizados - e o comportamento desviante deles devidamente racionalizado. 

Um homem vítima de stalking é, para a sociedade machista, um parte corações e não, como devia ser, uma vítima. Não nos esqueçamos disto nunca. Opressores e oprimidos, ambos, são privados de genuína liberdade.  

5 comentários:

  1. Eu devo viver num mundo imaginário em que as mulheres têm muitíssimo mais poder do que aquele que de um modo geral se lhes atribui e em que os homens tem muitíssimo menos liberdade do que aquela de que reza a história.

    Se eu continuar a ler-vos ainda vou acabar por duvidar do que os meus olhos vêem.

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    1. É claro que temos poder, Isabel, e prova disso é que ninguém nos topa. Enfim, não podemos revelar todos os nossos segredos--o segredo é a arma do negócio, ou a alma...

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    2. Bob Dyllan leu Marx evidentemente e compôs este tema:
      "Gotta Serve Somebody"


      You may be an ambassador to England or France
      You may like to gamble, you might like to dance
      You may be the heavyweight champion of the world
      You may be a socialite with a long string of pearls.

      But you're gonna have to serve somebody, yes indeed
      You're gonna have to serve somebody,
      It may be the devil or it may be the Lord
      But you're gonna have to serve somebody.

      Might be a rock'n' roll adict prancing on the stage
      Might have money and drugs at your commands, women in a cage
      You may be a business man or some high degree thief
      They may call you Doctor or they may call you Chief.

      But you're gonna have to serve somebody, yes indeed
      You're gonna have to serve somebody,
      Well, it may be the devil or it may be the Lord
      But you're gonna have to serve somebody.

      You may be a state trooper, you might be an young turk
      You may be the head of some big TV network
      You may be rich or poor, you may be blind or lame
      You may be living in another country under another name.

      But you're gonna have to serve somebody, yes
      You're gonna have to serve somebody,
      Well, it may be the devil or it may be the Lord
      But you're gonna have to serve somebody.

      You may be a construction worker working on a home
      You may be living in a mansion or you might live in a dome
      You might own guns and you might even own tanks
      You might be somebody's landlord you might even own banks.

      But you're gonna have to serve somebody, yes
      You're gonna have to serve somebody,
      Well, it may be the devil or it may be the Lord
      But you're gonna have to serve somebody.

      You may be a preacher with your spiritual pride
      You may be a city councilman taking bribes on the side
      You may be working in a barbershop, you may know how to cut hair
      You may be somebody's mistress, may be somebody's heir.

      But you're gonna have to serve somebody, yes
      You're gonna have to serve somebody,
      Well, it may be the devil or it may be the Lord
      But you're gonna have to serve somebody.

      Might like to wear cotton, might like to wear silk
      Might like to drink whiskey, might like to drink milk
      You might like to eat caviar, you might like to eat bread
      You may be sleeping on the floor, sleeping in a king-sized bed.

      But you're gonna have to serve somebody, yes indeed
      You're gonna have to serve somebody,
      It may be the devil or it may be the Lord
      But you're gonna have to serve somebody.

      You may call me Terry, you may call me Jimmy
      You may call me Bobby, you may call me Zimmy
      You may call me R.J., you may call me Ray
      You may call me anything but no matter what you say.

      You're gonna have to serve somebody, yes indeed
      You're gonna have to serve somebody,
      Well, it may be the devil or it may be the Lord
      But you're gonna have to serve somebody.

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  2. De Marx, prefiro a sua famosa frase quando, um belo dia, veio do Além e visitou a URSS. Desiludido com o que se lhe deparou, desabafou: "Proletários de todo o Mundo: dispersai!"

    Nota: esta citação não é apócrifa: consta dos arquivos soviéticos, abertos à investigação após a queda do Paraíso na Terra.

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  3. Grosso modo, e neste artigo, apenas 1/4 dos pares stalker/stalkee não têm ligações amorosas anteriores, apenas 1/3 está fora do ambiente laboral, apenas ½ não têm formação superior, e apenas ½ são casados.

    O paradigma neoclássico ajusta-se bem ao stalking, porque capta a existência de uma estratégia de custo-benefício em cada stalker, em cada stalkee e em cada duo, e desde que os nossos antepassados começaram a relacionar-se.

    Em estudos feitos junto de universitários americanos notou-se que elas percebem mais depressa que eles quando é que estão na posição de stalkee. Então, não é por terem vergonha que os eles não denunciam mais e mais cedo. É porque percebem de modo algo diferente e o processo poderá não ser, ou ser, o deduzido pelo Luís. Não sei, nem sei exclui-lo.

    Sendo assim, a referência ao género é uma tentativa para explicitar uma realidade difícil – a percepção que cada um dos agentes tem da situação, e a falta dela.

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