quarta-feira, 20 de abril de 2016

Políticas de pena

O "trabalho voluntário é uma treta" insere-se no que eu denoto de "políticas de pena". As políticas de pena, muito usadas em Portugal, servem para dar a impressão que o político que profere o comentário é bem intencionado e tem os interesses dos mais fracos salvaguardados. Só que a realidade não suporta a asserção.

Portugal tem a máquina fiscal mais tecnologicamente avançada do mundo, onde o cruzamento de dados e a publicação de informação dos contribuintes na Internet servem para extrair o máximo em impostos. A Autoridade Tributária começou a fazer visitas surpresa a empresas, dizendo que estas devem mais impostos do que declaram, obrigam os empresários a pagar, e estes têm de contratar advogados e contabilistas mais sofisticados para se poder defender e reaver o seu dinheiro contra a máquina do estado. Entretanto, o estado recebe financiamento temporário. Eu, que estou do outro lado do Atlântico, tomo conhecimento de casos destes em primeira mão, pois conheço pessoas nesta situação. Seria muito improvável que isto acontecesse se estes casos fossem únicos, logo suspeito que são casos comuns.

Não consigo ver uma ponta de boa-intenção nas declarações de Catarina Martins porque o Bloco de Esquerda apoia este governo, teve oportunidade de participar nele, e recusou-se a fazê-lo. Agora fala como se o Bloco tivesse a solução, mas não fosse parte dela. E depois há o "voto de ignorância" que os políticos parecem fazer. Querem nos dizer que a mesma tecnologia que serve para espiar os portugueses e extrair deles impostos não pode ser usada para apanhar empresas e "associações de voluntários" sem escrúpulos que os exploram? A tecnologia não tem partidos, nem causas, dá para tudo.

Conheço pessoas que, quando lhes ofereceram emprego, lhes perguntaram se queriam com ou sem contrato: sem contrato ficariam com o dinheiro dos impostos, mas sem as protecções do estado; com o contrato ficariam as protecções do estado, mas sem o dinheiro de impostos. E muita gente prefere o dinheiro à proteção do estado e depois fica sem nada porque os empresários mentem e pagam menos sem contrato. Será que não dá para usar análise de dados para apanhar empresas prevaricadoras? Dá, mas o governo não quer, porque para os políticos poderem andar por aí a caçar votos a dizer que têm pena dos portugueses explorados é preciso que estes existam.

2 comentários:

  1. Isso aplica-se nos casos em que a empresa paga mesmo um ordenado; mas nos casos em que a empresa ou outra instituição utiliza "voluntários" dizendo algo como "daqui a uns meses vamos ter alguns empregados permanentes; quando formos fazer as contratações, é mais fácil para alguém que já esteja cá dentro", não estou a ver muito bem se haveria uma solução tecnológica para descobrir esses casos.

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    1. Haveria pois, se o estado fizesse cruzamento de dados entre colaboradores e empresas, poderia descobrir muita coisa acerca das práticas delas. Por exemplo, o estado poderia saber o rácio de empregados por empresa por tipos de indústria e descobrir aquelas que tinham volumes de negócio que eram anormais para aquele número de empregados, dado o tipo de negócio, características da instalação, etc. O tempo de duração do emprego, a frequência de contratação, etc. também são variáveis que podem ser estudadas para identificar empresas que se aproveitam dos colaboradores.

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